sábado, março 31, 2007

A colecção fotográfica do Musée d'Orsay

Até ao dia 27 de Maio no musée d’Orsay pode-se ver “La photographie au Musée d’Orsay. 20 ans d’acquisitions: 1986-2006”.
O nome atribuído aos museus franceses, na sua maioria designa pouco do seu conteúdo. No caso do musée d’Orsay, constituido na origem por obras provenientes do Louvre, Jeu de Paume e do Musée National d’art Moderne, pensava-se num museu que reunisse a criação artística do mundo ocidental no século XIX, mas posteriormente o século XIX reduziu-se ao período 1848 a 1914. Era difícil agora dar um nome que designasse o conteúdo do museu. Ficou Musée d’Orsay pela próximidade do quai com esse nome.
No ano passado curiosamente os franceses viram-se a braços com o mesmo problema. A escolha do nome do Musée du Quai Branly, sofreu também uma evolução semântica. O museu que reune obras do Musée national des arts d’Afrique et D’Océanie e do departamento de etnografia do Musée de L’Homme, começou por se chamar, Musée des arts premiers depois Musée de L’Homme, des arts et des civilizations para acabar em Quai Branly, novamente era a proximidade do quai a dar-lhe o nome.
A atribuição de um período específico ao Musée d'Orsay é problemático. No caso da fotografia, quando em 1979 se pensou constituir uma secção de fotografia, nenhum outro museu de Belas Artes tinha uma secção reservada à fotografia, teria que se constituir uma colecção, pois o museu partia do zero ao contrário da pintura e escultura, não fazia sentido começá-la a partir de 1848, pois a fotografia existia desde 1839. Definiu-se então para a fotografia um período mais alargado de 1839 a 1918. Para saber as obras que constituem a colecção click aqui. Serge Lemoine quando assume a presidência em 2001 é acolhido friamente. É acusado de não ser um expert em século XIX e receava-se o pior. O pânico veio quando em 2003, Lemoine e Pascal Rousseau, um Universitário ou seja alguém de fora, a comissariar “Aux origines de l’abstraction 1800 – 1914”. O período 1848 a 1914 causaria problemas a qualquer outro, mas Lemoine ultrapassa-o pois para si não há ruptura e trata o século XIX na contemporaneidade. Para a exposição entrava-se através de uma vibração luminosa de cores alternadas, criação de uma jovem artista belga, Ann Veronica Janssens, que abordava a questão da percepção da cor no espaço, pois luz e música foram os ingredientes principais da abstração. A exposição foi um êxito, e as vozes discordantes foram rareando. Lemoine é fotógrafo amador, e é sua a iniciativa de criar uma galeria dentro do museu dedicada à fotografia. Não é pois de estranhar, no ano em que o museu comemora os seus vinte anos Lemoine dedique uma exposição à colecção fotográfica do museu. Aqui ficam algumas imagens:
Charles-François Jeandel, Limoges 1859?, Cianotipo, 12 x 17 cm
Anón. Woman on the Deck of Yacht, c1893-1900, from an album.
Constant Puyo, Washerwomen in Britany, c.1895, 17,5 x 5,4 cm
Henri Rivière, worker on Eiffel Tower, 1889, 11,8 x 8,5 cm

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quarta-feira, março 28, 2007

Picasso e a fotografia

No passado dia 6 de Março, o ministro da cultura francês, Renaud Donnedieu de Varbes, acompanhado de uma grande comitiva entre eles o director do Louvre, Henri Loyrette, assinaram em Abou Dhabi (Emirados Arábes), o acordo Louvre- Abou Dhabi.


O acordo consiste em ceder a marca “Louvre” para o novo museu que os Emirados querem construir em troca de 400 milhões de euros. Para além da cedência da marca, durante trinta anos renováveis, a França compromete-se a emprestar obras das colecções de todos os seus museus, por 190 milhões até o museu constituir a sua própria colecção e organizará exposições das quais receberá 195 milhões.
Com as eleições presidenciais à porta, o receio de se voltar à estaca zero nas negociações, levou ambas as partes numa corrida contra o tempo a assinarem o contrato.
“Henri Loyrette entrou na história, saiu-lhe o jackpot” lê-se na imprensa francesa.
Em França os museus são públicos, e este acordo ainda pouco esclarecido faz dividir as opiniões. Os mais contestatários dizem que o Louvre está a transformar-se numa marca de luxo, vende-se o Louvre como se vende Cartier, Louis Vitton, Hermés...é só negócio e isso horroriza-os. Outros tranquilizam-se, as dificuldades financeiras do Louvre estão para já salvaguardadas.
Na Alemanha, depois da reunificação, os museus, quase todos também eles do Estado, mas com poderes descentralizados, estão numa crise financeira tal, que o município de Krefeld está a pensar vender um Monet, Bona vendeu recentemente um Baselitz, Brême um Renoir...dinheiro que servirá para equilibrar as contas. Embora a lei não o permita, as vendas prosseguem. Em Portugal, fecham-se algumas salas dos museus por falta de verbas.
Nos Estados Unidos, os museus na sua maioria estão nas mãos de particulares, através de Fundações, Corporações, Instituições...as suas colecções não são um bem público, e é frequente venderem obras para novas aquisições. Fez agora um ano que o Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque, vendeu através da Sotheby’s, 130 das suas melhores obras fotográficas para comprar a colecção da Fundação Gilman, uma das melhores colecções fotográficas. Foi nesse leilão que “The pond –Moonlight” (1904) de Steichen atingiu o record de $ 2 900 000.
Li que o MoMA (Museum of Modern Art) de Nova Iorque ia vender, entre outros, a obra “Réservoir, Horta de Ebro” (1909) de Pablo Picasso, de forma a captar fundos para adquirir outras obras para a colecção. “Réservoir, Horta de Ebro” e “Maisons sur la Colline” pertenciam à colecção de Gertrude Stein e em 1968 foram adquiridos por David Rockefeller Collection.


Pablo Picasso, Maisons sur la Colline, 1909


Pablo Picasso, Réservoir, Horta de Ebro, 1909
Fiquei atónita, como era possível o MoMA desfazer-se de “Réservoir, Horta de Ebro”, uma das paisagens que iniciou o seu período cubista.
Ao ler “The Autobiography of Alice B. Toklas” (1932) de Gertrude Stein, interessei-me por estes dois quadros de Picasso. Stein escreve o seguinte sobre os mesmos: “That summer they went again to Spain (Picasso e Fernande Olivier) and he came with some spanish landscapes,... they were the begining of cubism. In these there was no african sculpture influence. There was very evidently a strong Cézanne influence… But the essential thing, the treatment of the houses was essentially spanish and therefore essentially Picasso. In these pictures he first emphasized the way of building in spanish villages, the line of the houses not following the landscape but cutting across and into the landscape,…When they were first put up on the wall, naturally everybody objected. As it happened he and Fernande had taken some photographs of the villages which he had painted and he had given copies of these photographs to Gertrude Stein. When people said that the few cubes in the landscapes looked like nothing but cubes, Gertrude Stein would laugh and say, if you had objected to these landscapes as being too realistic there would be some point in your objection. And she would show them the photographs and really the pictures as she rightly said might be declared to be too photographic a copy of nature”. Mais tarde no livro que escreve sobre Picasso, em 1938 diz “ After his return from Spain with his first cubist landscapes in his hand, 1909, a long struggle commenced”.
A curiosidade em ver as fotografias foi grande e levou-me a procurá-las.
Em 1928, no nº 11 da revista Transition, um amigo de Picasso, Elliot Paul publicava um artigo sobre a semelhança referida por Stein, e mostrava, tal como Stein já o tinha feito, a fotografia e “Maisons sur la Colline” lado a lado.


Nº11 da revista Transition, 1928 (diz por cortesia de Gertrude Stein)
Mas será esta paisagem real, como parece provar o testemunho das fotografias?
Olhem atentamente para “Réservoir, Horta de Ebro” e para as duas fotografias. Estão as casas dispostas de forma ascendente ou descendente na colina?




Este desenho de Escher, "Waterfall", apresenta uma ilusão que sabemos ser impossível e que por isso nos causa desconforto. Embora seja clara na imagem a queda de água sabemos que esta não pode ser alimentada por um canal de água que aparentemente sobe.
Escher, Watterfall


Neste caso Escher utiliza uma distorção típica causada pela perspectiva de planos inclinados.
Na perspectiva de planos inclinados uma rua inclinada observada de cima, ou seja quando a vemos a descer, a linha do horizonte das casas fica situado acima do da rua.


O contrário, quando observamos uma rua inclinada do seu ponto mais baixo, ou seja quando a vemos a subir, a linha do horizonte dos edifícios fica situado abaixo do da rua.

Paradoxos da perspectiva que se aplicam á perspectiva fotográfica.

Voltando agora às paisagens de Picasso, Van Deren Coke, no seu livro “The Painter and the Photograph” de 1964, refere-se ao artigo de Elliott Paul, como prova de que Picasso utilizava as fotografias que tirava nos seus quadros. “..the photograph of the village of Horta de Ebro which seems to have been the inspiration for the painter’s Maisons sur la Colline, 1909”.
Pelo contrário Paul Hayes Tucker no seu artigo “Picasso, Photography, and the Development of Cubism”, 1982, que podemos ler neste site, faz uma análise detalhada dos dois quadros e das duas fotografias que pertenceram a Stein e reconhece inúmeros paradoxos visuais como as sombras e as vistas dos telhados. Tucker conclui que as fotografias e as pinturas não aparentam a total semelhança apontada por Stein.
O museu Picasso, em 1994 expõe “Picasso photographe 1901-1916”. Num trabalho de levantamento do espólio fotográfico para a realização da exposição, descobre-se uma terceira fotografia, inédita, que faz parte desta série e a completa numa sequência espacial.

Esta fotografia, ao contrário das outras duas apresenta um ponto de vista diferente. Tirada na extremidade da vila, em que o terreiro ocupa mais de metade da fotografia é contudo conclusiva para se perceber que as casas junto ao terreiro são as casas que visualizamos nas outras duas e que situam-se abaixo do reservatório. Com as três fotografias conseguimos agora nos situar no espaço. Ao olhar para as duas fotografias que pertenceram a Stein, e que agora sabemos que foram tiradas de um ponto de vista elevado, as distorções causadas pela perspectiva descendente, e igualmente induzidos pelo nome de uma das telas “Maisons sur la Coline”, fizeram-nos julgar que estas casas ocupavam o cume da aldeia.
Tucker, percebera, mesmo sem conhecer a terceira fotografia que as pinturas não podiam ter a equivalência das fotografias sugerida por Stein.
Picasso, de forma criativa conjuga nestas duas paisagens as diferentes perspectivas (ascendente e descendente) dadas pelas fotografias. Percebe-se com os dados que se têm hoje, que Picasso não utilizou a fotografia como cópia fiel, como se julgou no início, mas antes utilizou-as de forma criativa.
Não foram só nestas duas paisagens que Picasso utilizou as distorções fotográficas, “Au bord de la mer” (1920),

Pablo Picasso, Au bord de mer, 1920
as distorções exageradas das figuras, têm como referência as distorções fotográficas que divertiam muito os fotógrafos amadores da época. Desta forma Picasso imprimia movimento às figuras.

Mas Stein não se enganara completamente ao sugerir a influência de Cézanne.
Cézanne, sobretudo nas suas naturezas mortas conjuga frequentemente perspectivas diferentes como esta em que o prato de cerejas visto como se estivesse num plano está representado num ângulo de vista diferente do dos outros objectos.

Paul Cézanne, Cerises et Peches, 1883-87

Fiquei atónita quando li que o MoMA, ia vender “Réservoir, Horta de Ebro”
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terça-feira, março 27, 2007

Um Blog de Fotografia

Na sede da Fundação Gulbenkian, no âmbito do Fórum Gulbenkian Imigração, pode-se ver a exposição Homo Migratius até ao dia 1 de Abril. A exposição centrada no problema da imigração, mostra fotografias dos alunos que em 2005, participaram no Curso de Fotografia do Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística, são eles: Sónia Galiza Ferreira, Carlos Lobo, João Paulo Serafim, Soraya Vasconcelos, José Pedro Cortes, Bárbara Assis Pacheco, Manuel Duarte, Daniel Malhão e Duarte Amaral Neto que em 2006, juntamente com os outros participantes do curso fundou o colectivo DOZE.
Tomei conhecimento da referida exposição através do Blog carlosafonsolobo.bolgspot.com, o qual gosto particularmente. Carlos Lobo, um dos participantes em Homo Migratius, é fotógrafo e vive em Londres. Ao longo dos post, lemos comentários sobre fotografias, sobre fotógrafos que leccionaram no referido curso da Gulbenkian e por vezes Carlos Lobo mostra-nos fotografias suas que irão integrar um livro, “Unknown Landscapes” cujo lançamento prevê lançar no final do ano. Recentemente informou que tem um site seu online em www.carloslobo.net.
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domingo, março 25, 2007

BES Art - Colecção Banco Espírito Santo

Foi com grande satisfação que ontem ao ler a revista Única do jornal Expresso verifiquei que o BES Art- Colecção Banco Espírito Santo em colaboração com o Expresso continuam a apresentar “diferentes imagens que permitem ancorar visões e diversificar olhares sobre a arte”.
Em Janeiro de 2006, a revista anunciava que o BES Art mostraria todas as semanas uma obra da sua colecção comentada por Jorge Calado, e assim foi até dia 3 de Fevereiro deste ano. Ontem reapareceu com uma edição única da série Tela Habitada de Helena Almeida (n.1934) comentada por Delfim Sardo. Não sei se Sardo será o comentador das próximas obras, ou se foi escolhido por se tratar de uma obra de Helena Almeida. Em 2004, ainda Director do Centro de Exposições do CCB, Sardo comissariou uma grande exposição antológica desta artista, “Pés no Chão, Cabeça no Céu”. Durante meses, em conjunto com a artista, Sardo trabalhou na montagem desta exposição. Ontem na revista Única, Sardo inicia assim: “O conjunto de doze fotografias de Helena Almeida conta uma história: uma mulher despe um fato branco, com uma tela acoplada. A mulher, que é a própria artista, despe-se de pintura para se transformar em fotografia”. Esta peça, 1977, corresponde ao momento em que Helena Almeida abandonou a pintura.



No filme de Joana Ascensão, Pintura Habitada de 2006 (apresentado no doclisboa), Helena Almeida com a simplicidade que lhe conhecemos de outras entrevistas, ao olhar para uma exposição de pintura que realizara nesses anos setenta diz em tom de desabafo, “estáva farta”. Não tendo nenhuma teoria acerca do seu trabalho e usando a fotografia como suporte, o que lhe interessa “é sempre o mesmo: o espaço, a casa, o tecto, o chão, depois o espaço físico da tela, mas o que eu quero é tratar emoções, são maneiras de contar uma história” diz ao falar do seu trabalho.
Jorge Calado, no seu último comentário para a revista Única, escolheu uma fotografia de desporto de Joshua Benoliel (1873-1932), A selecção da Associação de Futebol de Lisboa, Campo do Clube da Feteira, Benfica de Maio de 1911.

O desporto foi o tema da sua primeira reportagem em 1898 na revista “Tiro Civil”. Gérard Castello Lopes e Jorge Calado chamam-lhe “o único génio da fotografia portuguesa”. Referindo-se à fotografia Calado escreve: “Não pediu para olharem para o passarinho invisível nem contou um-dois-três. Apanhou os jogadores da selecção tal como eles eram – amadores, com e sem bigode, louros e morenos. O mais destemido é o guarda-redes, sem bola, mas de mãos na cintura,..”. Benoliel foi o melhor repórter fotográfico do seu tempo, colaborando na revista “Ilustração Portuguesa” do jornal o Século de 1906 a 1918. Benoliel também filmou. No LisboaPhoto de 2005, a exposição “Joshua Benoliel 1873-1932” na Cordoaria, apresentou o filme “Diário de Notícias” que surpreendia pela modernidade. Calado também nos diz “Benoliel é sempre surpreendente”.
Helena Almeida artista plástica nasceu dois anos depois de morrer o repórter fotográfico, Benoliel. O BES Art e o Expresso mostram “diferentes imagens que permitem ancorar visões e diversificar olhares sobre a arte”.
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sábado, março 24, 2007

As relações da Fotografia com a Pintura no século XIX

Para assinalar os 150 anos do nascimento de Columbano Bordallo Pinheiro (1857-1929), o Museu do Chiado tem agora em exposição algumas das obras do pintor correspondentes ao período (1874-1900). A exposição estará aberta ao público até ao dia 27 de Maio.

"A Chávena de Chá", pintura de sombras e penumbras onde a risca azul da chávena sobressai da obscuridade, é uma das obras primas de Columbano. A Chávena de Chá, 1898, 260x340 mm, Columbano Bordallo Pinheiro
António Sena na sua História da Imagem Fotográfica em Portugal,(1997) escreve o seguinte sobre o tema: “As relações da pintura com a fotografia continuam a não ser muito claras. Por enquanto, a documentação é escassa também para este período. Embora haja referências, por exemplo, à utilização de fotografias por parte de Columbano, essas relações nunca foram aprofundadas...não espantaria nada que alguma da sua pintura mais interessante, quase inserts do quotidiano – modelados por uma “ausência” de luz que mais parece oferecida pelos limites da sensibilidade fotográfica do que pelas tão faladas cortinas do seu estúdio - tenham alguma influência do instantâneo da nascente fotografia de amador. Basta lembrar a obra “A chávena de chá” (1898).”
Se as sombras e penumbras desta obra, são, como diz Sena, oferecidas pela fraca sensibilidade que as chapas fotográficas tinham à época, a relação da fotografia com esta pintura reside sobretudo no enquadramento do espaço retratado. Columbano utiliza um plano aproximado, idêntico aos planos fotográficos, e ao fazê-lo a mulher de Columbano fica descentrada e é vista de perfil. A Chávena de Chá, que numa qualquer outra pintura da época seria um detalhe, passa a ser o centro da obra. Columbano não retratou a mulher, quis antes retratar a acção, o tomar chá, e a forma como ele enquadra o espaço para dar forma à acção, é muito semelhante aos enquadramentos fotográficos da época.
O museu Vieira da Silva em Lisboa teve em exposição (2003) as fotografias tiradas por três pintores contemporâneos de Columbano, Degas (1834-1917), Bonnard (1867-1947) e Vuillard (1868-1940). Na exposição a fotografia de Vuillard tirada à mesa da refeição revela na figura que nos está mais próxima um ponto de vista semelhante ao retratado em "A chávena de Chá".
Edouard Vuillard
O mesmo vemos em Zoé, a governanta de Degas que se deixou fotografar com ele à mesa.
Edgar Degas e Zoé lui lisant le journal, c.1890-95
Mas também podemos ver a utilização deste mesmo enquadramento na fotografia de amador.
Esta albumina que retrata os meus antepassados à mesa a tomar chá, a figura da esquerda é vista de perfil, tendo também um ponto de vista semelhante à obra de Columbano.
A fotografia alterou a nossa percepção do mundo, ao proporcionar uma nova visão. Hoje de tão familiarizados com os novos ângulos revelados pela fotografia, já não conseguimos percepcionar o que é fotográfico do que é natural ao nosso olhar. Muitos dos temas eram representados, não como via o olho, mas como via a máquina fotogáfica. No museu do Chiado, num dos textos de parede da exposição podemos ler uma breve referência à influência que a nova percepção revelada pela fotografia exerceu na pintura da época, e a obra “A Luva cinzenta” é um dos dois exemplos citados.
"A Luva cinzenta",1881, 730X540mm, Columbano Bordallo Pinheiro
Nesta obra, o braço em movimento é outra acção que Columbano quis fixar, o movimento do braço, um detalhe, é tratado como tema central.
Muitas das inovações da pintura impressionista, contemporâneos das obras de Columbano, assemelham-se às fotografias instântaneas. A distribuição aparentemente fortuita das figuras nas paisagens urbanas cortadas a meio, são frequentes nas fotografias da época.

Anónimo, Borough High Street, Londres, 1887 (do livro Aaron Scharf).
Degas soube retirar da visão fotográfica o que ele achou de inovador. Cortes bruscos de carruagens e pessoas,
Edgar Degas, Carriages, 1869
Edgar Degas, Place de la Concorde, 1876
como se a vida fosse uma sucessão de momentos, tornaram-se tão familiares que já não nos surpreendem. Para Degas, a visão fragmentada que a fotografia proporcionava era outro fascínio. Estas pinturas,
Edgar Degas, Orchestra Musiciens, 1870-71
Edgar Degas, Louis-Marie Pilet, violencelist, 1868
Edgar Degas, Classe de Ballet, 1874
não são detalhes de uma obra, são a própria obra. Outros pintores utilizaram o efeito inovador das vistas elevadas reveladas pelo olho da máquina fotográfica, chamadas frequentemente “vistas de pássaro”. Estas vistas de Hippolyte Jouvin são um exemplo.
Hippolyte Jouvin, Place des Victoires 1860-65, fotografia estereoscópica
O ponto de vista insólito destas duas pinturas do Boulevard de Gustave Caillebote (1848-1894) e o Boulevard des Capucines de Monet, (1840-1926) são dois exemplos.
Gustave Caillbotte, Boulevard Vue d'en haut, 1880
Claude Monet, Boulevard des Capucines, 61X80 cm, 1873
Reparem na silhueta recortada dos dois homens inclinados na varanda olhando para o movimento desenfreado da cidade. Quem na época ousaria cortar desta forma as duas figuras? Não esqueçamos que eram os pintores de Barbizon, Daubigny, Millet...que eram vistos no Salão, os impressionistas eram recusados. O movimento urbano, díficil de fotografar na época sem deixar borrões causados pelos corpos em movimento, foram também utilizados nestas obras de Caillebote e Monet.
Adolphe Braun, detalhe de Le pont des arts, Paris, 1867
Se hoje estamos familiarizados com a pintura impressionista, na época foi tão inovadora que Boulevard des Capucines, apresentado na 1ª exposição do grupo, em Abril de 1874, divertiu o público que acorreu aos magotes. O crítico, Louis Leroy, no jornal Charivari (o que deu o nome ao grupo) escreveu um diálogo satírico, onde na conversa imaginada fingia não compreender o que Monet queria representar com estes borrões. Era a sua forma de recusar estas inovações na pintura. Outros porém como o crítico Ernest Chesneau, declarava Monet inovador, dizia que nunca ninguém tinha conseguido representar desta forma magnífica esta extraordinária animação da vida mudana.
À época fotógrafos e pintores tinham uma promiscuidade salutar. Columbano era amigo de Arnaldo Fonseca, cujos retratos fotográficos utilizou como modelo para obras como "O Actor Taborda", o caricaturista e fotógrafo Nadar era amigo dos impressionistas, foi ele que emprestou o seu estúdio um 1º andar do nº 35 do Boulevard des Capucines para a sua 1ª exposição, Delacroix (1799-1863) exaltava as virtudes da nova técnica e é sobejamente conhecida a sua colecção de fotografias de Eugène Durieu que lhe serviam de modelo. Delacroix só lamentava a invenção tardia da fotografia. Outras vezes grandes fotógrafos como Le Gray, Charles Négre, tinham sido pintores, ou então, eram pintores que também eram fotógrafos como o caso de Degas. Alfred Keil (1850-1907), para além de pintor, compositor, poeta, foi fotógrafo e utilizava as suas fotografias como modelo das suas pinturas.



Alfredo Keil, O Vapor que passa: recordação do cabo da roca, 590X820 mm, c.1880
Alfredo Keil, estudo fotográfico para a pintura o Vapor que passa, albumina c.1873
Contudo na época era díficil de conceber a fotografia como arte, era visto como um processo mecânico que qualquer um podia fazer. Reinava a ideia de que uma obra para ser artística tinha que ser laboriosa, a fotografia sugeria facilidade. Utilizar modelos fotográficos era condenável porque facilitava o trabalho, como diz Sena “ talvez se tenha destruído ou escondido, por vergonha, grande parte dessas imagens referênciais.” A fotografia não era arte e os pintores, mesmo Degas, não se atreviam a confessar o seu uso.
É pouco comum em Portugal o espólio de um artista se manter na família durante várias gerações. A obra de Keil foi uma das excepções em Portugal.
A exposição que teve lugar na Galeria de Pintura do Rei D. Luis, no Palácio da Ajuda, em Dezembro de 2001, mostrou uma retrospectiva de toda a sua obra. Abriram-se os baús, e neles encontrou-se o trabalho fotográfico de Keil. Como refere o catálogo da exposição “Chegaram até nós trezentos e sessenta e nove negativos,...bem como sessenta e uma provas positivas albuminadas e oito em gelatina/sal de prata, de que a sua autoria nos parece (a Vitória Mesquita e José Pessoa que escrevem o artigo) incontestável. Trata-se sem dúvida de uma amostragem pequena...mas significativa, permitindo caracterizar um fotógrafo, os seus métodos e os seus objectivos ao servir-se deste meio de criação de imagens”.
Keil, como se referiu, utilizou as suas fotografias como modelo para as suas obras pictóricas. “Só três exemplos nos parecem imagens “não apropriadas para a pintura da época... ". Lemos no catálogo.




Alfredo Keil, estudo fotográfico para a pintura: A leitura de uma carta, albumina c.1873
Alfredo Keil, A leitura de uma carta, 910X 725 mm, 1874
Esta fotografia, uma vista de Paris com a Torre Eiffel ao fundo, de topo cortado é uma dessas três, "não apropriadas para a pintura da época".
Alfredo Keil, Exposição universal de Paris, 1900
Mas também Keil, quando vai para Paris não se deixou influenciar pela nova pintura. Quando chega a Barbizon em 1877, eram os anos de declínio desta escola. A homogeneidade do estilo dos que durante os anos de 1820 e seguintes pintaram nas suas telas todos os recantos da Floresta de Fontainebleau, (Corot, Rousseau, Daubigny, Millet...) levou a pintura a descobrir a nova visão fotográfica e enveredar por outros caminhos, o impressionsimo tinha sido oficiosamente inaugurado em 1874.
Degas pintor, ao contrário de Keil, deixou-se influenciar pela inovação da visão fotográfica.
Daniel Halévy amigo de Degas e a casa de quem este frequentemente ia jantar, descreve de uma forma magnífica, em Degas Parle, 1895, a personalidade do fotógrafo Degas:
“Nous avions hier soir un dîner charmant: oncle Jules, Henriette, tante Niaudet et ses deux filles, Degas. Oncle Jules parle peu, ma tante pas du tout. Cela faisait, avec nous, trois jeunes filles et Degas. J´étais entre Henriette à ma droite et Mathilde à ma guache, et Degas à la gauche de Mathilde. Degas était gai, visiblement heureux; il s’empressait auprés de sa voisine, et lui parlait gracieusement. Après dîner, il sortit, et s’en fut avec oncle Jules chercher, à son atelier, son appareil. Tous deux rentrèrent; dès lors la soirée plaisir était finie. Degas enfla sa voix, devint autoritaire, commanda qu’on portât une lampe au petit salon et quiconque ne poserait pas y allât – la soirée devoir commença; il fallut obéir à la terrible volonté de Degas, à sa férocité d’artiste…Il avait placé devant le piano, sur le petit divan, oncle Jules, Mathilde et Henriette…Taschereu attrapez-moi cette jambe avec le bras droit; et tirez dessus, là, là. …Et vous, mademoiselle Henriette, penchez la tête – et plus, et plus, et franchement. Couchez-vous sur l’épaule de votre voisine. Et comme elle n’obéissait pas à son gré, il l’attrapa par la nuque et la mit comme il voulait....”.
Degas que tanto aproveitou a aleatoriedade dos espaços seleccionados pelas fotografias tiradas por outros nas suas pinturas, parecendo que a vida continuava fora do rectângulo da fotografia, curiosamente como fotógrafo transformava-se num autêntico ditador, Mathilde, Henriette e Jules, tinham de caber dentro da moldura como se de uma pintura se tratasse. A fotografia desta sessão curiosamente é uma sobreposição, em altura e largura.
Edgar Degas, 28 de Dezembro de 1895
Terá sido propositado? Terá sido engano?. Das fotografias que se conheçem da sua autoria são poucas as que ele utiliza como cópia para as suas obras pictóricas.
Edgar Degas, Aprés le bain, c.1898
Edgar Degas, Aprés le bain femme s'essuyant le dos, c.1896
Outras, como esta vista de árvores à beira da estrada, poderia ter servido a Van Gogh.
Edgar Degas, Arbes au bord de la route, Saint-Valery-en-Caux, c.1898
As relações entre a fotografia e pintura do século XIX são muitas, se a pintura descobriu outros caminhos em parte foi pela acção da fotografia. Desde a sua invenção, a fotografia tem tido um papel de agente de mudança. Uma releitura da pintura portuguesa do século XIX à luz das influências fotográficas seria necessária para um melhor entendimento da mesma.
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quinta-feira, março 22, 2007

Recentes publicações de livros fotográficos

A Aperture, vai lançar em Maio, o livro "Domestic-Landscapes: A Portrait of Europeans at Home", fotografias de Bert Teunissen.
Ver post "Olhares Estrangeiros" de 26 Janeiro. Para mais informação click aqui.
"Le Yucatan est ailleurs - Expéditions photographiques (1857-1886)" de Désiré Charnay.Uma co-edição do Musée du quai Branly com Actes Sud

Para mais informção click aqui e aqui.
E por último acaba de sair um novo livro de Martin Parr, "Tutta Roma", da editora Contrasto.
Para mais informação click aqui.
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