Desde o dia 3 de Outubro que o Centre Pompidou em Paris tem em exposição cinco vídeos de David Claerbout, um mais antigo, de 2002 , dois realizados este ano e “The Bordeaux Piece”de 2004 e “Shadow Piece” de 2005. Em todos a arquitectura é elemento fundamental. “Je m’intéresse aux propositions faites par des espaces construits, ..bien sûr l’architecture est à la fois un élément qui insuffle une forme, une géometrie,...ele filtre et répartit la lumière dans un lieu” comenta Claerbout numa entrevista.
David Claerbout, "The Bordeaux Piece", vídeo, 2004
O título, “The Bordeaux Piece”, remete para o espaço onde é filmado: a casa que Rem Koolhaas construiu em 1998 em Bordéus. A proprietária, como nos recorda Claerbout “...avait proposé à des plasticiens d’y intervenir, mais le lieu était trop “signé” et ils n’y trouvaient pas leur place”. Para ele é impossível recusar tal desafio porque vê na casa de Koolhass uma escultura construida para receber luz, e isso fascina-o. A luz, vai simultaneamente ser matéria e sujeito nos vídeos de Claerbout.
Para a acção e diálogos, Claerbout vai inspirar-se no filme “Le Mépris”, 1963 de Godard, o diálogo é o que menos lhe importa, poderia ter sido outra história qualquer, para ele “je cherche des images qui nos procurent une impression de déjà-vu. Ce que je désigne, en dernier lieu, c’est un espace, un moment ou un horizon extérieur au sujet traité.” Durante um mês, entre Julho e Agosto, desde o amanhecer, 5h 30mn, ao anoitecer, 22h, Claerbout filma planos fixos de dois a três minutos durante sucessivas horas do mesmo dia, no final juntou todas as cenas filmadas à mesma hora dos diferentes dias. Em planos sucessivos, com a duração de dez a doze minutos o diálogo repete-se.
David Claerbout, do vídeo, "The Bordeaux Piece", 2004
O espectador ouve o primeiro e talvez o segundo, depois deixa de ouvir, a narração da história deixa de ter importância, o tempo total do vídeo, 13 horas e 40 minutos, acentua a anulação da narrativa pois excede largamente os hábitos do espectador. O cinema usa a ilusão do movimento para tornar apreensível e credível para a vista a simulação da vida, mas o que interessa a Claerbout não é a ficção de uma história, nem um documentário da obra de Rem Koolhaas, o que lhe interessa é mostrar a arquitectura da casa de Rem Koolhaas estruturada pela luz.
David Claerbout, do vídeo "The Bordeaux Piece", 2004
Progressivamente, com a técnica que utiliza da repetição do diálogo nos planos fixos sucessivos, a casa, estruturada pela luz, sobressai, e a história, o diálogo, é esquecido. O vídeo de Claerbout é o contrário do cinema, a narração da história desaparece pela duração do tempo e é a luz, filmada ao longo do dia, que gradualmente se constitui na matéria e sujeito, é ela que constroí o espaço, pois as sombras, que dependem da luz, desenham os espaços.
David Claerbout, do vídeo "The Bordeaux Piece", 2004
Em “The Bordeaux Piece” o jogo entre fotografia, imagem-parada, e cinema, imagem-movimento desempenha um papel fundamental. À semelhança da fotografia, que fixa numa ínfima fracção de tempo a casa de Rem Koolhaas, no vídeo, durante dez a doze minutos, diferentes planos fixam a mesma intensidade luminosa, a luz filmada à mesma hora durante os vários dias. À semelhança do cinema, fluxo torrencial de imagens, o vídeo embora numa resistência a esse fluxo de imagens, revela na casa o movimento das sombras. Claerbout utiliza o cruzamento da fotografia e cinema, para criar através do vídeo, uma outra forma de produção do visível.
“Shadow Piece”, um outro vídeo de Claerbout remete também para uma arquitectura moderna, mas desta vez, o suporte, uma fotografia encontrada num arquivo de imagens de arquitectura moderna não identifica o autor. Em “Shadow Piece” Claerbout sobrepõe à imagem fotográfica, a acção de um vídeo onde várias pessoas tentam entrar no edifício.
David Claerbout, do vídeo "Shadows Piece", 2005
Mas ao contrário do vídeo anterior, a fotografia fixa as sombras, e nos 25 minutos que dura o vídeo as sombras não se alteram. Nós observadores estamos dentro do hall e olhamos do cimo das escadas o espaço fechado pelas portas de vidro, que as pessoas tentam em vão abrir. As sombras, em primeiro plano, o esqueleto vivo da composição, anulam agora a duração do tempo, as acções sucedem-se, mas agora é a imobilidade das sombras que revelam a paragem do tempo. Neste vídeo “la lumière joue pourtant un rôle un peu différent de celui qu’elle tient dans les autres pièces. Elle éclaire particulièrement l’architecture moderniste, la transparence qu’elle promet et que ce type de photographie d’architecture cherche à accentuer”comenta Claerbout.
Miguel Coelho, é arquitecto e um rigoroso fotógrafo de arquitectura, “people find it natural that an architect-photographer should concentrate on architecture”, diz Gabriele Basilico, também ele arquitecto de formação e fotógrafo de arquitectura. Muitos são os exemplos, e aqui já vimos as fotografias que o arquitecto Victor Palla tirou à casa que construiu para si.
Há dias entrei pela primeira vez no site “fotografia de arquitectura”, de Miguel Coelho e fiquei fascinada com as superfícies e volumes criados pela depuração de linhas e planos das suas fotografias.
Miguel Coelho, Casa de chá da boa Nova, Matosinhos, Portugal, Arq. Álvaro Siza
Num primeiro momento parecia que as já tinha visto, um “déjà-vu” como refere Claerbout. Depois veio-me à memória as imagens dos vídeos de Claerbout que vira há dois anos. Seguiu-se Dan Graham, o artista que encarou o espaço urbano dos subúrbios como esculturas minimalistas, e que gostava de documentar as suas preocupações denunciando com as suas fotografias a perca de individualidade dos subúrbios, simulado pelas variações possíveis.
Dan Graham, Row of New Tract Houses, Bayonne, N.J., 1966
Miguel Coelho, "Moradias da Azenha", Matosinhos, Portugal, Arq. Elisiário Miranda
Graham fotografou com frontalidade, verticalidade, rectidão (são raras as linhas curvas), como agora fotografa Miguel Coelho, que nos mostra como os aquitectos hoje exploram e mudam as qualidades do espaço.
Dan Graham, Split Level, two Home Homes, Jersey City, N.J., 1966
Miguel Coelho, Edifício residencial "Luso", Porto, Arqs. José Carlos Loureiro, Luis Pádua Ramos
Mas porque me terá vindo à memória os vídeos de Claerbout quando olhei para o portefólio de Miguel Coelho? Terá sido a associação a Rem Koolhaas e às sombras, que a partir da luz, desenham a entrada do hall da Casa da Música no Porto?,
Nestas fotografias,
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