quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Fotografia científica (II)

Terminámos o post anterior com as fotografias tiradas pela NASA a Neil Armstrong, o astronauta que ao pôr pela primeira vez o pé na Lua, a 20 de Julho de 1969, declarou “isto é um salto de gigante para a humanidade”, e para a NASA o início de uma nova era.
Nasa, Missão STS 41 - C James D. Hoften na alcova de armazenamento do Shuttle Challenger durante a colocação do stélite solar Max, Abril, 1984

Mas foi também a olhar para os céus, para as estrelas e constelações, que David Stephenson apontou a sua câmara fotográfica, e inspirado na Fuga de Bach e na beleza sublime da abóbada celeste vista num deserto da Austrália, local privilegiado para a observação, tirou estas magníficas fotografias.
David Stephenson, Estrelas 1996/nº702, 1996
David Stephenson, Estrelas 1996/nº706, 1996

É a olhar para o céu que o homem se situa de novo no centro do Universo, pois é a olhar para o céu que o homem se confronta com o infinito, o melhor campo para a imaginação deambular. E a imaginação de Stephenson deambulou ao incluir o tempo_ o movimento_ o movimento aparente das estrelas - resultado da rotação da terra - e o movimento da rotação da câmara fotográfica que predeterminou.
Para fotografar a constelação Orion, a primeira fotografia, Stephenson rodou a câmara fotográfica em 90º por quatro vezes, deixando em cada exposição, o tempo de cinco minutos. Na segunda, fotografou a Cruz do Sul, onde manteve a rotação da câmara mas onde o tempo foi três vezes superior.
Para obter configurações mais complexas, como estas espirais,
David Stephenson, Estrelas 1996/nº1004, 1996

Stephenson programou mais rotações para tempos de exposição mais curtos, vinte e quatro rotações de 15º para tempos de exposição de três minutos. A estrela brilhante que traça esta espiral é provavelmente o planeta Vénus, pensa Stephenson.
Mais recentemente, 2005, começou uma nova série de cartas celestes, utilizando tempos de exposição que durarão uma noite inteira. Nestas duas fotografias, os títulos são explícitos sobre a posição e o dia.
David Stephenson, Estrelas W x NW, 1-2/9/2005, Austrália Central, 2005
David Stephenson, Estrelas N x NE, 3-4/9/2005, Austrália Central, 2005

Ao contemplar estes céus, espaço e tempo confundem-se, é a reinvenção do sublime a partir da câmara fotográfica, pois há fotógrafos que conseguem ultrapassar os limites da fotografia.

Mas foi precisamente sobre o movimento, o movimento invisível da locomoção, que Françoise Paviot inicia a sua visita guiada em “Yes Indeed”, a exposição sobre fotografia científica que montou na sua galeria e que tem inspirado estes posts.
Como refere Paviot no vídeo, falar de movimento em fotografia, é falar de Étienne-Jules Marey (1830-1904) e Eadweard Muybridge (1830-1904), reparem na coincidência das datas de nascimento e morte. Ambos criaram aparelhos apropriados para o registo do movimento e deram a conhecer ao mundo movimentos imperceptíveis em observação directa. A fotografia era então utilizada como solução de vários problemas científicos relacionados com o movimento.
Muybridge, instigado por Leland Stanford um rico criador de cavalos da Califórnia, consegue fotografar a corrida de um cavalo com intervalos regulares e precisos.
Eadweard Muybridge, Galloping Horse, 1878

Através de uma técnica sofisticada e utilizando um novo tipo de câmara, Muybridge conseguia registar as fases de um movimento, que para o olho humano seriam difíceis de detectar e mais tarde alarga estas suas experiências à locomoção humana.
Eadweard Muybridge, Plate 365, do livro "Animal Locomotion", 1885

Em 1887, compilou nos seus onze volumes de “Animal Locomotion” mais de 20 000 fotografias.
Eadweard Muybridge, Ben Bailey subindo uma escada, 1885

Marey era fisiologista, e vivia em França. Para ele as funções vitais, objecto de investigação fisiológica, eram fenómenos puramente mecânicos. Através dos aparelhos que criou, Marey conseguia traduzir em termos gráficos os movimentos do corpo e dos seus órgãos internos, como o pulsar do coração.
A imagem gráfica não nos dá a realidade, não é mimética, é antes uma transformação métrica de determinados fenómenos inacessíveis aos nossos sentidos. Os registos gráficos desenvolveram-se no início do século XIX e eram uma novidade, por exemplo uma frase podia ser representada por um conjunto de curvas, (ondas radiofónicas) aplicadas a um aparelho vibrador que restituíam uma frase sonora e estes mecanismos de registo produziam imagens totalmente novas.
Estudo fisiológico da voz humana, M. Piltan, 1887

Marey enquanto fisiologista e homem das ciências foi dos primeiros a escrever sobre o assunto. Em 1878, publicava “La méthode graphique dans les sciences expérimentales”. Neste livro, Marey ilustrava através de gráficos, fenómenos físicos complexos, difíceis de explicar ou mostrar. De forma mecânica, através dos aparelhos que criou, Marey conseguia captar, medir e transmitir traços que constituíam os registos gráficos.
Étienne Jules Marey, excitações sucessivas no músculo de uma rã, do livro "La Méthode Graphique"

Por fenómeno entendia Marey tudo que fosse caracterizado por variações de grandeza física, como dilatação, temperatura, pressão, velocidade do vento, corridas, bolsas de valores, estatísticas de natalidade…, cuja variação lenta ou rápida, brusca ou contínua, tinha como variável fundamental o tempo. Para ele todos os fenómenos, sejam eles económicos, metereológicos, fisiológicos, estatísticos, biológicos, físicos…eram determinados pelo tempo.
Étienne Jules Marey, Diferentes traços de um mesmo fenómeno fisiológico, pulsação cardíaca, 1894

Por ser eficaz e útil ao permitir a visibilidade de fenómenos invisíveis, o método gráfico tornou-se numa nova linguagem universal e foi amplamente divulgado mesmo fora dos meios científicos. No ano em que Marey publicou o seu livro, 1878, Muybridge publicava as suas primeiras sequências da corrida de um cavalo. Ao vê-las, Marey não se contenta com o seu método gráfico, e utiliza a câmara fotográfica para também ele registar de forma mecânica e precisa o movimento de um homem a correr durante um determinado tempo.
Étienne Jules Marey, Fotografia representando as diversas fases sucessivas de um homem a correr, do livro "La photographie du mouvement"

Contudo para precisar melhor o movimento, o modelo vestia-se de preto e nos membros e articulações pertinentes à análise do movimento da locomoção, pintou linhas e pontos brancos.
Étienne Jules Marey, Estudo da locomoção c. 1884
Étienne Jules Marey, Análise cronofotográfica da marcha, 1883

Nestas imagens o sujeito em movimento aparece em posições múltiplas em diferentes pontos no espaço. Marey transformava também a fotografia num método gráfico, produzindo diagramas de um novo género.
Étienne Jules Marey, Marcha de um homem, trajectória de diferentes articulações, do livro "Développement de la Méthode Graphique par l'emploi de la photographie"

Em 1887 utiliza o termo cronofotografia, que levaria mais tarde à invenção do cinema, para designar as fotografias registadas de forma sucessiva na mesma placa fotográfica.
Étienne Jules Marey, cronofotografia, 1890

Com o desenvolvimento de placas mais sensíveis à luz, em 1888-89 Marey deixa a placa única e fotografa em vários momentos (50 fotografias por segundo), o movimento. A imagem global lê-se como uma sequência de imagens elementares que por sua vez são posições reais no espaço e no tempo.
Se no virar do século, ambos os trabalhos influenciaram os futuristas italianos, como Anton Giulio Bragaglia,
Anton Giulio Bragaglia, O estalo, 1912

também Marcel Duchamp não ficou imune a estas influências ao pintar o seu “Nu descendo uma escada”, 1912,
Marcel Duchamp, Nu descendo uma escada, 1912

o quadro que provocou um escândalo no Armory Show, 1913, de Nova Iorque. Alguns anos mais tarde Harold Edgerton, registava o grafismo deixado pelo bastão de uma majorette,
Harold E. Edgerton, A drum majorette at the Belmont, Massachusetts, High School Twirling a baton, 1948

enquanto que Andreas Feininger, registava em desenho as curvas das pás em movimento de um helicópetro.
Andreas Feininger, Desenho feito por helicóptero com luzes nas pás do rotor, Navy Field em Anacostia, Maryland, 1949
Na actualidade, o movimento implícito de ambos os trabalhos continua a despertar a atenção dos artistas contemporâneos. No ano passado o centro Georges Pompidou adquiriu para a sua colecção fotográfica, os trabalhos do artista Olafur Eliasson, que à semelhança de Marey registou as oscilações da locomoção humana, como um registo gráfico.
Centro Pompidou, exposição dos trabalhos adquiridos para a colecção, Dezembro 2007
Olafur Eliasson, Centro Pompidou, exposição Dezembro 2007
Olafur Eliasson, Centro Pompidou exposição Dezembro 2007
Olafur Eliasson, Centro Pompidou exposição Dezembro 2007

Sol LeWitt, o artista conceptual que morreu no ano passado, deixou-se fascinar pelo fenómeno do movimento ao ver o livro “Animal Locomotion” de Muybridge. Se o trabalho de Muybridge facilitou a invenção do cinema, para LeWitt vai ser o modus operandi dos seus trabalhos seriais. Para ele as séries de Muybridge eram também interessantes por nenhuma delas ter um ponto culminante, faziam todas parte de um todo que isoladamente perdiam o seu significado principal, ou seja, o movimento implícito. Como LeWitt referiu “a corrida de um homem no livro de Muybridge foi a inspiração para todas as transformações de um cubo dentro de um cubo, um quadrado dentro de um quadrado…”. “Variações de cubos incompletos”, a série de cubos incompletos que o espectador terá de completar, é hoje um trabalho de referência. Mas "Parede de Tijolos" será talvez o trabalho fotográfico que melhor representa esta dinâmica serial. Composto por 30 fotografias, tiradas de uma das janelas da sua casa o ponto de vista é fixo, mas “sempre que olho para a parede ela muda e mantém uma beleza constante, em todos os momentos”, diz LeWitt. E em "Muybridge I, Representações esquemáticas de uma vista interior" uma homenagem ao inspirador:
Sol Lewitt, Muybridge I, 1964

Julguei no início que a fotografia científica ocuparia dois posts, afinal...

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segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Fotografia Científica (I)

Quando a 3 de Janeiro de 1839 o físico François Arago anunciava na Academia das Ciências em Paris, a descoberta do daguerriótipo, os procedimentos de tal invenção ficavam ainda no segredo dos deuses. Arago, que para além de físico era deputado, conseguiu, relevando os benefícios que tal descoberta teria na ciência, que a assembleia aprovasse a divulgação do processo. O governo francês pagaria a Daguerre e ao filho de Niépce, os inventores, uma renda vitalícia em troca do segredo. A 19 de Agosto, perante a Academia das Ciências e a Academia das Belas-Artes de Paris, Arago revelava ao imenso público, que aí acorrera, a divulgação do invento. No seu discurso, pronunciou os méritos que tal descoberta teria no domínio da ciência, e não se enganou, pois logo no ano seguinte, em 1840, o médico Alfred Donné, um entusiasta do daguerriótipo, aplicava-o ao estudo da microscopia. Era o início da fotografia científica.
Auguste Bertsch, Volvox globator vivants, c. 1853-57

Na semana passada, recebi na minha caixa de e-mail a newsletter da photographie.com. Um dos temas em destaque “Yes Indeed”, a exposição de fotografia científica, agora em mostra na galeria Paviot em Paris. Graças a Photographie.com podemos visitar aqui “Yes Indeed”, onde Françoise Paviot, a galerista, nos serve de guia. “O espaço da galeria é pequeno e as fotografias imensas”, comenta Paviot, “optamos então por seguir o modelo expositivo em voga no século XIX, onde as paredes eram preenchidas de cima até baixo com as obras”, e pelo que podemos ver foi a solução certa, fantástica mesmo.

Se à microscopia e à astronomia se associava a exploração de mundos invisíveis e infinitos, à fotografia, um outro sistema óptico, associava-se o registo objectivo das realidades invisíveis e infinitas desses mundos. O mundo invisível dos microrganismos e o mundo infinito da astronomia, restritos ao homem das ciências, passavam agora a ser visíveis pelo homem comum pois através da imagem fotográfica, via-se aquilo que o olho não via. A fotografia, uma extensão da visão ocular, uma “prótese da visão”, como lhe chamou mais tarde Freud, ultrapassava os limites da fisiologia humana, e impôs-se desde cedo como corolário do percurso das tecnologias do visível.

No mundo invisível da microscopia, não foram só os microrganismos que foram fotografados. No hospital da Salpêtrière, o neurologista Jules-Bernard Luys publicava em 1873 a sua “Iconographie photographique dês centres nerveux”.
Jules Luys, "L'Iconographie photographique des centres nerveux", estampa XVIII, 1873

Mais tarde, Wilson Bentley, (1865-1931), passou meio século a fotografar a estrutura cristalina dos flocos de neve, fez milhares de microfotografias, para ser mais preciso, 5.381, e nunca encontrou dois cristais idênticos.
Wilson A. Bentley, Floco de neve, 31 Março 1911

Só em 1986, o mistério deixou de o ser, e foram identificados dois cristais de neve idênticos. Na mesma época, no início do século XX, Karl Blossfeldt fotografava grandes planos de vegetais.
Karl Blossfeldt, Cucurbita, 1928

Tiradas de frente, verticalmente, sob fundo neutro, e uma luz indirecta, as plantas de Blossfeldt serviram de modelos ornamentais utilizadas pelas academias de arte. As entradas do metro de Paris, são um exemplo. Em meados do século, Harold E. Edgerton, um engenheiro do Massachusetts Institute of Technology (MIT), entretinha-se a investigar as novas técnicas de fotografia de “flash” electrónico de alta velocidade. Edgerton espantou o mundo com as suas fotografias que revelavam o que acontecia quando uma gota de leite pingava na superfície em repouso de um pires de leite. Na década de 50, não resistindo à cor, saturou de vermelho o branco do leite, e com a sua coroa de gotículas de leite formada no famoso “splash”, Edgerton estetizava a ciência.
Harold Edgerton, Milkdrop Coronet, 1957

Hoje, no século XXI, Michal Rovner, situa-se na fronteira entre o real e a ficção, entre a imagem fixa e a imagem em movimento, “ mas parto sempre da realidade” diz a artista israelita. Em 2005, o Jeu de paume em Paris apresentava a instalação “Data Zone”. Para ela os seres humanos tendem a criar ordem a partir da desordem e tais estruturas assemelham-se às culturas bacterianas, as “Data Zone”. Na sua instalação,
Michal Rovner, "Data Zone", vista de um detalhe da instalação, trabalho de 2003
Michal Rovner, "Data Zone", detalhe de instalação, trabalho 2003

filma o movimento real de pessoas, que de mãos dadas, criam e simultaneamente destroem círculos que mais parecem universos de investigação laboratorial. Ciência? Arte? Cruzamento da ciência com a arte?

Deixemos os mundos invisíveis da microscopia e regressemos ao mundo infinito da astronomia, mundo que também foi registado intensamente pela objectiva da máquina fotográfica. “Mesmo a face da lua deixa o seu retrato na substância misteriosa de Daguerre” escrevia Alexander von Humboldt em 1839. Observar os eclipses do sol e da lua, eram fenómenos que suscitavam um enorme interesse. Olympe Aguado fotografou um eclipse da lua.
Olympe Aguado, Eclipse da lua, 1856

Em 18 de Julho de 1860, o eclipse total do sol foi fotografado em diversos locais. Warren De la Rue, fotografou-o em Espanha,
Warren De la Rue, Fases de um eclipse total, 18 de Julho, 1860

Aimé Girard, no norte de África fotografava o mesmo eclipse.
Aimé Girard, Observações de um eclipse do sol, 18 de Julho d 1860

Já no século XX, em 1912, Joshua Benoliel, fotografava em Lisboa os populares vendo o eclipse do sol,
Joshua Benoliel, Populares vendo o eclipse do sol numa rua de Lisboa, 1912

mas Benoliel quis também fotografar o lado científico, e deslocou-se ao observatório astronómico da Ajuda para tirar esta fotografia.
Joshua Benoliel, Vendo o eclipse no Observatório Astronómico da Ajuda, Lisboa 1912

Mas a astronomia não são só eclipses, Jules Janssen , em 1874, fotografava a passagem artificial de Vénus sobre o sol.
Jules Janssen, Passagem artificial de Vénus sobre o sol, 1874

A lua, que ao contrário do sol se deixava fotografar, interessou também os astrónomos. Lewis Rutherfurd, em Nova Iorque tirava esta fotografia da lua, estávamos em 1865.
Lewis Rutherfurd, A lua, Nova Iorque, 1865

Em 1953, quase cem anos depois, Girassol e os seus amigos, Tintim e capitão Haddock, embarcavam num foguetão “Rumo à Lua”, antecipando-se 13 anos a Neil Armstrong o primeiro a assentar os pés em solo lunar. Uma antecipação científica tão rigorosa só podia ser apoiada em documentação. Hergé, o famoso criador, disse o seguinte: “o que eu fiz em “Rumo à Lua” foi romanciar livros que já existiam como “A Astronáutica”, li muito antes de me lançar nesta história”. Mas hoje também se sabe que Hergé recorria à fotografia. O palácio Moulinsart, residência do capitão Haddock, foi desenhado a partir de fotografias.
Robert Doisneau, o fotógrafo humanista, fez também trabalhos de encomenda. Em 1942, em plena guerra, o editor Maximilien Vox preparava o livro “Les Nouveaux Destins de l’intelligence française”, encomendado pela autoridade de Vichy. O objectivo era celebrar o brilho e esplendor da ciência francesa. Doisneau, o fotógrafo escolhido. Em Ivry, no laboratório atómico onde trabalhavam os Joliot-Curie, Doisneau tirou estas fotografias.
Robert Doisneau, Laboratório atómico de Ivry, 1942
Robert Doisneau, Laboratória atómico de Ivry, 1942

Em 1942, os físicos evitavam a utilização do arco eléctrico porque isso correspondia a uma perca de energia, e a época era de contenção. Só depois, na câmara escura, Doisneau acrescenta um arco eléctrico imaginário entre as duas esferas.
Robert Doisneau, Laboratório atómico de Ivry, 1942, fotografia retocada.

Esta é uma imagem da banda desenhada "Rumo à Lua",
Rumo à Lua, Hergé
Hergé

Fantasias de Hergé, ou um imaginário criado a partir das fotografias, também elas um pouco imaginárias? Cruzamento do mundo da fantasia com o mundo da ciência?
Em 1969, Apollo 11 aterrava na Lua e a NASA fotografava Neil Armstrong o primeiro astronauta a pisar solo lunar.
Fotografias da lua tiradas pela NASA, 1969

A NASA chegava onde só os astronautas chegavam, e nós na terra, especados em frente aos televisores, víamos o que nos era invisível.

Mas a fotografia científica não se reduz ao mundo invisível dos organismos, nem ao mundo infinito da astronomia, no próximo post, porque este já vai longo, revelaremos outros espantos da fotografia científica

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quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Edgar Martins

Cartoon de John Richardson, Physics World, 1998
Ao ver esta imagem julgará o leitor que vou falar de Pop-Art? Muito longe disso. Mas o leitor atento, que leu o que diz o homem e o que pensa a mulher do outro lado da linha telefónica, percebeu que estamos no mundo da mecânica quântica, no mundo que não pode dar resultados exactos mas e somente probabilidades de ocorrências numa variedade de resultados. Este cartoon que serviu para ilustrar Physics World de Março de 1998, é uma ilustração do princípio de incerteza enunciado por Heisenberg em 1927, alargado ao dia a dia. Desde Newton que na física o mundo real existe independentemente de nós o observarmos ou não. Heisenberg argumentou que as órbitas dos electrões não existem na natureza até nós as observarmos, e declarou com o seu princípio, que não conseguimos precisar a posição e o momento de uma partícula num determinado instante, e assim impossível de determinar o futuro. Heisenberg refutava a lei da causalidade que diz “se conseguirmos determinar o presente, podemos calcular o futuro”. Para ele não é a conclusão que está errada, mas sim a premissa. Mas o princípio de Heisenberg não nos diz que tudo é incerto, antes mostra-nos os limites dessa incerteza. Tudo isto a propósito de uma exposição que vi há dias _ Topologies, de Edgar Martins, no Centro de Artes Visuais em Coimbra.
No projecto “The Accidental Theorist”, Edgar Martins, como podemos ler no seu site, refere que este seu trabalho explora as relações complexas entre paisagem, fotografia e realidade, tendo como referência a lei de Heisenberg. Para os que vêem na fotografia um meio mecânico de representação do mundo, que não o mundo real, negam o talento ao fotógrafo, pois o mundo que nos sustenta não é o mundo representado na fotografia. Mas a fotografia, embora mecânica, pode transcender. Para os físicos, o mundo real, existe independentemente de nós o observarmos. As fotografias de Martins mostram-nos precisamente esses limites de incerteza, “na minha obra” diz, “ o artista opera numa paisagem de incerteza, transição e oposição permanentes”, e “em última instância, nos limites da representação”.
Edgar Martins, "The Accidental Theorist"
Edgar Martins, "The Accidental Theorist"
Edgar Martins, "The Accidental Theorist"
Edgar Martins, "The Accidental Theorist"

Em Topologies, na exposição, podemos ver parte deste seu trabalho. E nestas fotografias, há mesmo um mistério, pois as suas praias desertas em silêncio dão que pensar. Praias que chamam à intimidação do vazio e do infinito, do fim e do princípio, Finisterra, onde a terra acaba e o mar começa.
Edgar Martins, "The Accidental Theorist"
Martins põe em fotografia dilemas incompreensíveis, um mundo tão terrível, o céu um buraco negro, escuro como o breu, onde as forças mais sombrias consumiram a luz, em contraste com a luz artificial que ilumina o areal. Ao conjugar matéria e anti-matéria, um mundo tão terrível quanto belo, Martins transcende a realidade, documenta-o mas ao mesmo tempo transforma-o. É o próprio que diz adoptar aproximações diferentes nas suas imagens, “algumas são aquilo que mais usualmente esperamos de uma fotografia – provas do mundo tal qual pensamos como ele é – ao passo que outras incrustam claramente na realidade um toque de ficção, tocado por uma ilusão que é quase magia”. Ao fotografar as piteiras,
Edgar Martins, "The Accidental Theorist"
Martins vai buscar o que esperamos da fotografia. Não pintou também João Vaz as nossas piteiras?
João Vaz, Piteiras, c.1890-1912
Mas ao fotografar as praias em silêncio, Martins vai buscar também o mito romântico,
Caspar David Friedrich, O viadante sobre um mar de névoa, c.1818
das paisagens sublimes, não há é testemunhas de costas como nos quadros de Caspar David Friedrich, pois nestes paraísos artificiais, o homem parece que foi expulso.
Mas se em “The Accidental Theorist”, Martins estabelece um diálogo silencioso entre realidade e ficção, noutras paisagens, “Landscapes Beyond: The Burden of Proof” o real domina, e Martins torna-se no explorador romântico da Natureza. Nestas é preciso admirar ao vivo a riqueza tonal das provas, que mais parecem pinturas.
Edgar Martins, fotografia tirada na exposição
Edgar Martins, fotografia tirada na exposição
Edgar Martins, fotografia tirada na exposição
Misto de pintura romântica, “dispus-me a criar um inventário topográfico de montanhas, rios,
Edgar Martins, "Landscapes Beyond: The Burden of Proof"
Edgar Martins, "Landscapes Beyond: The Burden of Proof"
campos, etc, sob a inspiração das antigas tradições do início do século XVIII e do apelo ao sublime”, e das paisagens dos fotógrafos oitocentistas americanos que desbravaram a América fazendo o levantamento geológico e geográfico do país.

Outras paisagens, que não vemos na exposição, mas que podemos apreciar no seu livro “The Diminishing Present”, 2006, representam as novas experiências da realidade contemporânea, onde pesquisa o impacto da modernidade no meio ambiente.
Edgar Martins
Edgar Martins

O fogo consome e no fim acaba a devorar tudo, mas as árvores morrem de pé, estamos a falar de “The Rehearsal of Space”, o fogo brutal que no Verão de 2005, destruiu parte considerável da floresta beirã. Durante dias, Martins viveu com os bombeiros, naquela que foi uma tragédia que mais pareceu uma ira divina.
Edgar Martins, "The Rehearsal of Space"
Edgar Martins, "The Rehearsal of Space"
O sol empalideceu, os dias fizeram-se noites e o homem quase cegou. O fogo uma das forças tremendas da natureza destruiu casas, haveres e deixou o homem sozinho nestas paisagens que mais parecem lunares, estamos noutra galáxia?
Edgar Martins, "The Rehearsal of Space"

Jorge Calado, para esta fotografia,
Edgar Martins, "The Rehearsal of Space"
que expôs em Ingenuidades, escreveu o seguinte: “Os pinheiros dobram-se em acção de graças, formando uma ogiva semelhante à das catedrais”.

Voltemos ao início, ao princípio de Heisenberg, e nas fotografias de Edgar Martins o que se vê não existe, Martins testa os limites da incerteza, pois um bom observador encontra sempre algo de estranho, excêntrico nas coisas mais banais.

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