sábado, setembro 29, 2007

Agnès Varda

Há dois dias uma vontade de ver cinema levou-me a olhar a programação da Cinemateca. “Cléo de 5 à 7”, de Agnès Varda, às 19:00. Li o resumo, “Talvez a obra-prima de Varda e o mais “Nouvelle-Vague” de todos os seus filmes. Narrado em tempo real (o tempo da narrativa é o mesmo da duração do filme), o filme mostra-nos uma mulher que pensa ter um cancro e espera pelos resultados das análises médicas que fez. Enquanto espera, encontra pessoas conhecidas e desconhecidas e atravessa a distância entre o obscurantismo e a lucidez sobre a sua própria identidade. E como tantos filmes da “Nouvelle-Vague”, Cléo de 5 à 7 também é um grande filme sobre Paris”. Fui ver Cléo de Agnès Varda.

Varda, antes de enveredar pelo cinema, foi fotógrafa oficial do Théâtre National Populaire e fotografava as peças e os actores que o animavam. Durante vários anos, de 1948 a 1960, não só fotografou as grandes figuras do teatro,
Agnès Varda, Lady Macbeth, (Maria Casarès) e Macbeth (Jean Vilar), 1954
como Jean Vilar que tanto admirava, como trabalhou para várias revistas, “Marie-France”, “Realités”, “Prestige français”, fazendo reportagens um pouco pelo mundo: China, Alemanha, Inglaterra, França...e também Portugal.
Agnès Varda, China, 1957
Agnès Varda, Terraço do edifício Le Corbusier, Marselha, 1955
Em Portugal, visitou a Nazaré que achou bonita e a região de Évora, da qual disse “atravessei planaltos que pareciam a lua”. Em Portugal fotografou Sofia Loren, não em carne e osso mas em cartaz, fazendo um reclame ao sabonete Lux.
Agnès Varda, Sofia Loren em Portugal, 1953
Nas notas biográficas o seu percurso pela fotografia nunca é esquecido, mas hoje quando se fala em Agnès Varda, só se pensa na grande cineasta.
Mesmo quem não conhece o seu percurso pela fotografia percebe que os seus filmes são enriquecidos por um olhar fotográfico, pois Varda herda da fotografia o hábito de observar, de captar que denunciam a sua formação.Varda retira da realidade documentos fotográficos que transforma em filmes de ficção, e “Cléo de 5 à 7”, 1961, é a realidade em ficção.
Em 1954 realiza o seu primeiro filme “La Pointe Curte”. Cria logo nessa altura a Ciné-Tamaris, pequeno universo onde vive, escreve, monta e produz os seus filmes, e o onde o acaso, que para Varda lhe trás inspiração e assunto, a faz viver numa rua com o nome de um dos inventores da fotografia, Rue Daguerre.
Agnès Varda na Rue Daguerre
A fotógrafa vai-se metamorfoseando em cineasta, e durante uns anos, até deixar completamente a fotografia, a repórter e a realizadora vão-se sobrepôr. Dirá “passei com muita naturalidade da fotografia ao cinema, com uma ideia extremamente simples...Pensei: a fotografia é tão muda que se lhe acrescentarmos a palavra pode ser que se torne cinema, era uma ideia muito primitiva, nessa altura em que eu começava a fazer cinema. ...Preparei o meu primeiro filme com muitas fotografias...mas ao realizar o meu primeiro filme percebi que queria ser realmente cineasta e que não se tratava de juntar fotografia e palavra, mas sim de um movimento interior, uma disposição de alma, um encontro com o acaso, com a dificuldade” e a fotografia, para além de lhe criar o hábito de olhar, ensinou-lhe a técnica, o grão, a textura, a desfocagem, a nitidez, “guardei tudo isso no cinema, uma sensualidade, uma profunda sensibilidade à imagem”.
Em “Cléo de 5 à 7”, essa sensibilidade à imagem está ancorada no novo olhar fotográfico que nascia, não o seu, pois Agnès deixara já a fotografia, mas o olhar de uma nova geração que deixava a fotografia humanista, o olhar que naturalmente se seguiu à segunda guerra. Varda filma Paris, como a nova geração fotografa Paris, não a cidade do bilhete-postal, da Torre Eiffel e dos passeios junto ao Sena, mas a dos bairros mais afastados do centro.
Robert Doisneau, Cabeleireiras ao sol, XIV bairro, 1966
Um Paris sujo e movimentado de carros, de Citroën 2Cv, dos Citroëns boca de sapo, dos Simcas...
Sergio Larrain, Paris, 1959
os grandes planos dos carros que quase se tocam,
René Burri, Paris, 1962
num trânsito infernal, permitindo de janela para janela o galenteio dos rapazes que se colocam ao lado do táxi onde segue Cléo “Ainda vives com os teus pais?”perguntam-lhe a rir, e que Cléo recusa a conversa fechando a janela.
Agnès baralha a percepção do espectador, e no café, ficamos por momentos sem saber onde está e quem está, os espelhos multiplicam as pessoas, mesas, objectos, e os reflexos misturam interior com exterior.
Bruce Davidson, Paris, 1962
Não chegando Varda confunde-nos também com as conversas cruzadas, ouvimos a história que Adèle, a assistente de Cléo conta aos empregados de mesa, e em simultâneo ouvimos a conversa do casal que na mesa ao lado se zanga. Qual das histórias devemos seguir? que imagem devemos olhar?

Corinne Marchand, Cléo, é uma mulher cliché: alta, loira, bonita e uma cantora famosa. Com todos estes atributos Cléo é mimada e caprichosa, mas ao longo dos rushes, que nos vão revelando a passagem do tempo, Cléo olha-se no espelho e apercebe-se do mundo à sua volta, deixa o vestido branco e veste-se de preto,
Fotograma do filme "Cléo de 5 à 7", 1961
Fotograma do filme "Cléo de 5 à 7", 1961
é o tempo que se esgota, e cada vez está mais próxima a confirmação da doença, a morte que se aproxima, como a cartomante no jogo do Tarot logo no início do filme prevera.
É no deambular por Paris, das suas caminhadas a pé, do percurso no táxi, no carro da amiga, e no fim no autocarro com o desconhecido,
Paul Fusco, Paris, 1962
Antoine que a acompanha ao hospital que Cléo tenta esqueçer a tragédia que sente próxima.
Realizado em 1961, numa altura em que a Nouvelle Vague era já um movimento, o filme tem os tiques típicos, como lhe chama João Bénard da Costa, da Nouvelle Vague: a mania das citações, o excesso de carga dos significados, como o túnel escuro por onde entra o carro quando Cléo revela à amiga a sua doença, e a ultra-apoiada intencionalidade de diálogos pretensamente banais, “o que eu digo”, diz Cléo no diálogo com o desconhecido “são coisas banais, tão diferente das suas citações”. Pode-se juntar a todos esses sinais da época a aparência de que o filme se faz ao jeito de um cinema directo, dando a sensação que o realizador, Varda percorre as ruas de Paris com a câmara ao ombro. Mas os filmes de Varda não são só modernidade, Fabrice Revault d’Allones, escreve o seguinte “ Para todos os efeitos, a obra de Agnès Varda coloca-se entre dois: não só entre fotografia e cinema, mas também entre longas e curtas metragens, e sobretudo entre documentário e ficção, realidade e ficticidade, modernidade e classicismo”e acrescenta “Cléo de 5 à 7” aproximava-se mais da Nouvelle Vague, da sua liberdade iconoclasta, guardando no entanto aspectos bastante clássicos”. Fabrice d’Allones tem razão, e no filme, o contraste entre a nova visão e a visão humanista da década anterior salta aos olhos, a criança sentada no chão do pátio que dá acesso à sua casa e que brinca com um piano, o homem que come rãs e que fascina o público que passa na rua, faz-nos lembrar, respectivamente, Denise Colomb
Denise Colomb, Paris 1953
e Marc Riboud.
Marc Riboud, Rue Moufettard, Paris, 1959
Se em “Cléo de 5 à 7” vemos a fotografia da nova geração no cinema, também vemos reminiscências da fotografia humanista, Varda coloca-se “entre dois”.

Stanley Kubrick, Wim Wenders, Andrei Tarkovsky e alguns outros…são dos poucos realizadores que marcaram a história da fotografia. Podemos também juntar a este grupo restrito Agnès Varda.

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quarta-feira, setembro 26, 2007

Atlas

Para quem vêm da Basílica da Estrela, a Rua dos Navegantes, cujo nome é ainda um resquício do grande porto que já foi Lisboa, é uma rua íngreme que desce em direcção ao rio. No próximo dia 4 de Outubro, no nº16 desta rua, Luis Trindade, o primeiro em Portugal a promover leilões de fotografia, abre ao público uma galeria dedicada exclusivamente à fotografia, p4Photography. Aceitei o desafio que me propôs, um texto para o catálogo de Atlas, a exposição inaugural.

Com a permissão de todos, de Luis Trindade e dos fotógrafos, Carlos Miguel Fernandes, João Mariano e Rui Fonseca, o post de hoje é o texto ilustrado com as fotografias que lhe deram corpo.

Portugal, nação de vocação marítima, foi a primeira verdadeira Potência Marítima da História ao dominar, plenamente, tanto o Oceano Atlântico como o Oceano Índico. Da grandeza do período então iniciado, obrigando o Papa Alexandre VI e os Reis Católicos à divisão do mundo de acordo com os interesses nacionais, Portugal consegue o completo domínio dos mares e, atendendo a que nos situamos no universo, no Atlas do mundo, nome escolhido para a exposição,


talvez importe não esquecer também o ter-se constituído igualmente como a primeira nação europeia a cruzar os distantes mares da Ásia e do Japão. Como não menos significativo o feito de Vasco da Gama que, para além da notável descoberta do caminho marítimo para a Ìndia, por esse mesmo feito, transferiu a centralidade do mar Mediterrâneo para o Atlântico tornando o porto de Lisboa, em deterimento dos portos Adriáticos e de Veneza, no grande porto de entrada da Europa, na verdade, à epoca, no grande porto do Mundo.

Se olharmos a nossa História de quase 900 anos de nação independente, a relação com o mar foi, desde logo, uma das características distintivas das populações que vieram a constituir o que no futuro veio a ser Portugal, relação que hoje ainda se mantém, como João Mariano tão bem exemplifica na fotografia onde mal distinguimos o apanhador de percebes das rochas da nossa orla marítima.
João Mariano

Mas o que importa considerar é que essa característica terá sido decisiva na distinção entre os portugueses, povo marítimo, dos restantes habitantes da Europa, povos essencialmente continentais, salvo, sob determinados aspectos, britânicos e, em parte, os holandeses. A importância do mar para Portugal é uma simples evidência mas, igual evidência, embora grave e estranha, é Portugal ter-se vindo a afastar, ao longo das últimas décadas, progressivamente, do mar. Hoje integramos a Comunidade Económica Europeia e, Portugal, de costas voltadas para o Atlântico, insiste em olhar para a Europa, tentando aí reconquistar um novo lugar no mundo.

Carlos Miguel, João Mariano e Rui Fonseca, numa atitude singular, apontam as lentes das suas máquinas fotográficas para o mar, para o Atlântico, e, de três pontos distintos, Islândia,
Carlos Miguel Fernandes

costa portuguesa e Arquipélago dos Açores,
Rui Fonseca
João Mariano

dão-nos a ver, em Atlas, imagens desse imenso Oceano que é o Atlântico. Todos três recapitulam e reciclam uma nova visão da paisagem marítima, muito longe da visão pitoresca que muitos dos continentais vindos de vários cantos da Europa fizeram da nossa Nazaré.

O céu escuro como o bréu nos Açores, de Rui Fonseca,
Rui Fonseca

as areias das dunas da orla marítima portuguesa, de João Mariano, e o vapor que se liberta das àguas aquecidas do Blue Lagoon, de Carlos Miguel, que prefere o vapor ao azul intenso do mesmo,
Carlos Miguel Fernandes

revelam o perfeito domínio do preto e branco, pois nevoeiro, areia
Rui Fonseca

e vapor de àgua dão-se bem com o grão visível do preto e branco da fotografia.

Porém e acima de tudo, todos os três percebem a riqueza do Atlântico que os portugueses agora ignoram. Mergulhamos nas àguas profundas do oceano onde a riqueza em hidrocarbonetos e minérios vários esperam em silêncio,
João Mariano

no sargaço cheio de iodo, bom para tratamentos medicinais, que o homem de João Mariano transporta à cabeça,
João Mariano

uma dádiva do mar e que os japoneses nos vêm buscar e, finalmente, Carlos Miguel que fotografa os pequenos portos da Islândia, abrigo momentâneo para os que percorrem a grande auto-estrada marítima que é hoje o Atlântico.
Carlos Miguel Fernandes

Hoje, Portugal Continental em conjunto com os arquipélagos da Madeira e dos Açores, dispõe de uma área marítima de cerca de 1.723.000 Km2 sob jurisdição nacional, quase 18 vezes a área de superfície terrestre, por onde passam as mais importantes rotas comerciais que ligam a Europa aos restantes continentes.

Atlas, é a exposição inaugural da nova galeria p4Photography e, Luis Trindade, o fundador, não podia iniciar de melhor maneira, ao expôr o que de melhor está por explorar em Portugal.

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segunda-feira, setembro 24, 2007

Francesca Woodman na Tate Modern

A exposição, “Poetry and Dream”, actualmente na Tate Modern, tem como centro ou “piazza”, como Vicente Todoli gosta de chamar, o surrealismo.


Á volta, outras salas mais pequenas, propõem diferentes diálogos com o tema central. O trabalho fotográfico, e os vídeos de Francesca Woodman, (1958-1981), ocupam duas delas. No texto de parede, onde estão expostas as suas fotografias é explicada a relação com o tema central: “...her work reflects her absorption of a range visual material from surrealism...”. Woodman utiliza o seu próprio corpo, como matéria prima para o seu trabalho, e várias são as relações que podemos fazer com o surrealismo. Duchamp, em Tonsure, fotografado por Man Ray, rapa a cabeça desenhando uma estrela,
Tonsure, Man Ray, 1921


uma antecipação à Body Art, que surge como movimento na década de 1970. Mas igualmente também se pode ir buscar a Duchamp, representado na sala principal, outras influências. Quando Duchamp põe bigodes à Gioconda, este gesto deve ser entendido, não como uma provocação, mas o apontar de outros caminhos que propõem uma nova relação entre espectáculo e espectador. O que Duchamp proclama é o fim da obra de arte como justificação de si mesma, ou como refere Ernesto de Sousa, “Duchamp descobriu a indiferença estética, que pode situar-se como um começo da lucidez...a escolha de objectos ready-made, marcaria um momento raro e difícil da indiferença estética e o assinalar da liberdade como obra de arte...e esta ideia fecundíssima está na origem de quase todas as actuais investigações de vanguarda”. Woodman, através de uma intuição profunda, descobre um novo caminho, porque dar o seu corpo é dar-se inteiramente, e o que interessa no seu trabalho não é o espetáculo aparente, a sua nudez, mas o imperceptível, o evanescente, o que está para lá do perceptível a caminho de uma re-descoberta de si própria, da sua vida interior, das suas emoções. Woodman não produz fotografias como obra de arte em si,
Franscesca Woodman, exposição na Tate Modern, Setembro,2007
mas como um meio, um documento de registo das suas “performances”. Para ela o corpo ainda é um obstáculo material, e em muitos dos seus auto-retratos, agora em exposição,
Francesca Woodman, Space2, Rhode Island, Providence, 1975-76
Francesca Woodman, Space2, Rhode Island, Providence, 1975-76
Woodman utiliza a baixa velocidade de forma que o seu corpo quase desapareça, tornando-se quase numa memória.

Na sala onde agora podemos ver os vídeos de Francesca Woodman, (1975-1978), recentemente descobertos, e restaurados, (2004), lemos no texto de parede “a remarkable psychological intensity”. Num primeiro momento, ao vê-los, não pude deixar de pensar na série “Sente-me, Ouve-me, Vê-me” (1978-1980) de Helena Almeida, (n.1934).
Helena Almeida, Ouve-me, 1980
Helena Almeida, Ouve-me, 1980
Woodman detrás de um papel branco translúcido, escreve o seu nome, FRANCESCA, para de seguida destruir o papel que a separa do espectador.
Dos vídeos de Woodman semelhanças trespassam para a obra fotográfica de Helena Almeida. Helena Almeida usa o vídeo para o seu trabalho fotográfico, depois rebobina e regrava as cassetes. Na década de 1970, apenas uma vez usou o vídeo como suporte, na série já mencionada, e só recentemente voltou a utilizar em “Seduzir”. Agora descobrem-se os vídeos de Woodman, provávelmente também utilizados para a sua obra fotográfica, pois nunca antes divulgados. Mas olhemos para as semelhanças: ambas as obras representam conflitos que não têm representação, e ambas utilizam o corpo, o corpo-próprio como experiência, “O que me interessa é sempre o mesmo: o espaço, a casa, o tecto, o canto, o chão; depois o espaço físico da tela, mas o que eu quero é tratar emoções. São maneiras de contar uma história”, diz Helena Almeida. Ambas procuram um espaço vazio, Helena Almeida o seu atelier, o atelier que já foi do seu pai, Woodman espaços vazios de casas abandonadas.
Helena Almeida, do trabalho em série, Onda, 1997
Francesca Woodman, Provindence, 1975-76
Helena Almeida, da série Untitled, 2003
Na preferência dos cantos, a relação entre o corpo e a fisicalidade do espaço, tão importante para ambas, torna-se mais perceptível.
Vídeo, Francesca Woodman, 1975-78
Vídeo, francesca Woodman, 1975-78
Helena Almeida, da série Rodapé, 1999
Os sapatos são elementos marcantes, um prolongamento do corpo,
Helena Almeida, da série Dentro de mim, 2000
Francesca Woodman, Providence, Rhode Island, 1975-76
é no chão, na terra que os pés assentam, mas é o chão, elemento fundamental, o elemento escolhido na obra de ambas, para a representação dos seus corpos, onde no chão projectam a sombra do corpo. Com Helena Almeida o corpo, manchas negras de pó transforma-se,
Helena Almeida, 1996
com Woodman, na sua performance, a pintura de todo o seu corpo tem como objecto marcar o chão onde se deita, para aí deixar o seu registo, o negativo como numa rayografia, como lhe chamou Man Ray, e como vimos nos fotogramas do vídeo. Finalmente a fotografia como suporte dos seus trabalhos.
Nenhum criador, por mais genial que seja, é um criador isolado. A história da arte é feita por caminhos que avançam de acordo com um consenso, a que corresponde em geral uma consciência do sentido do próprio caminhar. Mesmo ignorando-se mutuamente, ambas avançavam pelo mesmo trilho, Helena Almeida em Portugal, com o dobro da idade de Woodman na América, mas as várias experiências e descobertas respondiam às mesmas necessidades profundas, “o tratar emoções”. Isso explica como diz Ernesto de Sousa “que Kaprow na América e o grupo Gutai no Japão tenham inventado simultaneamente os happenings sem conhecimento recíproco. Que Yves Klein em França e Manzoni em Itália, ignorando-se, tenham abordado pontos comuns da inquietação moderna”. Vivia-se numa época em que a arte não era ainda globalizada, onde ainda não existiam a profusão de feiras e bienais de arte, e onde sobretudo não se sentia a preocupação de acertar o relógio pelo relógio dos outros. Cada um era fiel às suas necessidades.

Mas nas diferenças, sobretudo a idade. Helena Almeida vêm da pintura, e gradualmente deixa o carvão do lápis para segurar no fio de crina.
Helena Almeida, Sente-me, 1979
Ao longo do seu percurso, Helena Almeida procura o impossível, como em “Voar”, onde tenta contrariar as leis da gravidade mas inevitávelmente o seu corpo acaba a embater no chão.
Helena Almeida, da série Voar, 2001
“O mais interessante em arte são as suas capacidades projectivas, e as limitações – o mais interessante é o que não se consegue fazer, é a impossibilidade de meter um pé pela parede adentro” diz a artista.
Na década de 1970, Helena Almeida é uma mulher, Woodman uma miúda de apenas 20 anos. Faltou a Woodman a maturidade de Helena Almeida, para ultrapassar as adversidades e limitações.

I am apprehensive. It is like when I played the piano.
First I learned to read music and then at one point I no longer needed to translate the notes: They went directly to my hands.
After a while I stopped playing and when I started again I found I could not play by instant and I had forgotten how to read music.
(Francesca Woodman)

O espaço torna-se, para Woodman, cada vez mais claustrofóbico.
Francesca Woodman
Francesca Woodman, Providence, 1975-76
Em 1981, com apenas 22 anos, põe termo à sua vida, atirando-se da janela do seu apartamento no Lower East Side de Manhattan, foi o seu último desafio à lei da gravidade.

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