Em Bordéus, no Centre d’architecture Arc en rêve, está em exposição até ao final do mês, uma monografia, composta unicamente por fotografias, do atelier de arquitectura japonês SANAA - Sejima And Nishizawa And Associates. É uma exposição de arquitectura? Ou uma exposição de fotografia? interroga-se a crítica. As duas coisas concluem, pois a exposição chama-se precisamente “Kazuyo Sejima + Ryue Nishizawa/SANAA & Walter Niedermayr”. Sejima e Nishizawa, ambos japoneses são os arquitectos, Walter Niedermayr, italiano, é o fotógrafo. Niedermayr conhecido pelas suas séries de paisagens alpinas, onde a presença humana, os praticantes de ski, pequenos pontos disseminados na paisagem, contrastam com a imensidão das montanhas cobertas de neve. Agora em Bordéus expõe a recente série de fotografias dos espaços que esta dupla de arquitectos criou.
Em 1910, logo no início da sua carreira, Walter Gropius escreve à noiva Alma Mahler, a sua visão da arquitectura: “ The most beautiful buildings are those that are built in one’s mind but are never executed. I would like to build a large factory entirely of white concrete, all blank walls with large holes in them- large plate-glass panes- and a black roof…Impact achieved solely with bright walls and shadows”.
Um ano depois em 1911, Gropius e Adolf Meyer com quem Gropius trabalha no início, recebem a encomenda de Carl Benscheidt, para projectarem uma nova fábrica de formas de sapatos, a Fagus, hoje considerado um dos edifícios seminais da arquitectura moderna.
Depois de vinte anos a trabalhar na fábrica de formas de sapatos da família Behrens, uma das maiores da indústria alemã, Benscheidt incompatibiliza-se com a nova geração, o filho sugere-lhe “Why don’t you go into competition with us? But you’re too much of a coward!”. Benscheidt não gostou, e embora já na casa dos cinquenta pede a demissão. Na semana seguinte está na América à procura de parceiros para a fábrica que pretende agora criar em concorrencia directa à Behrens. Os americanos que o vêem como um “self made man” são fácilmente convencidos e financiam-lhe 80% do projecto. De regresso à Alemanha, na região de Alfeld, nos terrenos em frente à fábrica Behrens, Benscheidt começa a trabalhar no projecto de construção da nova fábrica. Gropius e Meyer, em início de carreira, são os escolhidos, atitude que desde logo evidência o seu espírito moderno e aberto às novas tendências artísticas. Ambos, Gropius e Benscheidt pertencem à Deutscher Werkbund, criada em 1907. A associação reunia empresários, cientistas e artistas e tinha como objectivo promover o país, a Alemanha, no mercado global através da promoção de produtos de alta qualidade e design.
Benscheidt escreve a Gropius dizendo-lhe “I wish to create something with quality, and moreover, as my new factory complex will lie on the heavily traveled Hamburg-Frankfurt route, an exemplary building could also be an excellent advertisement”. Benscheidt sabe que o marketing é a nova arma num mercado que se começa a massificar, e a Gropius cabe a responsabilidade de arquitectar uma fábrica moderna e funcional. Gropius responde a Benscheidt: “ that as a member of the Deutscher Werkbund, whose aim is to promote a true collaboration between industry and art, I would do everything to utilize the excellent resources of this organization to the advantage of your building”. A colaboração entre indústria e arte, o motto da Bauhaus, “Art and Technology – a New Unity”, que Gropius iria criar mais tarde, terá na fábrica Fagus o seu início.
Em 1911 incia-se o projecto e a proposta de Gropius e Meyer é arrojada. A fachada toda em vidro do edifício principal e os cantos sem pilares, parecendo desafiar todas as leis da gravidade, fazem atrasar o projecto, pois um verdadeiro quebra-cabeças para todos os participantes. Benscheidt chamou “the difficult corner”. Mas o projecto também se atrasa com a guerra. Em 1916, ainda nas trincheiras, Gropius escreve à mãe, “When you have a moment, take the children to see Fagus; a lot has been done there during the war. I am in constant contact by correpondance and am directing the project to the best of my abilities from here”. Como revelam as fotografias de Albert Renger-Patzsch, o processo de produção das formas, exigia vários edifícios.
Hoje o arquivo fotográfico da fábrica Fagus é imenso, pois desde o início que a fotografia serviu a publicidade e a documentação. Benscheidt enviava para os sócios americanos fotografias sobre o andamento da construção,
Em 1928, Benscheidt filho, amigo do fotógrafo Albert Renger-Patzsch pede-lhe para fotografar a Fagus. Renger-Patzsch era já um fotógrafo conhecido, mas fica a dúvida porque terá Benscheidt pedido esta encomenda quando a fábrica para além de já ter um enorme arquivo fotográfico atravessava momentos difíceis, não esqueçamos a inflação imparável que se vivia na República de Weimar. Certamente mais uma vez um golpe de vista, uma boa publicidade para internacionalizar a Fagus. Benscheidt, filho, não se engana. Entremos então na Fagus com Renger-Patzsch:
Á entrada a fábrica recebe-nos e apresenta-se: o nome, Fagus-Werk, a quem pertence, Karl Benscheidt, e o que produz, Schuhleisten und Stanzhesserfabrik, forma de sapatos e facas,
Mas continuemos o percurso,
Renger-Patzsch opunha-se a falar com os arquitectos, não queria que a sua visão ficasse enviesada, e as fotografias que fez da Fagus dão o ponto de vista do visitante. Renger-Patzsch, ao contrário de Lill, não se preocupa em dar uma vista geral dos diferentes edifícios que compõem a fábrica, prefere os fragmentos. Pode-se quase dizer que com Renger- Patzsch se iniciou uma nova visão fotográfica da arquitectura ao fotografar os fragmentos em detrimento das vistas gerais. E com os fragmentos regressamos à exposição inicial, às fotografias de Niedermayr. Niedermayr, utiliza dípticos, para juntar os fragmentos dos espaços que tira,
“Esta exposição não é sómente uma exposição de fotografia, nem uma exposição de arquitectura, é antes uma criatura hibrida” resume Nishizawa.
3 comentários:
Parabéns pelo blog, que, infelizmente, só hoje conheci.
Enquanto fotografo de arquitectura (e arquitecto), fico sempre contente quando se apresenta (e debate) este tema.
Tenho a certeza que vou voltar aqui, para ver (e ler) mais...
Cara Madalena,
Não só quero dar-lhe os parabéns pelo ótimo blogue, como quero também agradecer por compartilhar tantas imagens e informações relevantes para quem gosta, estuda e/ou trabalha com fotografia, especialmente com fotografia de arquitetura!
Temos muito pouco material a respeito de fotografia de arquitetura; no Brasil os estudos começaram recentemente. Aproveito para informar alguns links de textos que se referem à influência da Bauhaus na fotografia de arquitetura [http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq086/arq086_02.asp]; ao livro "Brazil Builds" (MoMa, 1943)[http://snh2007.anpuh.org/resources/content/anais/Eduardo%20Augusto%20Costa.pdf] e à documentação fotográfica das grandes obras no século XIX [http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v3n1/v3n1a07.pdf].
São estudos que podem inspirar-lhe novos posts.
Grande abraço,
Elenara
elenara007@gmail.com
elena, obrigado por deixar esses links, que são muito interessantes, no vitruvius.com fiquei a saber como fotógrafos como Horacio Coppola se interessaram por fotografar o internacional style da América Latina, recomendo a quem vier aqui parar que tb veja esses links que deixou. Uma das coisas que gosto da blogosfera é precisamente esta partilha de informações. Obrigado elena.
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