quarta-feira, abril 15, 2009

Tudo tem o seu tempo

Quando no século XVII, Murillo pinta junto à Sagrada Família uma panela, dir-se-ia que prefere a grosseira realidade desta a toda a corte celestial; sem a espiritualizar, incluiu-a no céu com o seu humilde cheiro a sopa.
Quando no século XX, Chagall pinta animais que caminham no céu, onde grandiosas tormentas cromáticas fosforescem através de todos esses seres, dir-se-ia que prefere o transcendental a toda a grosseira realidade do mundo humano.
Ao longo da história, as fases de toda a arte podem diferenciar-se simplesmente pelos distintos objectos que os artistas apreendem e poderia imaginar-se uma história, que consistiria em enumerar os temas preferidos de cada época, sem omitir, claro, aqueles, cuja ausência podem ser igualmente significativos. Assim, ao longo dos séculos, no Ocidente cristão, a corte celestial, de forma lenta e gradual via-se substituída por uma visão humana mais próxima do real. Tão lenta foi a ruptura, que o homem moderno do século XX mal se apercebeu de tão profunda mutação. A corte celestial tinha tido o seu tempo e caiu no esquecimento.

Depois o tempo encurtou, as mudanças tornaram-se mais rápidas, e na mesma Paris onde Apollinaire baptizava os quadros de Chagall com títulos surreais, (Auto-retrato com sete dedos, O soldado que bebe…), na rue de Fleurus, Gertrude Stein, que reunia à sua volta o espírito da época, era retratada, de forma abstracta, pelo seu amigo Picasso. Durante uns anos, até chegar à perfeição de um axadrezado de cores e geometrias pronunciadas, Picasso deixava o cubismo para converter as suas figuras em seres mais sensíveis de carne e osso. Nesses anos de transição, em que Marie-Thérèse lhe dava uma filha


Pablo Picasso, Marie Thérèse, 1937

na mesma altura em que se apaixonava por Dora Maar,


Pablo Picasso, Dora Maar, 1937

as obras do velho e do novo estilo de Picasso, alternam durante muito tempo, de tal forma que à época, o homem reduziu essa distância, a uma simples coexistência. Só a distância no tempo, viria a revelar a verdadeira mutação na obra do artista. O cubismo tinha tido o seu tempo.
No século XX, com a vulgarização da máquina fotográfica, o gozo por uma visão exacta da realidade tomou conta do homem. Este meio mecânico, que já tinha quase um século de vida, captava, a preto e branco, o mundo exterior sobre uma superfície plana. A cópia do real, que se podia reproduzir até ao infinito, atormentou então as teorias estéticas –poderiam essas cópias entrar nos museus?
Nos anos oitenta do século XX, em reacção ao real, Jeff Wall, numa mistura impura, entre fotografia, pintura e publicidade, cria na arte o fenómeno da hibridez. Ao longo de anos, nas suas caixas de luz, que lembram os anúncios, as suas imagens denotam uma preferência por seres fantásticos, supra terrestres, homens demoníacos com rosto de canibais,


Jeff Wall, The Vampire's Picnic, 1992

que, ao investi-los de um exotismo chocante, os distancia do mundo, dessa paisagem remota, de natureza exuberante, que vai buscar à pintura antiga.
Na fotografia, a simples cópia do real, tinha tido o seu tempo.

Quando a fotografia nasceu, 1839, os fotógrafos, limitados aos longos tempos de exposição, que a técnica da época exigia, treinaram as suas objectivas na imobilidade dos temas. Muitos anos depois, Hiroshi Sugimoto, em várias das suas séries, recupera essa arte de paciência, submetendo a sua objectiva, a longos tempos de exposição, frente ao mar, filmes passados em cinemas…, regressando a um tempo, que para ele, perante um mar sem ondas e ecrãs de luz branca, é anterior à memória.
Na actualidade, Sugimoto, em Lacock Abbey no Wilshire, na casa do distinto cientista, William Fox Talbot, membro da Royal Society, o inventor do método negativo-positivo da fotografia, descobre, que em colaboração com Michael Faraday, Talbot realizou uma série de experiências com electricidade estática. Negativo-Positivo, uma analogia aos termos eléctricos?
Agora, o artista, vestindo uma bata de cientista,



e com um gerador Van der Graaff, capaz de criar 40,000 volts, carrega, aproximadamente durante 10 minutos, uma bola de metal de electricidade estática. “When I feel the charge is strong enough then I just move the ball closer to the metal sheet and at a certain point – bang!- it just sparks”, e “Lightning Fields”, a sua nova série, o resultado desse bang.


Hiroshi Sugimoto, Lightning Fields, 2006


Hiroshi Sugimoto, Lightning Fields, 2006

Agora, com o bang, vestindo a bata de cientista,


Hiroshi Sugimoto, Self-Portrait

e dizendo "to be a good photographer you have to be a scientist as well", estamos perante uma nova mutação?

Tudo tem o seu tempo.




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quinta-feira, abril 09, 2009

BESPhoto 2008; Edgar Martins, Luís Palma, André Gomes

O que é a fotografia actual?”, pergunta José Berardo na nota introdutória do catálogo BESPhoto 2008, em exposição até 17 de Maio no CCB.



A fotografia actual”, responde Berardo logo à frente, “é uma experiência directa com o contemporâneo”. À mesma pergunta “O que é a fotografia actual?”, eu respondo, é o que sempre foi.

E para explicar esta minha resposta socorro-me dos trabalhos de Edgar Martins, Luís Palma e André Gomes, os três fotógrafos representados na exposição.

Um engenheiro hábil, que constrói no meio de um caos de rochas, uma linha-férrea direita, reduz a desordem a ordem?


Luís Palma, N.212.Portugal Road Map, da série Territorialidade, 2007

Nestas pedreiras, neste mundo de possibilidades, a Natureza alterada, cortada em cubos e paralelepípedos mais pequenos, reduz a desordem a ordem?


Luís Palma, Strada Comunale Carriona di Colonnata #1, Italy Road Map, da série Territorialidade, 2008

Nestas periferias, a geometria dos prédios e sua repetição, reduzem a desordem a ordem?


Luís Palma, Bilbau #5, da série Paisagens Periféricas, 2006

A preocupação de Luis Palma, como o próprio refere na entrevista reproduzida no catálogo, “tem sido o de criar um discurso circunscrito ao meu próprio espaço geográfico e político. Neste contexto, penso que a minha obra artística tem um lado crítico quando aborda temáticas como o desordenamento territorial”.

Palma, trava a sua batalha perante um real que quer denunciar, pois os bairros monótonos das periferias tornaram-se invisíveis de tão habituais.

No inicio dos anos sessenta, Dan Graham, em New Jersey, fotografava as áreas suburbanas. Em, 1966-67, a Arts Magazine publicava essas casas standardizadas, de construção rápida, acompanhadas de um seu texto de uma crítica mordaz, “ a block of eight houses utilizing four models and four colors might have 2.304 possible arrangements...”. A crítica ficou perplexa, não sabia como classificar “Homes for América”, pois não se tratava de um trabalho documental no estilo dos foto-ensaios que se publicavam nas revistas.
Enquanto Robert Smithson e Graham fotografavam os subúrbios de New Jersey, Lewis Baltz, Robert Adams, entre outros, eram reconhecidos oficialmente, na célebre exposição, “New Topographics: Photographs of a Man-Altered Landscape", em 1975, na George Eastman House, como os herdeiros da fotografia documental iniciada por Evans. Porque ignorou o comissário, William Jenkins, os primeiros? O que distingue as casas standardizadas, fotografadas a cor de Graham, das casas standardizadas a preto e branco que Lewis Baltz fotografava nos subúrbios de Orange County?
Presentemente, confesso que tenho alguma dificuldade em contextualizar a “fotografia documental,(...),no que respeita ao meu trabalho, penso que o mesmo acaba por convergir num exercício plástico que se demarca de uma aproximação a um projecto realmente documental”, refere Luís Palma na entrevista, e continua “...temos assistido a uma apropriação de documentos que constroem novas narrativas que estabelecem uma ligação entre o passado e o presente, factos e ficções”. Palma lembra-se da artista Sherie Levine, podemos aqui lembrar o recente trabalho de Thomas Ruff, que a partir de fotografias anónimas de arquivos, reconstrói, à sua maneira, as casas de Mies van der Rohe. Ciente que a fotografia precisa de mudança, pois a simples repetição de um estilo embota e cansa a sensibilidade, Palma utiliza nas suas séries uma nova abordagem, a sua, como em “Paisagem, Indústria, Memória”, que já vimos aqui, e que o demarca de outras abordagens passadas.

Passemos à sala onde Edgar Martins expõe as suas obras, e para compreender a atitude inicial de quem aí entra, a agorafobia, o terror que um neurasténico experimenta quando tem de atravessar uma praça vazia, pode servir como exemplo para a compreensão dessa atitude inicial. Mesmo depois de ler as legendas, confrontamo-nos com obras que não sabemos o que são, e,


Edgar Martins, da série When Light Cast no Shadow, 2008

tal como o neurasténico, que não se atreve a lançar-se em linha recta pelo meio da praça, mas cose-se às paredes, tacteando-as, para confirmar a sua orientação, nós espectadores, perante a ferocidade do caos ambiente, feito de formas geométricas em fundo negro, onde já perdemos o pé e onde tudo parece vacilar, procuramos uma orientação. E ao olhar em redor, nesse caos, de uma realidade que não conhecemos,


Edgar Martins, da série When Light Cast no Shadow, 2008

o espanto e medo, as nossas emoções primárias, invadem, e só gradualmente, subtraindo-nos dessa realidade regulada, clara e precisa, como se uma aprendizagem visual se operasse, deixamo-nos envolver nessa vontade artística de negação de massa e cor, nesse esforço em arrancar as pistas de aeroportos da conexão natural onde vivem, que isoladas da sua condicionalidade, Martins consegue elevar a paisagens de uma regularidade superior. Martins convida-nos a partilhar com ele um novo olhar, que ele inventa, mas que retira da realidade.


Edgar Martins, White Noise, 2008, da série Where Light Cast no Shadow

Eduardo Serra em “A Rapariga com o brinco de Pérola”, filmou o espanto e o medo de Griet, quando olhou através da câmara obscura de Vermeer. Griet, tal como nós na sala do CCB, espantava-se com um novo olhar que a câmara lhe oferecia.
Se a fotografia tivesse sido inventada antes da perspectiva geométrica, teríamos tido o mesmo espanto que Griet ao ver uma fotografia?

E na última sala, André Gomes, termina a exposição com montagens ampliadas de polaróides onde a realidade se deforma para quebrar o seu aspecto real,


André Gomes,Incandescência das sombras, da série Per Umbras, 2009

como se o artista, virasse a sua pupila para as suas paisagens interiores e subjectivas. Criar uma obra que fuja à realidade, que careça de sentido, que se nos afigure ininteligível, parece-nos fácil, mas conseguir construir algo que não seja cópia do natural e que, contudo, possua substancialidade, implica o mais sublime dos dons.


André Gomes, Construção oculta, da série Per Umbras, 2009

As quatro obras, expostas na sala, convida-nos a percorrermos com os nossos olhos esses diferentes fragmentos; a dar-nos conta dos seus tons, uns mais fortes outros mais suaves; a dar-nos conta da luz, umas vezes mais intensa, outra mais suave, e perante estas montagens, uma solicitação múltipla é endereçada à nossa actividade de olhar, e aquilo que ao primeiro olhar, parece um amontoado inerte de tons e de luzes, levanta-se diante dos nossos olhos como que dotado de uma vitalidade própria, e esse prazer estético, elementar, que encontramos na sua contemplação, na realidade, é o prazer que nós próprios fruímos da nossa actividade. “O Sonho do Olhar”, como resume o título que Eric Corne escolhe para a entrevista com o autor ou como o próprio refere “...penso no que Bachelard escrevia no ensaio “A chama de uma vela”: o objectivo da sua reflexão era “fazer passar os valores estéticos do claro-escuro dos pintores para o domínio dos valores estéticos do psiquismo” e mais à frente “este invisível de que falo é o mundo das imagens que dormem em nós e que, como um filtro, condicionam o nosso olhar”.


André Gomes, O espelho da pintura, da série Per Umbras, 2009

Josef Sudek, um entre tantos outros, não soube utilizar o prazer estético, como o faz André Gomes, como um prazer inteligente?

O que é a fotografia actual?”, é o que sempre foi, a expressão de diferentes atitudes perante um mundo em permanente mudança.

Não gostaria de estar na pele de Helena Almeida, Agnès Sire ou Paul Wombell, o Júri de Premiação. Na fotografia, nestas três abordagens diferentes, há alguma que seja superior?

Ontem, Topologias de Edgar Martins, convenceram o júri.

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domingo, abril 05, 2009

Beirute

Em 1978, Oliver Stone e o realizador Alan Parker aterrorizavam o Ocidente – que tanto preza os direitos humanos – com o filme “O Expresso da meia-noite”, (Midnight Express). Apanhado no aeroporto de Istambul, com umas gramas de haxixe atadas ao corpo, Billy, o jovem turista americano, julgado e condenado à prisão perpétua, iria viver um verdadeiro inferno, até quase perder a própria sanidade, nas prisões da Turquia.

Max: “The best thing to do is to get your ass out of here. Best way that you can.”
Billy: “Yeah, but how?”
Max: “Catch the midnight express.”
Billy: “But what’s that?”
Max: “Well it’s not a train. It’s a prison word for...escape. But it doesn’t stop around here”.


Sophie Ristelhueber, Beyrouth, Photographies, 1984

Durante anos, 1975-1991, no país do cedro ou das montanhas do Libano, a expressão “midnight Express doesn’t stop around there”, poderia aplicar-se ao que aconteceu no Libano, porque durante anos, foi difícil aos libaneses, (nas suas múltiplas confissões religiosas), escaparem ao verdadeiro inferno, que tanto Palestinianos, Sírios e Israelitas tentaram pela força controlar e dominar.



Em 2004, Oliver Stone, consciente do desgaste que o filme causara à imagem da Turquia, no que concerne aos direitos humanos, pedia desculpa num jornal de grande divulgação, (The Guardian, 16/12/04), por ter exagerado na crítica. Há anos, que os turcos pedem a sua integração na União Europeia, e há anos que os turcos alteram a sua constituição para cumprirem com os famosos “critérios de Copenhaga”, (no que respeita aos direitos do homem e democracia política), mas há anos que a Europa, num zig zag político, vai adiando uma resposta.
Tudo isto a propósito da escolha de Beirute, pelo The New York Times, como o primeiro destino turístico para quem planeia as férias deste ano. À semelhança do filme, que induziu no imaginário colectivo, a Turquia como um país a evitar, Beirute, pelos massacres que sofreu durante tantos anos, ficou no nosso imaginário, como uma cidade de ruínas a evitar pelos turistas.


Sophie Ristelhueber, Beyrouth, Photographies, 1984

Durante a Segunda Guerra Mundial, a França, abandonava, quer na Síria como no Libano, o mandato, que a Sociedade das Nações lhe atribuíra sobre esses territórios, aquando da divisão destes países, (Próximo Oriente), no fim da Primeira Guerra Mundial.

Em 1943, um “pacto nacional” era assinado entre as principais comunidades libanesas, que decidiram uma regra em que o presidente do Libano passaria a ser um maronita, o primeiro-ministro um sunita e o presidente do Parlamento um xiita. Mas esta democracia, reconhecida até pela intelligentsia francesa, como concluiu mais tarde, 1984, Michel Foucault, “Si le Liban est la seule démocratie des pays árabes, il faut le sauver!”, foi vista pelas organizações revolucionárias palestinianas, um alvo fácil de controlo pela debilidade que viam no aparelho do Estado. Vencidos pelo exército da Jordânia, na chamada operação “Setembro Negro”, 1970, onde tentaram tomar o poder e depor o rei, estas organizações, refugiaram-se então no Libano, e esperaram. Num Domingo, 13 de Abril 1975, dois carros armadilhados, um Volkswagen e um pouco depois um Fiat, com a matrícula escondida, como relatam os jornais da época, matavam, indiscriminadamente, um grupo de católicos que se reunia junto à porta de uma igreja num bairro de Beirute. Era o início de uma guerra feroz, de milícias rivais, que iria durar até 1990.


Sophie Ristelhueber, Beyrouth, Photographies, 1984

Esta guerra infernal, “foi marcada por dois acontecimentos espectaculares”, como relata Yves Lacoste no seu livro “A Geopolítica no Mediterrâneo”: “Em 1976, o exército Sírio entrou no Líbano, inicialmente para auxiliar os maronitas cercados em Beirute pelos Palestinianos e, depois, para se aliar sucessivamente a diferentes grupos rivais, a fim de se impor em todo o país, que só abandonará em 2004; em 1982, o exército israelita realizou uma ofensiva-relâmpago em Beirute para tentar eliminar Yasser Arafat e a OLP. Em Setembro de 1982, pouco depois do assassinato de Bachir Gemayel, chefe falangista que acabara de ser eleito presidente do Líbano, produziu-se em Beirute o massacre, por atiradores das Falanges, sem que os soldados israelitas interviessem, dos habitantes de dois campos palestinianos, Sabra e Chatila. O escândalo foi tal que uma força de interposição americana, francesa e italiana foi enviada para Beirute. Esta força retirou-se passado um mês, depois de várias centenas de pára-quedistas americanos e franceses terem sido mortos no quartel por dois enormes atentados suicidas (sem dúvida organizados pelo Hezbollah e pelos serviços secretos sírios).

Retomando esses dois momentos, que Yves Lacoste refere, em 1976, o então Presidente da Síria, o general Hafez El-Assad, que em Julho declarava num discurso que o Libano e a Síria deveriam ser um único país, era recebido com pompa e circunstância em Paris, por Valéry Giscard d’Estaing, então no Eliseu, mesmo depois da sua recente invasão no Libano. A Europa, sempre tão zelosa dos direitos humanos, fingia estar cega ao que se passava no Líbano.

Em 1982, Raymond Barre, então ministro de François Mitterrand, em Bagdad, (na terra do petróleo), ouvia esta crítica do então Saddam Husseïn: “la défaillance de Paris dans son amitié séculaire pour le Liban” que o jornal Le Monde (31/07/82) reproduzia e acrescentava “ L’homo laïcus de la rive septentrionale de la Méditerranée, avait oublié que sur la rive méridionale vit l’homo religiosus.”
Em Dezembro de 1982, a francesa Sophie Ristelhueber, “obcecada pelas ruínas”, como ela própria refere, partia para Beirute no seu primeiro trabalho a solo: “Derrière les soldats et les morts qu’il (un ami) avait photographiés, j’ai vu ce qui traduisait pour moi le drame de cette ville: les ruines. Obsédée par cette matière qui à ma connaissance n’avait pas encore été traitée, je suis partie sans demander de garantie à perssonne... ». Dois anos mais tarde, 1984, a editora Hazan, publica o livro “Beyrouth, photographies”













ao mesmo tempo que o Instituto francês de Arquitectura, em Paris, organizava uma exposição dessas imagens. Para entender esse espírito dos anos 80, nada melhor que lermos a crítica que não ficou indiferente. Patrick Roegiers, do jornal Révolution escrevia em relação à artista “une jeune femme qui s’ennuie dans nos cités confortables”. O Le Monde, que ilustrava com imagens,

numa pequena nota começava assim: “Les premiers coups de tonnerre frappent la capitale de la “Suisse du Proche-Orient" en avril 1975..."” e terminava a publicitar o livro e a exposição. No Libération, Christian Cajoulle resumia o seu trabalho desta maneira: “Elle n’est pas partie documenter, mais photographier…elle nos rapporte un document indispensable et une leçon de photographie qui joue finement avec la vogue actuelle de l’architecture...” e para concluir a agência, AFP, emitia um comunicado anónimo onde se lia : « Avec Beyrouth, le reportage de Sophie Ristelhuber sur les ruines d’une ville qui n’a plus de visage, L’Institut français d’architecture montre à quoi ressemblent des ruines modernes....il ne s’agit que de bâtiments. De bâtiments mediocres, qui avaient été construits rapidement au cours des cinquante dernières années,



et qui ne temoignent d’aucune recherche architecturale...
» e terminava « ...comme il y a des films d’horreur, il y a une architecture de l’horrible. Exposition ouverte jusqu’au 14 avril ».
Num país, onde 90 soldados franceses perdiam a vida com bombas de kamikases, a crítica entretinha-se com a “vogue actuelle de l’architecture”.

Quando a guerra acabou, 1991, seis fotógrafos de renome foram convidados a fotografar Beirute.
Robert Frank, numa dialéctica entre filme e fotografia, à semelhança do que já tinha feito em “Fantastic Sandwiches Venice” em Los Angeles, 1975, monta as suas polaroids de forma cinemática num livro de notas que a Steidl editou em 2006.







Gabriele Basilico, arquitecto de formação e fotógrafo por prática, fotografa as ruínas de Beirute, na mesma linha como fotografa Berlim. Cidade deserta, vazia, onde numa busca constante dos pontos cardeais, regressamos, sem o esperarmos, ao mesmo ponto, porque o que contornámos foi o quarteirão e agora vemos o mesmo edifício (ruínas) de um outro ângulo.






Agora, em lugar dos edifícios medíocres construídos rapidamente nos últimos anos, como referia a nota da AFP, Beirute, repleto de edifícios, iguais em todo o mundo, já se pode transformar num destino turístico internacional.(Aqui, um post muito interessante, de Diogo V. em Beirute).
Agora, é tempo de limparmos da memória, as ruínas de um modernismo interrompido que tanto “obcecaram” os fotógrafos e finalmente, agora, é tempo, de olharmos o quanto zelosos foram os Ocidentais no que respeita os direitos humanos no Líbano.


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segunda-feira, março 30, 2009

River de André Cepeda

Até 21 de Abril, pode ver na galeria Pedro Cera, a exposição “River” de André Cepeda. Mas nada melhor que o pequeno texto escrito pelo fotógrafo para resumir este seu trabalho: “This Project is the result of 28 days on the road in the company of my friend and artist Eduardo Matos, throughout the many roads of the USA, specially along the Mississippi River, either by car, train or bus, sleeping each night in a different motel


André Cepeda, Blues around my bed, Kentucky, 2008

and in the following days discovering and exploring the changing light and colours of the American landscape”.

E nessa busca de mudança de luz e cor do “American landscape”, o que encontramos em “River”, não é a paisagem sublime da grande América, mas as relíquias do dia a dia de uma civilização. E este barracão,


André Cepeda, Everything's gonna be alright, Greenville, Mississippi, 2008

cuja porta e janela parecem ser consumidas pelo fogo, ocupa, no espaço da galeria, um lugar de destaque. Tirada em Greenville, no estado do Mississippi - como nos informa a legenda - Cepeda, que por hábito informa-nos apenas o local, a este barracão, que não percebemos que função teve em outros tempos, acrescenta-lhe um título: “Everything’s gonna be alright”.

Não muito longe de Greenville, em Greenwood, na mesma estrada que liga as margens do Mississippi à Route 55, William Eggleston, não muito longe do local mas muito longe no tempo, 1973, criava escândalo e sensação ao fotografar a banalidade de uma lâmpada nua num berrante tecto vermelho.


William Eggleston, Greenwood, Mississippi, 1973

Cem anos depois de Thomas Edison inventar a lâmpada eléctrica (1879), numa América que gostava de invenções, e se tornara no motor da economia mundial, Eggleston dava de caras com uma lâmpada envolta num improvisado e perigoso emaranhado de fios eléctricos. Ao contrário de Cepeda - um português em viagem pela América - Eggleston fotografa em casa como explica John Szarkowski no prefácio do célebre “William Eggleston’s Guide”, 1976: “these pictures of aunts and cousins and friends, of houses in the neighborhood and in neighboring neighborhoods, of local streets and side roads, local strangers, odd souvenirs, all of this appearing not at all as it might in a social document, but as it might in a diary, where the important meanings would be not public and general but private and esoteric", onde, tanta familiaridade, nos deixa espreitar por debaixo das camas,


William Eggleston, Memphis, c.1972

no exterior, vemos um Mississippi,


William Eggleston, Crenshaw, Mississippi, c.1972

que ainda hoje parece incólume às invenções e mudanças, onde o Looking Good, desta fachada fotografada por Cepeda,


André Cepeda, Goin' down south,Greenville, Mississippi, 2008

não faz jus ao nome.

Num artigo recente, “How the crash will reshape America”, que podemos ler aqui, Richard Florida analisa as transformações, que as diferentes crises, na curta história do país, provocaram na sua geografia económica. Na actual crise, e segundo alguns peritos, como refere o artigo, pequenas cidades como Canton no Mississippi e Smyrna no Tennessee, onde “the establishment, over the years, of plants that manufacture foreign cars”, poderão beneficiar e crescer “if the Big Three, (GM, Ford, Chrysler) were to become, say, the Big Two”. Será que em breve, no Mississippi, “Everything’s gonna be alright”?

Mas não é só a proximidade de Greenville e Greenwood que nos levam a Eggleston.
No meio destas árvores,


André Cepeda, 79 South,Missouri, 2008

que fazem estes dois carros, ao lado deste monte de areia?

No meio destas árvores,


William Eggleston, Sumner, Mississippi, Cassidy Bayou in background, c.1972

que fazem estes dois homens, ao lado deste carro?

E no meio de “houses in the neighborhood and in neighboring neighborhoods, of local streets and side roads,...”, “River”, conduz-nos também por estradas locais, onde uma paisagem caótica predomina.


André Cepeda, Untitled, Missouri, 2008

Durante três anos, a deambular pelas estradas da América do pós-guerra, na companhia do seu amigo Neal Cassady,


André Cepeda, Self Portrait with Eduardo, Jackson, Mississippi, 2008

carro, movimento e estrada, serviram de ingredientes para o “On the road”, 1957, de Kerouac. Sem o saber, inaugurava o mito da viagem, que atirou para a estrada, gerações, que ouviam o inconfundível Dylan no seu “How many roads must a man walk down/before they call him a man...”.

“River”, o livro que acompanha a exposição, o primeiro da editora Chromma, o carro, o meio escolhido para iniciarmos a viagem.


André Cepeda, Spending time in keokuk, Iowa, 2008

Mais à frente, (no livro), paramos para uma pausa num restaurante de estrada.


André Cepeda, Riverside, Dallas City, Illinois, 2008

Da única janela que ilumina o recinto, às cortinas, ao saleiro e pimenteiro, colocados no centro de mesas em tampo de fórmica, nada, em anos, parece ter mudado – nem mesmo a quietude do lugar.


Robert Frank, do livro "The Americans", Restaurant - U.S.1 leaving Columbia, South Carolina, c.1955-56

Aos 47 anos, o projecto de viagem e de vida, tornou-se para Kerouac o seu maior e trágico desencanto - morreria a 21 de Outubro de 1969. Nesse espaço de dez anos, Kerouac percebia que nem a América nem o mundo eram os mesmos, como agora, nem América nem o mundo são os mesmos, e só nos resta esperar “How the crash will reshape America”.


André Cepeda, Untitled, Tennesse, 2008


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