domingo, maio 20, 2007

Os cem anos de Hergé

Comparar as fotografias das vanguardas russas até à era da perestroika foi o que propus no último post. Mas ontem a revista do Expresso, “actual”, ao anunciar os cem anos de Hergé desviou-me para o Tintim.

Quando se fala em Hergé, pensa-se logo em Tintim e curiosamente a primeira reportagem de Tintim, é ao país dos sovietes.
Publicada pela primeira vez em 1930, no suplemento semanal “Le Petit Vingtiéme” do jornal Le XXème Siécle, o repórter Tintim é apresentado da seguinte maneira:
Na Rússia, todos viviam felizes com a reconstrução em curso, era essa a imagem que o país transmitia ao ocidente, quer através das exposições internacionais quer através das revistas.
Gustav Klutsis, Litografia, 1931
Mas Tintim, o repórter que inicia a sua carreira no país dos sovietes denuncia a ditadura que aí se instalou. Esta é uma das suas muitas investigações no país dos sovietes:
Desde o início que os enredos e desenhos das aventuras de Tintim foram feitos com base em informações e detalhes provenientes de sólidas pesquisas históricas, geográficas, científicas...Andy Warhol, que em 1979, fez uma série de 4 retratos de Hergé, reconheçe a influencia que ele e a Disney tiveram na sua obra, dirá “ Hergé foi mais que um desenhista de histórias aos quadradinhos, ele tinha uma forte dimensão artística e política”.
Warhol tinha razão, vejamos alguns exemplos, “Lótus Azul”, 1936, passado na China, o repórter Tintim não só luta contra a droga e os seus traficantes como toma posição a favor da China contra a ocupação japonesa. Em “O carvão no Porão”, 1958, é a denúncia das situações extremas de exploração humana que Hergé lera na imprensa da época. Se na América, 1932, Tintim luta contra os gangsters de Chicago, em 1953, Girassol e os seus amigos embarcam no foguetão “Rumo à Lua”, antecipando-se 13 anos a Neil Armstrong, o primeiro a assentar os pés em solo lunar. Uma antecipação científica tão rigorosa só podia ser apoiada em documentação, como o próprio referiu “o que eu fiz em “Rumo à Lua” foi romanciar livros que já existiam como “A Astronáutica”, li muito antes de me lançar nesta história”. Sabemos que para os seus desenhos, Hergé recorria à fotografia. O palácio Moulinsart, por exemplo, residência do capitão Haddock, foi desenhado a partir de uma fotografia.
E as fotografias que Robert Doisneau tirou ao laboratório de física nuclear onde Iréne e Fréderic Joliot-Curie trabalhavam não terão elas influênciado o desenho de “Rumo à Lua”?
Robert Doisneau, 1942
Doisneau é hoje conhecido como o fotógrafo romântico, que fotografou as ruas, bistrots, as crianças, os namorados... Contudo esta ideia que hoje se tem de Doisneau é redutora. Em 1942, o editor Maximilien Vox prepara um livro, “Les Nouveaux Destins de l’intelligence française”, encomendado pelas autoridades de Vichy. O objectivo era celebrar o brilho e esplendor da ciência e francesa. Vox recorre a Doisneau para ilustrar parte do livro. No total são 28 reproduções de Doisneau, duas consagradas ao laboratório atómico de Ivry. Em 1942, Doisneau faz a primeira, de muitas outras reportagens, ao laboratório onde trabalhavam os Joliot-Curie.
Robert Doisneau, 1942

Á época as fotografias de Doisneau deram uma visão dos laboratórios de física nuclear, hoje são documentos que testemunham os trabalhos científicos desenvolvidos. Alain Michel, que estudou os arquivos fotográficos de Doisneau escreve “ao olhar para estes arquivos percebemos que as missões fotográficas de Doisneau ao laboratório de física nuclear, obedeciam a missões específicas que lhe eram pedidas”.

Na década de 1950, as fotografias de Doisneau, certamente serviram de modelo a Hergé para os desenhos de “Rumo à Lua”.
Mas Hergé, á fotografia que representa as duas esferas acrescenta-lhes o arco eléctrico que une as esferas.
L´Éruption du Karamako, 1952.
Menos conhecido que Tintim, Hergé criou também Jo, Zette e Jocko o macaco.
No verso dos livros de Tintim, vemo-los sempre. Só para situar o leitor, em l’Éruption du Karamako, Jo, Zette e Jocko vão parar a uma ilha onde um cientista mau os quer utilizar nas sua experiências.

Mais tarde, em 1957, Doisneau acrescenta ao negativo das duas esferas um arco eléctrico à semelhança do que fez Hergé.
Robert Doisneau
Quando Doisneau tirou a fotografou pela primeira vez os físicos evitavam a utilização do arco eléctrico, porque isso correspondia a uma perca de energia, e foi assim que Doisneau a fotografou.

Mas agora é a vez de perguntar, será que o imaginário criado por Hergé, que tanto fascinou o público, influênciou Doisneau e fê-lo acrescentar um arco eléctrico imaginário entre as duas esferas?

4 comentários:

sem-se-ver disse...

de novo:

as coisas que eu aprendo consigo!!!

doisneau é, provavelmente, o meu fotógrafo preferido, mas eu não fazia qq ideia sobre este trabalho dele com os joliot-curie!! e mt menos da utilização de hergé de fotos dele e...

olhe, obg!

cs disse...

ui...nem eu sem-se-ver. Nunca imaginaria o Doisneau a fotografar o Pierre Curie. É ele que ali está. Nunca imaginaria Doisneau ligado de alguma maneira a uma das maiores descobertas, a radiação que permitiu deppois ao casal Curie os Nobel que tão bem os notabilizaram.
Estou neste momento com um trabalho sobre isto em mãos e aparece este rebuçado.
Incrível. Incrível.

Um bjo
cs

cs disse...

desculpe o lapso, claro que n é o Pierre Curie, mas sim o genro. A Irene, filha dos Curie, tb ganhou um Nóbel n sei se também conjuntamente com o marido.
Nem podia ser. Teria que o Doisneau andar a fotografá-los no principio do Sec.MAIS UMA VEZ, DESCULPE O LAPSO

CS

Madalena Lello disse...

Trata-se de facto de Fréderic e Iréne Joliot-Curie.
Mas tb aprendo com os comentários, como por exemplo os polaroids de Tarkovski,que a sem-se-ver sugeriu uma vez.
Obrigado