sábado, abril 26, 2008

Maio de 68 e as guerras que antecederam a revolta

Dois anos depois de terminada a Segunda Guerra, 1947, Robert Capa concretizava um sonho antigo, juntamente com Henri Cartier-Bresson, David Seymour, George Rodger e William Vandivert, criava a agência Magnum.

Terminava a guerra, falava-se em pós-guerra, e criava-se uma agência cujo objectivo principal - era cobrir as guerras no mundo.

Britânicos, Franceses, Holandeses, Belgas, que no fim da guerra tinham dificuldade até em alimentar-se, continuavam a governar parte do mundo. As suas colónias, em África, Ásia e no Médio Oriente, eram um bálsamo para os sofrimentos e humilhações porque tinham passado na guerra. Os políticos que só de nome conheciam tais povos, ignoravam o sentimento nacionalista que crescia rapidamente no seio das suas colónias e nenhum deles antecipou o colapso iminente das suas possessões e da sua influência no ultramar. Os políticos tinham a ideia, que dar a independência das colónias seria, como dizia o Ministro trabalhista britânico “dar a uma criança de dez anos a chave de casa, uma conta bancária e uma espingarda de caça”.
Se a Holanda queria manter a Indonésia, os Britânicos o seu império, os Belgas o Congo, os Franceses queriam manter o seu poder na Síria, na África subsariana, e acima de tudo queriam manter as suas “jóias” da coroa, a Indochina e a Argélia. Nesses anos, a Argélia em particular, era apresentada aos alunos como uma extensão administrativa da própria França e o inverso também,

Robert F. Sisson, National Geographic Society, Junho 1960, Ektachromes
e o mundo Ocidental via com os mesmos olhos tal prolongamento geográfico. Em Junho de 1960, em plena revolta e em véspera da independência, 1962, a revista americana “National Geographic” num artigo “Algeria Faces Problem and Promise”, escrevia em nota de rodapé desta fotografia o seguinte: A bit of Paris in Algiers,
Robert F. Sisson, National Geographic Society, Junho 1960, Kodachrome.
e na rua Michelet, cheia de lojas luxuosas e com as últimas modas vindas de Paris, os estudantes universitários bebem vermouth e soda, não fosse a mulher vestida de rosa, que dá um ar não gaulês, julgaríamos estar em Paris (sic).
Nesta outra fotografia acrescento, não fora os dois soldados lá mais atrás, e julgamos estar em Marselha, junto à Unidade de Habitação de Le Corbusier.
Robert F. Sisson, National Geographic Society, Junho 1960, Kodachrome

Mas em relação à Indochina o sentimento não era o mesmo. Marguerite Duras, no seu pequeno grande livro “O Amante”, descreve melhor que ninguém esse sentimento: “Os navios subiam o rio de Saigão, de motores parados, puxados por rebocadores até às instalações portuárias que ficavam naquele cotovelo do Mékong à altura de Saigão. Esse cotovelo, esse braço do Mékong, chama-se o rio, o Rio de Saigão. A escala era de oito dias. Assim que os barcos atracavam, a França aí estava. Podia-se ir jantar a França, dançar, era demasiado caro para a minha mãe e além disso para ela não valia a pena, mas com ele, o amante de Cholen, podíamos ter lá ido”.
Os franceses não estavam há muito tempo naquela região, só em 1919, com a vitória da Primeira Guerra, é que beneficiaram com a redistribuição das possessões asiáticas.

Em 2 de Setembro de 1945, logo após o pós-guerra, Ho Chi Minh, o líder nacionalista vietnamita proclamou a independência do seu país. Um mês depois as tropas francesas chegavam a Saigão. A Indochina tinha pouco sentido para a maioria do eleitorado francês, e o governo encetou conversações com os nacionalistas no sentido de negociarem uma independência. Em Junho de 1946, o almirante francês Thierry d’Argenlieu, sabotou o governo e proclamou a separação da Cochinchina (a parte sul) do Norte, rompendo as negociações com Ho Chi Minh. Começava a guerra no Vietname. Mas a França, debilitada economicamente, nunca poderia sozinha sustentar essa guerra e a guerra na Indochina foi sustentada pelos americanos. Em 1954, Washington acabou com o apoio, e os franceses depois de uma luta infrutífera e sangrenta viram-se obrigados a um cessar-fogo. Em 21 de Julho de 1954 assinavam um acordo em que se comprometiam a abandonar a região. Poucos franceses lamentaram a perda da Indochina, porque foram os seus soldados que lá combateram e morreram. Mas se os franceses não lamentaram a retirada, os fotógrafos de todo o mundo lamentaram a perca de Robert Capa, que morreria na Indochina a 25 de Maio de 1954, pouco antes do acordo assinado. Capa não mais regressaria dessa estrada
Robert Capa, Indochina, 1954
e a Magnum perdia o seu dirigente.

Imagens da Indochina? O saisdeprata-e pixels rende-se à literatura, a Duras, pois não há fotógrafo que a supere na descrição do povo: “No passeio, a multidão vai em todos os sentidos, lenta ou viva, abre passagem, é peganhenta como cães abandonados, é uma multidão da China, revejo-a ainda nas imagens da prosperidade de hoje, na maneira que eles têm de caminhar juntos sem impaciência, nunca, de se encontrar na multidão como se estivessem sós, sem felicidade dir-se-ia, sem curiosidade, caminhando sem ter o ar de ir, sem intenção de ir, mas somente de avançar aqui em vez de ali, sós, na multidão, nunca sós ainda por si mesmos, sempre sós na multidão”, na descrição da paisagem: “É, portanto, durante a travessia de um braço do Mékong na barcaça que está entre Vinhlong e Sadec, na grande planície de lama e de arroz do sul da Cochinchina, a das Aves. Desço do carro. Vou à amurada. Olho o rio. A minha mãe dizia-me às vezes que nunca, em toda a minha vida, voltarei a ver rios tão belos como aqueles, tão grandes, tão selvagens, o Mékong e os seus braços que descem para os oceanos, estes territórios de água que vão desaparecer nas cavidades dos oceanos. Na planura a perder de vista, estes rios vão depressa, vertem como se a terra se inclinasse”, na descrição das casas: “A casa está construída num terraplano que a isola do jardim, das serpentes, dos escorpiões, das formigas vermelhas, das inundações do Mékong, as que se seguem aos grandes tornados das monções. Esta elevação da casa acima do solo permite lavá-la com grandes baldes de água, banhá-la toda como um jardim. Todas as cadeiras estão em cima das mesas, a casa toda escorre, o piano do salão pequeno tem os pés dentro de água. A água desce pelos patamares, invade o pátio em direcção às cozinhas”, na passagem directa da infância para a maturidade: “Aos dezoito anos envelheci…este envelhecimento foi brutal”, e finalmente na descrição de uma sociedade, com uma moral hipócrita, que a nova geração na rua, em Maio de 68 condenaria: “A minha mãe só tira fotografias aos filhos. A mais nada. Não tenho fotografias de Vinhlong, nem uma, do jardim, do rio, das avenidas direitas, orladas pelas tamareiras da conquista francesa, nem uma,…Nunca tirava fotografias aos lugares, às paisagens, só a nós, os seus filhos, e a maioria das vezes, em grupo para que a fotografia fosse mais barata…Misteriosamente, minha mãe mostra as fotografias dos filhos à família dela, durante as férias. Nós não queremos ir com ela ver a família. Os meus irmãos nunca a conheceram. A mim a mais nova, dantes arrastava-me até lá. E depois nunca mais fui, porque as minhas tias, por causa do meu comportamento escandaloso, já não queria que as filhas me vissem. Assim não resta a minha mãe senão mostrar as fotografias, assim a minha mãe mostra-as, logicamente, ajuizadamente, mostra às suas primas direitas os filhos que tem”.

Chim, David Seymour, com a morte de Capa assume a presidência da Magnum, mas por pouco tempo, dois anos depois, em 1956, na desastrosa guerra, a do canal do Suez, contra o Egipto de Nasser, que a França, Grã-Bretanha e Israel conspiraram nas costas de Eisenhower, perdia também a vida.
David Seymour, Port Said, 1956
David Seymour, Port Said, 1956
David Seymour, Port Said, 1956, julga-se que esta foi a sua última fotografia.
A geração que se revoltaria em Maio de 68 vivia uma guerra à distância, e da geração mais velha da Magnum, ficou Cartier-Bresson, para testemunhar em França, a revolta estudantil de Maio de 68.
Henri Cartier-Bresson, Maio de 68

Mas antes de regressarmos às revoltas nas ruas de Paris, e à geração dos novos fotógrafos, ainda nos falta ir a África, e surpreendermos como em Bamako no Mali, na antiga colónia francesa, Malick Sidibé fotografa as festas da geração de 60, que mais parecem no Ocidente.

8 comentários:

Anónimo disse...

Olá Madalena,

O seu blog é sem dúvida alguma o melhor blog sobre fotografia. É possível aprender, através dos seus textos, da sua visaõ e do seu conhecimento, o que a história narra o que aconteceu e a sua faculdade de colocar o que existe, o que se pensa ou o que parece existir, ou mesmo o que deveria existir no universo da fotografia.
Um grande abraço

Madalena Lello disse...

meg, gosto de saber que aprecia a minha abordagem, obrigado pelas suas simpáticas palavras.

João Luís Ferreira disse...

Madalena,
Quase sou tentado a dizer: ainda bem que a mãe de Marguerite Duras não tirava fotografias senão aos filhos — porque as descrições em "O Amante" e noutros livros seus, daquela gente, daquelas paisagens e daquelas casas, são de um poder sugestivo tal que só um certo sentimento de perda pode invocar, ao ponto de nos tornar presentes imagens e sensações de uma arrepiante beleza que postos naquela realidade talvez nunca sentissemos.
Fico sempre impressionado com a qualidade e a beleza das suas abordagens.

Madalena Lello disse...

João Luis, a guerra acabara e Robert Capa juntamente com as tropas francesas retirava-se da Indochina. A sua última fotografia, antes de pisar a maldita mina, é uma paisagem belíssima dessa mesma Indochina. J.P. Charbonnier, um fotógrafo francês que também fotografou a Indochina nesses anos, retratou o povo, a paisagem, o rio Mékong, as casas, mas nenhuma, para mim, supera as descrições de Duras. Há um ano, também preferi Malraux, “A Condição Humana”, às imagens. A sua descrição da China, dos riquexós, das nuvens de dióxido de enxofre provenientes da queima de carvão que infestavam o ar das cidades, eram mais reais que qualquer imagem.
Na minha geração, a de 60, a Cochinchina, que tantas vezes pronunciávamos, significava um país distante, desconhecido, que nem sabíamos bem localizar no mapa, mas ao ler os livros de Duras conhecemos o país dessa época.
O João Luís escreve na geraçãode60, um blog com um nome de uma geração que marcou. Em Abril, a França não espera por Maio para saudar os quarenta anos que passaram desses dias de Maio de 68. Interrogo-me porquê tantas edições, reportagens, debates…afinal ainda faltam dez anos para o meio século, data que normalmente justifica um voltar atrás com tanto fulgor…Será porque o século XXI começa nesses anos 60? Será porque hoje vivemos num mundo que nos anestesiou e sentimos agora uma necessidade de acordar, uma necessidade de mudança? O saisdeprata-e-pixels sentiu a necessidade de mudar, e durante vários posts, regressa a essa geração, a de 60, que acabou por marcar uma mudança.

Ainda bem que a mãe de Duras "não tirava fotografias senão aos filhos".

Anónimo disse...

Felicidades por tu blog, es precioso e interesantísimo. Llegué a él por casualidad hace unos meses y desde entonces te sigo. Tienes la facultad de hacer visible lo invisible.

Miguel

Anónimo disse...

Felicidades por tu blog, es precioso e interesantísimo. Llegué a él por casualidad hace unos meses y desde entonces te sigo. Tienes la facultad de hacer visible lo invisible.

Miguel

Madalena Lello disse...

obrigado Miguel

Meg Rodrigues disse...

Madalena,

Não sei o que aconteceu com o link para o meu blogue, aparece uma mensagem estranha quanto ao certificado.
Vou tentar mais uma vez.
Aproveito para lhe pedir autorização para incluir o seu endereço na lista dos meus links.
Um grande abraço