Há dias li no Público que o espólio de Diane Arbus (1923-1971) foi oferecido, pelas duas filhas, ao Metropolitan Museum de Nova Iorque (Met). Doon e Amy, as responsáveis desde a morte de sua mãe pela gestão, elegeram o Met como destino final, e junto com as obras fotográficas todo um conjunto de documentos hagiográficos, que segundo as herdeiras, “haverá habitações repletas de material, entre fotos, papéis pessoais, cartas, livros, diários...”. Pasmo, não pela doação, tão natural nos americanos, mas pela mudança de atitude de Doon, a filha mais velha. Durante anos, Doon Arbus, preservou a obra da mãe da “voracidade das teorias e interpretações”. Um só impressor, Neil Selkirk, podia produzir as provas, os direitos de reprodução constantemente negados, e até o seu suicídio, que atraiu multidões às salas do MoMA, com a exposição póstuma que John Szarkowski, (1925-2007) lhe dedicou em 1972, a exposição mais visitada depois de “The Family of Man”, era desencorajado. Doon queria e bem que a obra da mãe ficasse incólume ao prazer que as multidões sentem em conhecer a vida privada de cada um. Lembrava-se certamente da reacção ambígua da mãe, quando em 1967, Szarkowski a escolheu com Garry Winogrand e Lee Friedlander, para a exposição “ New Documents”. A ideia de mostrar o seu trabalho arrepiava-a e destestava o elogio, “o elogio é muito perturbador”, afirmou ela uma vez. Mas se o elogio a perturbava, mostrar o seu trabalho era um risco, e Diane tinha razão, a crítica ignorou a sua obra e “concentrou-se nas personalidades e tiques dos retratados”. Em 2004, uma grande exposição “Diane Arbus Revelations”, organizada pelo San Francisco Museum of Modern Art, circulou pela Europa (Alemanha e Inglaterra), e várias cidades dos Estados Unidos, (Los Angeles, Houston, Nova Iorque e Minneapolis). Lembro-me de ver a exposição anunciada na programação de 2005 de Serralves, erro do jornal? mas por cá é que não passou. Em Nova Iorque, foi o Metropolitan que a recebeu e como lembra o Público “o Met foi uma das instituições que mais visibilidade atribuiu à artista, dedicando-lhe várias exposições, com destaque para uma grande retrospectiva há cerca de dois anos”. O jornal lembra bem o destaque, pois se a exposição, como revelava bem o título era uma revelação também da sua vida íntima, o número e profundidade dos golpes com que cortou os pulsos, o aparelho anticoncepcional que usava e por aí fora, quando chegou ao Met, os retratados, como escreveu Jorge Calado “saíram do armário ou saltaram do papel fotográfico. As gémeas idênticas de Roselle, N.J., continuam a vestir-se de igual; são agora um par de ruivas disponíveis para serem fotografadas ao lado da foto que as imortalizou em 1967.
Diane Arbus, Identical twins, Roselle, N.J. 1967
Lorna Anton, a empregada “topless” do campo de nudistas em New Jersey (1963), dá entrevistas;
Diane Arbus, A young woman at a Nudist Camp, N.J., 1963
(...) e vários cinquentões apresentaram-se como sendo o rapazinho apanhado com uma granada de mão em 1962, no Central Park”,
Diane Arbus, Child with a toy hand grnade in Central Park, N.Y.C, 1962
assistia-se a um repetir, da “Migrant Mother”, 1936, de Dorothea Lange. Há aproximadamente um ano, anunciei neste blog a estreia, lá fora, do filme “Fur”, um retrato da sua vida, escrevia a crítica. Depois de o ver, remeti-me ao silêncio, que o génio de Arbus merece, pois para mim foi mais um duro golpe na vida de Arbus.
Diane Arbus começou com o marido Allen por fotografar para as revistas de moda. Em 2004, numa entrevista, Szarkowski, lembra-se do seu primeiro encontro: “Ela apareceu no MoMA, 1962, com um portefólio cheio de fotografias que eu já conhecia da Harper’s Bazaar. Não fiquei impressionado. Mas no meio daquele monte de fotografias de 35 mm, uma de formato quadrado destoava e despertou-me a atenção, chamava-se “Teenage Ballroom Dancing Champions”.
Diane Arbus, The Junior Interstate Ballroom Dance Champions, Yonkers, N.Y, 1962
Arbus seguia o conselho de Lisette Model, “quanto mais específica for uma fotografia, mais universal o resultado”. Arbus deixa a fotografia de moda e foca a sua câmara para as franjas da sociedade, “acredito realmente que há coisas que ninguém veria se eu não as fotografasse”. Joel Meyerowitz, que à época, nos idos anos 60, fotografava nas ruas de Nova Iorque, encontra-a várias vezes, e dela recorda-se assim: “Diane was sublime, stealthy, a mystery. She was weird and inwardly focused: she was like a wraith. (...) She was secretive and had long silences, though when she spoke, she was so eloquent that you were mesmerized”.
Arbus interessava-se genuinamente por quem fotografava, e é esse interesse genuíno que a distingue,
Diane Arbus, A young Brooklyn family going for a Sunday outing, N.Y.C. 1966
Diane Arbus, Mexican dwarf in his hotel room in N.Y.C. 1970
“you know, if you look at her pictures, the one thing you don’t see is resistance” lembra ainda Meyerowitz.
Agora é esperar para ver. Eu, deixo ao leitor este retrato rodeada de outros tantos retratos, seus e de outros, como ela uma vez disse: “I like to put things up around my bed all the time, pictures of mine that I like and other things and I change it every month or so”.
sábado, janeiro 12, 2008
Diane Arbus
Etiquetas:
No Mundo
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5 comentários:
Vi o filme "Fur" e apesar de uma boa direcção de fotografia, parece-me ser um filme falhado mesmo que se defenda como sendo apenas baseado na vida de Diane Arbus. Acho que a justiça ao trabalho de Arbus pode ser encontrada nos poucos livros editados dela. Lembro-me que Stephen Shore referiu que conhecia poucas fotógrafos capazes de fotografar bem no formato quadrado (6x6). Diane Arbus era um desses nomes.
Madalena, excelente post! Mais um. Aproveitando, insisto: a Geração de 60 tem um desafio para lhe propor. Emaila-nos (ssg@vda.pt) o seu email?
Acho que quer o filme "fur", quer o livro de Patricia Bosworth que lhe deu origem, estao longe de fazer justiça ao trabalho de Diane Arbus. Talvez a unica aproximaçao do filme ao trabalho de Arbus esteja no "continuum" em que esta trabalha... e na consciência (digna) dos retratados.
Aprendendo um pouco sobre fotografia vejo que as imagens de Diane Arbus mostram um pouco do que disse Susan Sontag em seu ensaio Sobre Fotografia, a perturbação não parte da imagem captada, mas de quem a faz. Sua vida e suas fotos se misturam perfeitamente.
gostei muito do Post.
Cassiano Couto
Boa Noticiando. No trabalho de Arbus há muitos espelhos. Os retratos trazem muito sobre sua personalidade e intimidade. Talvez por isso o receio dela em mostra-lo.
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