sábado, janeiro 05, 2008

Um dia cinzento

Hoje esteve mais um dia cinzento. O novo ano que agora começa parece gostar do cinzento. Se o sol ainda nos aqueceu na véspera do Ano Novo, logo no primeiro dia de 2008, nuvens de um cinzento carregado encobriram o sol e até hoje, sem a claridade deste, o cinzento predomina.

Para nós Ocidentais, esta é a época do ano que mais sentimos o tempo passar. Para trás fica mais um ano e inicia-se um outro, e no presente, reflectimos o passado e o futuro do ano que começa.

“Um dia cinzento”, é o nome de um livro, 1983, e exposição, 1984, de uma série de fotografias de Jorge Molder.

Editora Assírio e Alvim
Numa entrevista recente em relação ao seu trabalho Molder diz: “O meu trabalho é sempre ou quase – por absoluta embirração com definições definitivas – constituído por séries”. “Uma série” continua “é sempre uma sequência narrativa, na aparência, onde nada há para contar, não obstante estarem reunidas condições para fazer despertar o sentido da decifração. São conjuntos de situações suspensas”. A frieza dos corredores, que Molder fotografou em termas e hotéis termais, onde cadeiras esperam sempre alguém, remetem para uma atmosfera de um passado, que nos “desperta o sentido da decifração”, a presença revelada pela ausência. Só uma sombra se vislumbra atrás dos vidros foscos da porta,
e passando esta, os corredores frios onde no chão de pedra raiado vemos os pés de uma cadeira,
objecto que se repete em todo o resto da série.
(...)
(...)
Algumas cadeiras são pintadas de branco,
como brancas são as toalhas dispostas nas cadeiras que parecem esperar alguém, branco, a cor que associamos à pureza mas também aos lapsos de memória.
“Um dia cinzento” é um livro fotográfico no verdadeiro sentido da palavra. Sem narrativa, nem legendas, onde aparentemente nada há para contar, a série de fotografias exerce em nós um estranho poder de atracção, “situações suspensas”. Fotografias que testemunham uma realidade que se transforma através dos meios-tons, num ambiente quase íntimo, num outro universo que se abre à ficção. Molder é o fotógrafo que melhor sabe colocar-se na linha ambígua entre estas duas atitudes, atitudes que a actual crítica fotográfica só concebe como opostas. “Um dia cinzento” envolve tempo e espera, pois a espera pode ser geradora de um tempo mais denso e mais rico. Mais rico e mais denso o que todos nós esperamos deste novo ano que agora começa.

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