sábado, abril 05, 2008

Leilão de livros fotográficos na Christie's

O site da Christie’s anuncia um grande leilão de livros fotográficos. No próximo dia 10 de Abril, em Nova Iorque, no Rockefeller Plaza, 200 lotes estarão à venda. A leiloeira anuncia: “Fine Photobooks from an important Private Collection”, e espera realizar entre $1.5m-2.2m .

Estes são alguns dos livros:
Lewis Hine, Men at work, 1932, Lote 31 est. 5,000 - 8,000 dólares
Brassäi, Paris de Nuit, lote 34, est. 35,000 - 45,000 dólares
Man Ray, Facile, Lote 44, est. 30,000 - 40,000 dólares

Simultaneamente, no mesmo dia, duas grandes colecções de fotografias serão também leiloadas, uma pertence a Gert Elfering e a outra a Bruce e Nancy Berman.

O interesse pelos livros fotográficos, em leilões desta dimensão, é recente. A Christie’s, que há mais de dez anos organiza leilões de fotografias, só em Maio de 2006 iniciou leilões de livros fotográficos. Nesse primeiro leilão, Philippe Garner, director do departamento de fotografia da Christie’s explicava o seguinte: “O mercado da fotografia já existe há mais de 10 anos. Como consequência as fotografias estão cada vez mais caras. O coleccionador comum já não tem orçamento para constituir uma colecção de fotografias. O fotolivro é uma alternativa, para uma nova colecção”. Garner preparara bem o leilão pois dois dias antes propunha : “The renowned photographer and author Martin Parr will deliver a lecture on photobooks at Christie’s King Street on 16 may 2006 at 6:30 pm.”

Em Janeiro do ano passado neste post “Fotolivro: um novo mercado emergente” escrevia: Os motivos que levam os privados a coleccionar são diversos. Há quem coleccione por paixão, outros coleccionam por vício, outros como investimento financeiro, outros como uma aposta, outros ainda para “ intervir no mercado com a necessidade de ter grande visibilidade social e mediática”, e outros coleccionam por muitas outras razões, ou misturam as razões anteriores em doses diferentes.
Há mais de vinte anos que compro livros fotográficos. Paixão? vício?, certamente, mas o certo é que nunca comprei arriscando, ou seja esperando uma futura valorização. Em 2005, na feira Paris Photo percebi o interesse crescente de coleccionadores por livros fotográficos. O número de editores na feira aumentara, e no stand da livraria Chambre Claire, o livro, o primeiro volume “The Photobook: A History”, 2004, de Martin Parr e Garry Badger, estava cheio de post-it que marcavam alguns dos livros que a livraria vendia.
Em Maio a Christie’s avançava com o leilão cujo total das vendas rendeu £ 635 792.

Sem referências, os investidores não arriscam. Agora nos catálogos de vendas de livros fotográficos é comum ler-se: “Répertorié dans le Parr e Badger”.
Na revista Beaux Arts, Novembro 2005, Denis Ozanne, um marchand de arte comentava: “O livro “The Book of 101 Books” de Andrew Roth, 2001, deu ao mercado alguma bibliografia sobre os fotolivros, mas não o suficiente. Com o livro de Parr e Badger os coleccionadores debatem-se por encontrar os livros citados. Cela devient de la folie”.
Em Agosto de 2006, na revista Modern Painters, um dos artigos tinha como título: “Pump Up the Volumes: Testing the new market for vintage photography books”.

É de facto a verdadeira loucura.

Em Portugal o primeiro volume de “The Photobook: A History”, não passou desapercebido, e Alexandre Pomar, no jornal Expresso, 15 de Janeiro de 2005,
dedicava um artigo, ressaltando o único livro português referenciado: “Lisboa cidade triste e alegre” de Victor Palla e Costa Martins. Todos os livros nos dois volumes pertencem à colecção de Martin Parr. Dos 200 livros que a Christie’s vai leiloar,
“Lisboa, cidade triste e alegre”, uma raridade mesmo em Portugal, é um deles, o lote 97 e a estimativa 12,000 – 16,000 dólares. Em 1982, o livro era vendido na Galeria Ether- Vale Tudo Menos tirar olhos por 2.500$00. Pode ver aqui parte do livro.

Agora vou contar uma história ao leitor:

Em Junho de 2003 uma revista generalista americana, Atlantic Monthly, publicou um artigo “Photography and Forgery: the Lewis Hine scandal”.
Richard Woodward, que o assina, conta o escândalo de centenas de fotografias falsas vendidas como provas “vintage” de Lewis Hine. Lewis Hine é hoje considerado, pela maior parte das histórias da fotografia , como um dos primeiros fotógrafos a utilizar a fotografia como documento social. No início do século XX, em Nova Iorque, Hine, denunciava o trabalho infantil, em Ellis Island, retratou os milhares de emigrantes que ai chegavam da Europa, e também são célebres as fotografias que tirou aos trabalhadores, em situações arriscadas, na construção do Empire State Building.
Não sendo considerado um fotógrafo artístico, os preços das suas fotografias não atingiam, nos finais de 70, os preços de um Man Ray ou Alfred Stieglitz.

Em Outubro de 1999 a Association of International Photography Art Dealers, enviava aos seus sócios uma carta referindo que centenas de provas fotográficas de Lewis Hine, vendidas em galerias e leilões, eram de proveniência duvidosa. Era o escândalo, e o rumor circulou depressa. Walter Rosenblum, o respeitado coordenador e professor do departamento de fotografia durante vinte anos no Brooklyn College, o autor, em conjunto com a mulher Naomi, da conhecida “A World History of Photography”, 1984,
autor de “The Lewis Hine Document”, 1977, promovido pelo Brooklyn Museum,
e co-autor de livros sobre Lewis Hine, como “America and Lewis Hine”, 1977,
via-se acusado de ter vendido da sua colecção fotografias de Hine como provas “vintage”. Três delas: “Powerhouse Mechanic”, c. 1920, fotografia que ocupa uma só página no seu livro “A world History of Photography”,
Lewis Hine, Powerhouse Mechanic,c.1920
“Steelworkers at a Russian Boarding House”, 1908,
Lewis Hine, Steelworkers at a Russian Boarding House, 1908
e “Three Riveters”, c.1931,
Lewis Hine, Three Riveters, c.1931
várias cópias apareceram à venda em muitas galerias. Análises ao papel fotográfico, feitas por especialistas, denunciavam que a data do papel era posterior à morte de Hine e que provavelmente teria sido o próprio Rosenblum a fazê-las. Era a estupefacção total, alunos, amantes da fotografia e críticos nem queriam acreditar, a autoridade e o grande defensor de Lewis Hine, não passava de um falsificador. Para eles, promovera Lewis Hine para vender, à posteriori, as suas fotografias por preços consideráveis. Alan Trachtenberg, professor em Yale e com quem Rosenblum escreveu “America and Lewis Hine”, comentou “My reaction when I heard the news was utter and complete sadness”.

Lewis Hine é um grande fotógrafo e “America and Lewis Hine”, 1977 e “The Lewis Hine Document”, 1977, foram das minhas primeiras compras.

Quem será o coleccionador privado que agora vende esta fabulosa colecção de livros fotográficos?

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