Ambas as exposições mostram a mesma obra, “Swimming Pools”, de Ed Ruscha, a primeira pertence ao coleccionador belga Mark Vanmoerkerke, a segunda à colecção da Fundação Ellipse.
Há cinquenta anos atrás a “aura” de uma obra de arte tinha a ver com o estarmos em presença de um original autêntico e único. Os museus constituíram as suas colecções, assente neste valor de obra única, onde cópias e reproduções eram impensáveis.
No inicio da década de 1960, a oposição ao carácter único da obra de arte intensificou-se com a multiplicação de imagens serigrafadas de Andy Warhol e Robert Rauschenberg, com as esculturas minimalistas de Donald Judd, fabricadas industrialmente de forma repetitiva, e com o triunfo da fotografia como arte. Os museus entraram em crise, e durante alguns anos abdicaram da sua responsabilidade em relação à arte contemporânea.
As nove piscinas de Ed Ruscha seguem o exemplo dos “readymade” de Duchamp, incrivelmente banais podiam ter sido tiradas por qualquer amador.
Ed Ruscha, 1988-97, Colecção Fundação Ellipse
Ruscha põe à prova as convenções da fotografia artística. Para ele a fotografia é secundária, “I’m not a photographer at all” disse uma vez numa entrevista. Ruscha substituia a fotografia destinada à parede da galeria e do museu para o consumo de massas, ao incluir as séries fotográficas em livros. A fotografia era um pretexto para atingir um fim: o de fazer livros. Com esta série de nove piscinas, Ruscha editou “Nine Swimming Pools and a Broken Glass”, 1968, que a Fundação Serralves tem na sua colecção.
Ed Ruscha, 1968, Fundação Serralves
No texto “Os Anti-Fotógrafos” publicado na revista Artforum em 1972, Nancy Foote escrevia “Por cada fotógrafo que reclama ser considerado artista, há um artista que corre o grave risco de se converter em fotógrafo”. Para ela os anti-fotógrafos, correspondiam a um grupo de artistas, como Ruscha, que assumiam uma atitude utilitária em relação à fotografia, mas segundo a crítica corriam o risco de se tornar fotógrafos. Nancy não se enganou, “...apenas recentemente as fotografias (de Ruscha)” como lemos no catálogo de EDIT “ se vieram a autonomizar e a encontrar o seu espaço no terreno expositivo”. Agora as fotografias de Ruscha expostas em galerias e museus fazem parte de colecções de arte contemporânea, e hoje já não se estranha que a mesma obra “Swimming Pools” possa pertencer a várias.
Três importantes colecções de arte contemporânea existem actualmente em Portugal, a colecção da Fundação Serralves, a colecção Berardo, agora em Museu e a colecção da Fundação Ellipse, a mais recente. Em todas as três a abordagem à arte contemporânea é múltipla, mas todas abrangem um núcleo de fotografia. Pela importância deste núcleo todas já deram a conhecer ao público parte da obra fotográfica das suas colecções: “A fotografia na colecção Berardo” foi exposta há três anos no Sintra Museu de Arte Moderna, “EDIT – Fotografia e Filme na Colecção Ellipse” esteve este ano em exposição no Centro de Artes Visuais, em Coimbra, de Maio a Setembro dividida em dois momentos para mostrar um núcleo mais amplo de peças, e “Entrar na obra, Estar no mundo: A fotografia na colecção da Fundação Serralves” pode ainda ser vista até ao dia 14 em Serralves.
Olhar para o núcleo de fotografia destas colecções é olhar para a nova abordagem artística que despoletou na década de 1960, embora a obra de Man Ray, Duchamp e os seus seguidores fossem precursoras das novas possibilidades fotográficas que começaram a surgir nestes anos.
Em 1969 na Europa, a exposição comissariada por Harald Szeemann “Live in your Head: When Attitudes Become Form” na Kunsthalle de Berna e que seguiu para Krefeld e Londres, foi a primeira exposição de arte conceptual que causou grande impacto. Jan Dibbets e Robert Smithson foram contudo os únicos artistas que apresentaram fotografias, o que demonstra que na Europa o vínculo entre arte conceptual e a fotografia ainda era superficial.
Jan Dibbets, Perspective Correction, My Studio II 1969, Colecção Fundação Serralves
Robert Smithson, Yucatan Mirror Displacement, 1969, Colecção Fundação Serralves
Dibbets, que segundo Szeemann serviu de catalizador para o conceito da exposição convertia-se na figura crucial que integrava a fotografia na actividade artística. Nos Estados Unidos, Ruscha com a publicação dos seus livros a partir de 1962 e “Homes for America”, publicado na Arts Magazine em 1966-67 de Dan Graham, presentes nas colecções da Fundação Ellipse e Serralves, já revelavam a importância da fotografia no contexto da arte conceptual.
Dan Graham, Garage in Neo-Colonial Stule Westfield - NJ, 1978, Fundação Ellipse
Dan Graham, Homes for America, 1966-67, Fundação Serralves
Contudo se a obra de Dibbets foi largamente exposta quer na Europa como nos Estados Unidos, as séries de Bernd e Hilla Becher, tornaram-se a partir de 1970, nos expoentes da arte conceptual, embora fossem omitidos da exposição “When Attitudes Become Form”. As três colecções, (Serralves, Ellipse e Berardo) têm no seu espólio obras dos Becher, e os seus discípulos também estão bem representados.
Andreas Gursky, Colecção Berardo
Candida Höfer, Museum of Modern Art, New York, 2001, Fundação Serralves
Thomas Struth, 2end Av.East, 1st St. North, Ny, 1978, Fundação Ellipse
Mas é nos Estados Unidos, depois do artigo “Observações sobre Bernd e Hilla Becher” de Carl Andre na Artforum em 1972 que a obra dos Becher começa a ser vista no contexto conceptual. Quando começaram a colaborar em 1959, os Becher utilizavam a fotografia como documento que preservava uma época da arquitectura industrial. No livro “Anonyme Skulpturen”, 1970, os Becher atribuiam às fotografias um valor documental e insistiam na indiferença estética das imagens. Em 1995 Hilla recorda este período “...a chegada da arte conceptual possibilitou que a fotografia se aceitasse como arte” e se ainda hoje rejeitam (Bernd faleceu neste Verão) esta categoria, fizeram algumas concessões como nos revela Hilla “Já que era a época da arte conceptual, aterrámos, gostassemos ou não, neste contexto”. O estilo objectivo dos Becher era inovador, contrastava com a estética do “momento decisivo” do fotojornalismo francês.
Em 1972 cabe a Harald Szeeman comissariar a Documenta 5. Szeeman dividiu a exposição em três secções: “Parallel Pictures Worlds” “Individual Mythologies” e “Conceptual Art ou Idea”. A fotografia aparecia agora representada em todas elas, com especial ênfase na arte conceptual. Para os artistas conceptuais a fotografia servia na perfeição o mundo das ideias, e era agora vista como o testemunho documental de uma ideia. Juntamente com os Becher estavam fotografias de Ruscha, John Baldessari,
Mas é nos Estados Unidos, depois do artigo “Observações sobre Bernd e Hilla Becher” de Carl Andre na Artforum em 1972 que a obra dos Becher começa a ser vista no contexto conceptual. Quando começaram a colaborar em 1959, os Becher utilizavam a fotografia como documento que preservava uma época da arquitectura industrial. No livro “Anonyme Skulpturen”, 1970, os Becher atribuiam às fotografias um valor documental e insistiam na indiferença estética das imagens. Em 1995 Hilla recorda este período “...a chegada da arte conceptual possibilitou que a fotografia se aceitasse como arte” e se ainda hoje rejeitam (Bernd faleceu neste Verão) esta categoria, fizeram algumas concessões como nos revela Hilla “Já que era a época da arte conceptual, aterrámos, gostassemos ou não, neste contexto”. O estilo objectivo dos Becher era inovador, contrastava com a estética do “momento decisivo” do fotojornalismo francês.
Em 1972 cabe a Harald Szeeman comissariar a Documenta 5. Szeeman dividiu a exposição em três secções: “Parallel Pictures Worlds” “Individual Mythologies” e “Conceptual Art ou Idea”. A fotografia aparecia agora representada em todas elas, com especial ênfase na arte conceptual. Para os artistas conceptuais a fotografia servia na perfeição o mundo das ideias, e era agora vista como o testemunho documental de uma ideia. Juntamente com os Becher estavam fotografias de Ruscha, John Baldessari,
John Baldessari, A movie: directional piece, 1972-73, Fundação Serralves
John Baldessari, Chossing (A game for two players) Garlic, 1971, Fundação Ellipse
Hamish Fulton,
Hamish Fulton, 1994, Colecção Berardo
Hamish Fulton, 2001, Fundação Serralves
Douglas Huebler e outros.
Esta mudança de Szeeman, em que a fotografia é agora um núcleo importante na exposição, acompanha os movimentos artísticos da época, unânimes na rejeição da pintura. Joseph Beuys, o movimento Fluxus e outros tipos diferentes de actividades artísticas encontraram na fotografia a sua utilidade, um documento que permitia registar as suas actividades. Sigmar Polke,
Esta mudança de Szeeman, em que a fotografia é agora um núcleo importante na exposição, acompanha os movimentos artísticos da época, unânimes na rejeição da pintura. Joseph Beuys, o movimento Fluxus e outros tipos diferentes de actividades artísticas encontraram na fotografia a sua utilidade, um documento que permitia registar as suas actividades. Sigmar Polke,
Sigmar Polke, Sem Título, 1964-68, Fundação Serralves
Helena Almeida,
Helena Almeida, Pintura Habiada, 1975, Fundação Serralves
Helena Almeida, Entrada Azul, 1980, Colecção Berardo
Fernando Calhau, com a sua materialização de um quadro imaginário
Fernando Calhau, Materialização de um quadro imaginário, 1974, Fundação Serralves
e Christian Boltanski deixam a pintura para trabalhar com a fotografia. Boltanski,
Christian Boltanski, Inventaire des objects ayant appartenu à une vieille dame de Baden-Baden, 1973, Fundação Serralves
exposto na Documenta 5, vê na fotografia o meio ideal de transmitir a história e a memória, tema central do seu trabalho. Utilizando fotografias anónimas, ampliadas, a noção de autor é neutralizada. Hans-Peter Feldman utiliza também fotografias anónimas como “readymades”, dissociando também a ideia de autor.
Hans-Peter Feldmann, Todas as roupas de uma mulher, 1974, Fundação Serralves
Feldman embora utilize imagens banais, a sua crítica, era social e não uma crítica à fotografia artística. Sherrie Levine, ao contrário, rejeita a fotografia artística, despreza a obra única e original, para ela todas as imagens são afinal apropriações de apropriações. Fotografa sem retoques reproduções de fotografias. Edward Weston, um dos fotógrafos que Levine se apropriou, disse “Visualizo a fotografia antes de a ter tirado”, para Levine Weston copiou do mundo o que tinha em mente. A colecção Ellipse, mostrou a série “Interieurs Parisiens”, 60 imagens fotográficas de interiores de casas tiradas pelo fotógrafo Atget e que Levine reproduz e os exemplos podiam continuar.
Exposição no Cav da obra Sherrie Levine, Fundação Ellipse
Exposição no Cav da obra Sherrie Levine, Fundação Ellipse
Sherrie Levine, After Walker Evans #3, 1981, Fundação Serralves
Mas é com a Documenta 6, em 1977, que a fotografia tem pela primeira vez uma secção separada. Muitos fotógrafos do século XIX, Louis Daguerre, Henry Fox Talbot estão lado a lado com os Becher, Setphen Shore e tantos outros. Comissariada pela historiadora de arte Evelyn Weiss, na sua introdução ao catálogo Weiss dissocia a fotografia do contexto da arte conceptual em oposição à Documenta anterior. A fotografia na Europa passava agora a ser considerada, como já o era nos Estados Unidos há muito, uma arte visual autónoma. A Europa, depois de interregno de anos abre-se novamente à fotografia: os museus constituem as suas colecções fotográficas, surgem as primeiras galerias de fotografia e na imprensa a crítica sistemática desta disciplina.
Embora diferentes, a lista dos artistas é bastante comum nas três colecções. Agora, as três colecções numa atitude semelhante à Documenta 6 emancipam a fotografia do resto da colecção e dão-nos a ver em separado a fotografia das suas colecções.
Mas é com a Documenta 6, em 1977, que a fotografia tem pela primeira vez uma secção separada. Muitos fotógrafos do século XIX, Louis Daguerre, Henry Fox Talbot estão lado a lado com os Becher, Setphen Shore e tantos outros. Comissariada pela historiadora de arte Evelyn Weiss, na sua introdução ao catálogo Weiss dissocia a fotografia do contexto da arte conceptual em oposição à Documenta anterior. A fotografia na Europa passava agora a ser considerada, como já o era nos Estados Unidos há muito, uma arte visual autónoma. A Europa, depois de interregno de anos abre-se novamente à fotografia: os museus constituem as suas colecções fotográficas, surgem as primeiras galerias de fotografia e na imprensa a crítica sistemática desta disciplina.
Embora diferentes, a lista dos artistas é bastante comum nas três colecções. Agora, as três colecções numa atitude semelhante à Documenta 6 emancipam a fotografia do resto da colecção e dão-nos a ver em separado a fotografia das suas colecções.
2 comentários:
Mais um excelente artigo. Não resisto, contudo, a fazer um comentário: acho que a colecção da Fundação PLMJ merece ser referida como uma das grandes colecções de arte contemporânea actualmente existentes em Portugal, em particular no domínio da fotografia. É certo que o acervo é constituído apenas por fotografias de artistas/fotógrafos portugueses, mas essa não será seguramente razão para não a qualificar e considerar como uma grande colecção. Antes pelo contrário.
Um braço TMR
Logo no título quis diferenciar as colecções de arte contemporânea com as colecções de fotografia, mas percebo o que quer dizer pois a PLMJ é tb uma colecção que abrange a arte contemporânea. Mas existem diferenças, a colecção de fotografia da PLMJ foi comprada para constituir uma colecção de fotografia portuguesa, diferente portanto das três colecções que referi no post. S.Leal uma vez disse numa entrevista qualquer coisa no género "um dia desafiaram-me a comprar fotografia. Não percebia de fotografia e começei a comprar livros e ir às feiras...". Não quis comparar o incomparável, porque a colecção de fotografia da PMLJ é já por si autónoma. Se um dia escrever um post sobre as colecções de fotografia em Portugal, concerteza não me esqueceria da colecção da PMLJ,nem da colecção do BES,nem da colecção de Mário Teixeira nem da nossa colecção, guardada no CPF, no Porto, iniciada nos anos 80 por Jorge Calado e continuada por Teresa Siza, e que infelizmente tem sido mal divulgada, digo infelizmente porque considero uma excelente colecção. São estas as quatro colecções que conheço por já terem sido divulgadas publicamente. O facto de não ter referênciado a colecção da PLMJ, não é por desprestígio, mas pela autonomia que desde o início a constituiu.
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