sexta-feira, maio 11, 2007

Livros Fotográficos no Arquivo Fotográfico

O Arquivo Municipal de Lisboa/ Arquivo Fotográfico teve a excelente ideia de proporcionar um dia aberto ao livro fotográfico, e dispôs na sua sala de leitura os livros fotográficos da sua biblioteca para os interessados poderem consultar. A pretexto desta montra bibliográfica, inserida no âmbito do evento “Lisboa cidade do livro”, o Arquivo convidou também, José Afonso Furtado, para apresentar algumas referências editoriais da História da Fotografia.

No final do ano passado, e em colaboração com Ana Barata, Furtado publicou um ensaio “Mundos da Fotografia: Orientações para a constituição de uma biblioteca básica” editado pelo Centro Português de Fotografia (CPF). O livro é referência para qualquer instiuição que deseje iniciar ou completar uma biblioteca básica de livros fotográficos. Gosto de livros fotográficos e achei interessante esta iniciativa do Arquivo. Ontei fui ao Arquivo de Lisboa assistir à apresentação de José Afonso Furtado.

Inevitávelmente Furtado começou por apresentar os dois livros, que falam da história dos livros fotográficos: “The Book of 101 Books” de Andrew Roth editado por PPP Editions em associação com Roth Horowitz LLC, New York 2001,
e os dois volumes de Martin Parr e Gerry Badger “The Photobook: A History” editado pela Phaidon em 2004 e 2006 respectivamente. A qualidade de impressão é excepcional quer no 101 Books, quer nos dois volumes do Photobook.
Andrew Roth, na sua introdução refere “...a book had to be a thoroughly considered production; the content, the mise-en page, choice of paper stock, reproduction quality, text, typeface, binding, jacket design, scale – all of these elements had to blend together to fit naturally within the whole.” É criticando o que Roth escreve sobre o que deve ser um livro fotográfico que Furtado inicia a sua apresentação. Para ele o livro de Roth está cheio de incoerências, tendo em conta o que lemos na introdução. Furtado dá exemplos:" Roth quis apresentar Paul Strand, mas certamente não gostava dos livros de Strand, “Paese”, o livro que fez em França, escolheu então uma revista, a Camera Work
para apresentar o trabalho fotográfico de Strand. Camera Work é uma revista, não é um livro fotográfico" diz Furtado. Daria razão a Furtado e a justificação até seria interessante, se o livro “La France de Profil”, 1952, de Strand, o tal livro que fez em França, não viesse referido na página 136.
Não vira Furtado o livro todo? E continuou, "Gilles Peress, “Telex Iran”, 1983 é outro exemplo. Peress tirou aquelas fotografias para cobrir a guerra, não para fazer um livro, o mesmo se pode dizer com o livro de Lisette Model, 1979," continua Furtado e outro exemplo ainda, o “Every Building on the Sunset Strip”, 1966, de Edward Ruscha. "As edição de Ruscha são de má qualidade não seguem os princípios de Roth, (reproduction quality), a edição de Sunset não tem qualidade". Mais á frente na sua apresentação, Furtado volta a este livro de Ruscha e diz," ele fotografou todos os edifícios desta avenida, não sei que avenida é esta nem sei bem onde fica se em Hollywood, Los Angeles... não sei. Ele fotografa e regista todos os edifícios pares e ímpares e dispõe desta forma", mostra a reprodução,
neste livro em harmonio.
Furtado tem razão, os livros de Rucha não têem a qualidade que Roth diz ser necessária. Ruscha não estava interessado na qualidade das reproduções, não considerava os seus livros artísticos, embora as edições limitadas dos seus livros atingem hoje os preços mais elevados no mercado dos livros fotográficos. Para mim, os elevados preços justificam-se “Every Building on the Sunset Strip”, é dos livros fotográficos mais criativos. Los Angeles extende-se na horizontal, e é a horizontalidade desta cidade que inspirou Ruscha, todos os edifícios do Sunset Strip, uma parte do interminável Sunset Boulevard, foram fotografados e minuciosamente montados num livro desdobrável de 8,20 metros. Ao contrário de Furtado, que não se interessa em saber onde ficam, a localização geográfica destas fotografias é primordial para entender a criatividade do livro, é a horizontalidade de Los Angeles que Ruscha reproduz em harmonio. (no post Los Angeles é cinema, 24/02/2007 incluí o mapa geográfico).
Passavamos então á selecção dos livros fotógraficos que Furtado queria apresentar. "“The pencil of nature”, 1844 de Fox Talbot, e o processo laborioso como esses primeiros livros foram feitos, ainda não tinha sido inventada a técnica que permitia a impressão simultânea de texto e imagem, cada imagem era colada manualmente no livro, hoje um trabalho que nos parece impensável", prossegue Furtado. Segue com “American Photographs”, 1938 de Walker Evans.
Para Furtado o exemplo perfeito, pois um livro fotográfico, como nos dissera anteriormente, é mais que a soma de todas as fotografias. "O prefácio escrito por Lincoln Kirstein em “American Photographs”, acentua a importância do layout e a sequência das fotografias. Ao folhearmos o livro o fluxo de associações é magnifica", e Furtado mostra-nos a fluidez dessas imagens. No prefácio, Kirstein refere que a sequência do livro é comparável ao princípio de montagem cinematográfica de Sergei Eisenstein. Passa para “Let us now Praise Famous Men”, 1941 também de Evans e feito em conjunto com James Agee, e de outros que também pertenceram à FSA, “American Exodus: A Record of Human Erosion”, 1939, de Dorothea Lange. Passava duas horas da apresentação, quem assistia ia saindo, Furtado, com o entusiamo de querer dizer tudo perdia-se em muitos detalhes. Segue-se Robert Frank com “The Americans”, 1959 a versão americana, fala da influência de Evans no seu trabalho, e mostra-nos as duas primeiras imagens do livro (pode vê-las no post Robert Frank, 2/05/2007)."O que liga estas duas imagens tão diferentes", pergunta-nos Furtado. A resposta é "Hoboken o local onde ambas as fotografias são tiradas é o elo de ligação, é importante nas fotografias de Frank a referência do local" diz-nos Furtado. E inevitálvelmente Furtado mostra do livro de Parr e Badger “Lisboa cidade triste e alegre”, 1959,
o livro que todos nós conhecemos, editado práticamente na mesma altura, mas infelizmente tem gralhas," irritam-me gralhas" diz Furtado. Momentos antes, ao falar das peripécias do “road trip”, 55-56, de Frank pela estrada americana Furtado também ele se engana. E conta "Frank nessa viagem chegou a estar preso, para se ver livre Frank diz aos polícias que conhece Steichen, mas Steichen ainda não era conhecido, a exposição “The Family of Man” viria mais tarde" diz a sorrir Furtado que já nos revelara o desprezo por tal exposição e livro. A história contada por Frank é diferente: um dia no Arkansas a polícia prende-o. Perguntam-lhe, o que está a fazer? Frank responde sou bolseiro Guggenheim. Quem é Guggenheim?. Furtado talvez quissese dizer Guggenheim ou talvez Evans, a quem Frank pede ajuda para o livrar da situação. Errar é humano, só quem não escreve ou dá conferências é que não os dá. Mas o que Furtado nos diz sobre “The Family of Man” que era exibida nesse ano, já para mim revela o verdadeiro desprezo que tem a Steichen pelo trabalho que fez no MoMA. Furtado, parece partilhar o sentimento de Beaumont Newhall há 50 anos atrás, (ver post Revista “VU”, 3/01/2007) que se demite horrorizado quando sabe dos planos de Steichen para o departamento de fotografia do MoMA. Passou meio século e gostando ou não do livro, julgo que devemos olhar hoje para essa exposição como um reflexo da época, o sentido humanista partilhado em muito pelos fotógrafos franceses e a importância e influência que na altura tinham os foto-ensaios da revista Life. Mas continuemos, e a seguir ao livro “Lisboa cidade Triste e Alegre”, Furtado fala em “New York, Life is good & good for you in New York”,1956 de William Klein editado 3 anos antes. Pela próximidade da edição, é constante entre nós, lembro-me do seminário coordenado por Lúcia Marques que teve lugar há dois ou três anos na Gulbenkian sobre o livro “Lisboa cidade Triste e Alegre”, onde se acentuou também a edição quase simultânea destes livros. A razão que me levou a escrever o post está precisamente nestes três livros. Editados com poucos anos de distância porque não compará-los e olhar para as diferenças e semelhanças. Já escrevi sobre o livro de Lisboa (post Cinema e Fotografia, 14/01/2007), “The Americans” o post é recente, falta William Klein, sobre o qual em breve queria mostrar, para o leitor finalmente percepcionar a criatividade de cada um deles, não basta a referência à proximidade editorial.
Eram quase 9 horas, a apresentação começara às 6, mas o final da apresentação foi feliz, Furtado termina com os livros de Blaufuks," também ele", diz "cola manualmente as polaroids, e regressamos com Blaufuks ás origens, ao livro de Fox Talbot".

4 comentários:

Reboliço disse...

Ola :-)
Vim dar aqui atraves do "sem-se-ver" e gostei muito de ler tanta coisa sobre fotografia, um tema que me interessa. Espero que nao leve a mal se chamar a atencao para aquilo que julgo ter sido uma especie de gralha neste seu post: o livro "Lisboa, Cidade Triste e Alegre" nao e' de Martin Parr e Gerry Badger, mas sim dos arquitectos Victor Palla e Costa Martins.
Obrigada por toda a informacao que aqui se encontra!

Madalena Lello disse...

O que está ilustrado no post é retirado do livro de Parr e Badger relativa à referência que fazem a Lisboa, Cidade Triste e Alegre". O livro não se encontra no mercado, e infelizmente quase ninguém o conhece. Escrevi um post "Cinema e Fotografia. "Lisboa cidade Triste e Alegre",porque é a minha visão do livro que é mais cinematográfica que fotográfica. Por saber que é raro, postei muitas ilustrações do livro, se tiver interesse o post, é de Janeiro.

Unknown disse...

Exma Senhora

Como ainda não conhecia o seu blog, só agora me chamaram a atenção para o texto que entendeu dedicar à apresentação que tive oportunidade de realizar no Arquivo Fotográfico de Lisboa no passado dia 10. Como tal, apenas agora me é possível comentar alguns pontos do seu post.

1. A questão da prisão de Robert Frank e sua relação com Steichen

Robert Frank é preso no dia 7 de Novembro de 1955 em Little Rock, Arkansas e fica detido na prisão de McGehee. No relatório feito pelo Lt. Brown, responsável pela prisão, para o seu superior Cpt. Templeton da Arkansas State Police, pode ler-se: «This officer investigated this subject due to the man’s appearence, the fact he was a foreigner and has in his possession cameras and felt that the subject should be checked out as we are continually being advised to watch out for any persons illegally in this country possibly in the employ of some unfriendly foreign power and the possibility of Communist affliations.The subject was fingerprinted…», etc. Frank será interrogado durante mais de quatro horas por Mercer Woolf que ele toma por um «special inspector» e que na realidade é um cidadão que tinha trabalhado em «counter-intelligence» durante a IIª Guerra. Quarenta horas depois destes acontecimentos, a 9 do mesmo mês, Frank escreve uma carta a Walker Evans a relatar estes factos e onde se pode ler: «Then the inspector asked what seemed to me a vital question. He said who do you know, anywhere, that has a high position in public affairs, police, etc. I mentioned Steichen (sublinhado meu) and Mary’s uncle whom I said is a personaL friend of Mayor Wagner [Wagner era então Mayor de New York]».
A grande preocupação de Frank era que este incidente e o facto de as suas impressões digitais terem sido enviadas para o FBI vieesem a inviabilizar a sua naturalização como cidadão norte.americano.
Portanto, neste particular, não vejo que tenha cometido nem erro nem engano, nem «a história contada por Frank era diferente», como escreve nos seus comentários. Os documentos que referi podem ser consultados no catálogo da Exposição Robert Frank. New York to New Scotia, organizada pelo Museu de Fine Arts de Houston em 1986, publicado pela mesma instituição no mesmo ano sob a direcção de Anne Wilkes Tucker (ISBN: 0-898090-037-X). As páginas a consultar são a 24, 25 e 26.

2. Edward Steichen e a exposição Family of Man, com um ponto sobre Beaumont Newhall.

Escreve Vossa Exa: «Mas o que Furtado nos diz sobre “The Family of Man” que era exibida nesse ano, já para mim revela o verdadeiro desprezo que tem a Steichen pelo trabalho que fez no MoMA».
Teve V. Exa a gentileza de fazer referência à obra “Mundos da Fotografia: Orientações para a constituição de uma biblioteca básica” editado pelo Centro Português de Fotografia (CPF) em 2006, que escrevi em comjunto com a minha colega Ana Barata. Ora aí pode ler-se na página 98: «Durante décadas, os fotógrafos tinham lidado com uma situação em que eram parceiros menores, com pouco, mas precioso, apoio para o seu trabalho em termos de bolsas e subsídios, com capacidade escassa de mostrar a sua obra em galerias e museu, e igual dificuldade em publicar monografias. Ora, paradoxalmente o único oásis neste deserto criativo era, justamente, o Museum of Modern Art. Desde a sua nomeação, Steichen tinha organizado exposições que acentuavam a história rica do medium, quer do ponto de vista histórico, como didáctico ou artístico, todas enfatizando a figura do fotógrafo. Entre 1947 e 1955 essas exposições incluiram, por exemplo, Three Young Photographers: Leonard McCombe, Wayne Miller, Homer Page (1947); Photo-Secession Group (1948); Four Photographers: Lisette Model, Bill Brandt, Ted Croner and Harry Callahan (1948); In and Out of Focus (1948); Roots of Photography: Hill Adamson, Cameron (1949); Six Women Photographers: Margaret Bourke-White, Helen Levitt, Dorothea Lange, Tana Hoban, and Hazel and Frieda Larsen (1949); The Exact Instant (1949); Roots of French Photography (1949); Lewis Carroll Photographs (1950); All Color Photography (1950); Five French Photographers: Brassai, Cartier-Bresson, Doisneau, Ronis, Izis (1951); Then, 1839, and Now, 1932 (1952).»
Não me parece que seja possível deduzir daqui qualquer «desprezo» pela actividade de Steichen no MoMA. Nem a isso me referi na minha apresentação no Arquivo Fotográfico. O que eu tenho é as maiores reticências (não «desprezo») pelo projecto da exposição Family of Man, que aliás ele começa a preparar logo em 1952, logo a seguir à exposição Then, 1839, and Now, 1932 no MoMA. Nem de modo algum rejeito a sua importância, bem ao contrário, posição que tentei explicitar na obra que referiu a páginas 96-100. Nem se compreenderia que tivesse apresentado e comentado o livro que acompanhou a exposição caso não a achasse importante. Julgo mesmo que terei dito que Family of Man era tão significativa que tinha dividido a comunidade fotográfica norte-americana e não só (o que a gravação da sessão poderá confirmar). E desde logo, não cinquenta anos depois, como o demonstra o ensaio de Bill Jay de que me sinto bastante próximo (JAY, Bill - «The Family of Man: A Reappraisal of the Greatest Exhibition of All Time». In JAY, Bill - Occam's razor: Outside-in viewing contemporary photography. Munich: Nazraeli Press, 1991; pp. 85-97). Mas as reacções negativas não se devem apenas a fotógrafos, e devo dizer que me sinto muito bem na companhia de Susan Sontag (On Photography: New York: Farrar, Strauss and Giroux, 1977; Edição portuguesa: Ensaios sobre fotografia. Tradução de José Afonso Furtado, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1986, p..38) ou Roland Barthes (Mythologies. Paris: Editions du Seuil, 1957. Edição portuguesa: Mitologias. Tradução e prefácio de José Augusto Seabra. Lisboa: Edições 70, 1978; pp. 163-64).
Um último aspecto. Ao contrário do que diz, Beaumont Newhall não »se demite horrorizado quando sabe dos planos de Steichen para o departamento de fotografia do MoMA».Beaumont Newhall foi afastado da direcção do Departamento de Fotografia do MoMA em 1947 e substituído por Edward Steichen (ver PHILLIPS, Christopher - «The Judgement Seat of Photography». In October. Cambridge (Mass.). Nº22, Fall, 1982). Também seria interessante comparar o trabalho de ambos, sobretudo a partir de 1949, quando Newhall é convidado para trabalhar na George Eastman House em Rochester.


3. Aspectos avulsos

Quando escreve «E inevitálvelmente [sic] Furtado mostra do livro de Parr e Badger “Lisboa cidade triste e alegre”, 1959, o livro que todos nós conhecemos, editado práticamente na mesma altura, mas infelizmente tem gralhas," irritam-me gralhas" diz Furtado», pode não ficar claro o sentido da minha afirmação. Realmente as gralhas irritam-me, estou no meu direito de considerar que se trata de uma falta de respeito pelo leitor/consumidor, e irritam-me mais ainda por ter começado a minha vida profissional como revisor literário numa editora (o que implicou dominar os necanismos da revisão tipográfica). Mas eu aqui estava a referir-me às gralhas na ficha de “Lisboa cidade triste e alegre” no livro de Parr e Badger, e não a quaisquer outras e muito menos na obra de Palla e Costa Martins. Sobre Ed Ruscha e a sua obra Every Building on the Sunset Strip não entendo como pode afirmar que eu não me interesso pela «localização geográfica das fotografias»; sobre o meu conhecimento de Los Angeles penso que os seus comentários são despropositados.

Lisboa, 27 de Maio de 2007

José Afonso Furtado

maria cameira disse...

A Senhora, se esteve, porque não se fez ouvir. Os seus comentários teriam sido muito bem vindos e seriam, certamente, também uma lição para os presentes.
Talvez uma gralha.
Perante tal testamento,levanta-se 1 dúvida. Gravou a conversa. Se o fez, porque não o comunicou aos coordenadores. Certamente não lhe seriam criados nenhuns obstáculos. O não ter interpelado na hora o palestrante, sublinhando desta maneira o seu imenso saber, descontextualizando uma conversa, parece-me deselegante e, mais, falta do que fazer.
maria cecília cameira