Há dias li num jornal que a Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian passava a disponibilizar na Internet, através do Flickr, parte das fotografias da sua colecção de álbuns fotográficos - entre eles a colecção do Estúdio Novais.
Estúdio Mário Novais, Lisboa, Fotografia sem data, ACP
A colecção Novais, foi adquirida na sua totalidade pela Fundação em 1985. Como refere Luis Pavão, responsável pelo tratamento e arquivo da colecção, esta chegou ao Arquivo de Arte da Fundação, e aí permaneceu durante dois anos, tendo sido abertas apenas algumas caixas com o intuito de inspecção. Nessas inspecções detectou-se a presença de negativos em nitrato de celulose, material altamente inflamável. Conscientes então do perigo que esta quantidade de material fechado numa sala sem climatização poderia causar, levaram a Fundação, no início de 1990, a por em marcha todo um processo de tratamento. A digitalização da colecção, que agora podemos consultar via computador, foi logo pensada de início, e se à época o modo digital era quase uma ficção, hoje é o sistema adoptado e vulgarizado nos arquivos. O Estado português, que nos espreme com impostos, bem podia olhar para este exemplo e fazer o mesmo às colecções que guarda a sete chaves.
Mário Novais, (1899-1967), no nº 115 da Avenida da Liberdade, abriria, em 1933, o seu estúdio a que chamou Estúdio Novais. Quando morre, o estúdio passa para os herdeiros que o cedem, com todo o seu espólio, aos dois colaboradores Abílio Barata e Mário Soares que prolongam a actividade por mais uns anos. Em 1982, a venda do espólio fotográfico, surge como solução para os dois colaboradores, que entretanto tiveram que libertar o andar por uma acção de despejo do senhorio. Várias instituições mostraram-se interessadas, entre elas a Fundação Paul Getty de Los Angeles. Deixar que a riqueza patrimonial deste espólio, saísse do país, seria uma perca lamentável, mas felizmente a Fundação Gulbenkian acabou por comprar toda a colecção.
A colecção do estúdio abrange várias décadas (1933-1982) durante as quais fez diversos trabalhos de encomenda quer para o Estado, como a cobertura da famosa Exposição do Mundo Português (1940), em que o escudo e as quinas nacionais, que vemos nesta fotografia,
Mário Novais, Exposição do Mundo Português,Lisboa,1940
nos lembram a marca de fósforos Pátria, caixas sempre presentes nas prateleiras de pedra dos fogões das cozinhas portuguesas, aos institucionais particulares, como o trabalho que executou para o Automóvel Clube Português, onde o icónico VW Carocha, o carro mais popular a seguir à guerra, percorria as avenidas dos novos bairros de Lisboa.
Estúdio Mário Novais, Lisboa, ACP,Fotografia sem data.
Á época, o regime conservador do Estado Novo, presidido por Salazar, materializaria pela mão do Engenheiro Duarte Pacheco, ministro das obras públicas, um novo plano de urbanização para Lisboa, em franco crescimento populacional. O infatigável ministro, planeava e dirigia a construção de liceus,
Estúdio Mário Novais, Liceu Pedro Nunes, Lisboa, Sala de Aula. Fotografia sem data.
Estúdio Mário Novais, Liceu Pedro Nunes, Lisboa, Sala de Ciências Naturais. Fotografia sem data
gares marítimas,
Mário Novais, Gare Marítima, Painel de Almada Negreiros,data aproximada 1943-45
Mário Novais, Gare Marítima, Painel de Almada Negreiros,data aproximada 1943-45
aeroporto, parque florestal de Monsanto, estádio, igrejas,
Estúdio Mário Novais, Igreja de Nossa Senhora de Fátima, Lisboa, Arquitecto P.Pardal Monteiro
bairros,
Estúdio Mário Novais,Lisboa, Fotografia sem data
Instituições de Ensino Superior,
Estúdio Mário Novais, Instituto Superior Técnico, Lisboa
Mário Novais, Instituto Superior Técnico, Lisboa, data aproximada 1936-37
pontes, cinemas…
Estúdio Mário Novais, Cinema S.Jorge, Lisboa, Balcão. Inaugurado em 1950 de acordo com o projecto do arquitecto Fernando Silva
A Praça do Areeiro, riscada pelo arquitecto Cristino da Silva em 1938, tornou-se o símbolo da nova praça do regime. Exclusivamente habitacional, adoptou um severo jogo simétrico de arcarias de pedra, andares de sacada e peitoril, onde no telhado dominavam poderosos torreões.
Estúdio Mário Novais, Lisboa, Fotografia sem data
O carocha, o carro para o povo, tão económico quanto eficiente,
Estúdio Mário Novais, Lisboa, Fotografia sem data
circulava nestas avenidas rectas, sempre o primórdio da linha recta - o estilo em voga, ladeadas de uma arquitectura regrada, vertical e altaneira.
Estúdio Mário Novais, Lisboa, Fotografia sem data
Mas o estúdio, que vivia de trabalhos comerciais e encomendas, soube ser inovador. Se estas fotografias tiradas à noite na Avenida Almirante Reis, surpreendem,
Estúdio Mário Novais, Av Almirante Reis:vistas nocturnas, Lisboa, Fotografia sem data
Estúdio Mário Novais, Av Almirante Reis:vistas nocturnas, Lisboa, Fotografia sem data
mas lembram o “Paris de Nuit" (1933) de Brassäi, outras, como este teatro,
Estúdio Mário Novais, Teatro Politiema, Lisboa, Sala de espectáculos, fotografia sem data
lembram os fotógrafos da actualidade.
Hiroshi Sugimoto, "Theaters", 1978
Bem haja a Fundação Calouste Gulbenkian.
quinta-feira, julho 31, 2008
Estúdio Mário Novais
Etiquetas:
Exposições/Livros/Colecções
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4 comentários:
E bem haja a Madalena por ir partilhando com a "clientela", com o bom gosto do costume.
Assim que vi a fotografia do teatro de Novais lembrei-me da série de Sugimoto... da mesma forma que a imagem que abre este post me remete para uma de Bernard Plossu (num livro sobre o Porto...)
Obrigado!
Madalena Lello:
almagrande fico satisfeita por gostar das imagens que vou mostrando neste blog, obrigado pelo incentivo.
Miguel, de facto as fotografias de Novais levam-nos logo para o Sugimoto. Mas já agora aproveito o seu comentário, para referir o seguinte: A geração de Novais teve mais sorte, o mundo ainda não estava inundado de imagens como no final dos anos 70, quando Sugimoto começa a sua série de teatros. Nesses anos, década de 80, foi difícil aos fotógrafos escolher o que fotografar, pois já ninguém sabia mais o que fotografar, parecia que as gerações anteriores, como a de Novais, já tinham fotografado tudo. A fotografia tinha que se reinventar para sobreviver. Eu desisti de fotografar e por isso aprecio muito mais quem conseguiu inovar. Nesta série, os ecrãs brancos de luz, traduzem de forma magnífica, o excesso de imagens que produzem afinal o vazio. Fiquei interessada nesse livro de Plossu sobre o Porto que não conheço, obrigado eu.
Madalena,
o livro de Plossu é este:
"Porto"
Fotografias de Bernard Plossu
Textos de Maria do Carmo Serén
Ed. 1999
ISBN 972 - 8451 - 06 - 7
a edição é do CPF.
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