sábado, janeiro 26, 2008

Portugal em Londres

Em Londres a Flowers Central Gallery apresenta a obra Quarries de Edward Burtynsky, que no ano passado a Steidl editou em livro.

De todo este imenso trabalho de Burtynsky, realizado durante mais de 20 anos nas maiores pedreiras do mundo, a galeria cobre agora as suas paredes com as pedreiras de Vila Viçosa, Pardais e Bencatel. Portugal em Londres, ou melhor, o Alentejo em Londres, terra onde o mármore anda por perto e nas soleiras das portas marca o asseio das aldeias.

Há mais de vinte anos, a viajar pela América à procura de paisagens sublimes, Burtynsky depara-se um dia com esta paisagem em Frackville.
Frackville, Pennsylvania, 1981
Demorou algum tempo até realizar que a paisagem em frente aos seus olhos era completamente alterada pela mão do homem. Um ano depois, na National Gallery de Otava é a vez de uma perspectiva vorticista de uma pedreira de August Sander o surpreender.
August Sander, Untitled/Quarry, c. 1925-35
Para Burtynsky só lhe falta decidir o instrumento. Com uma câmara fotográfica de grande formato, viaja ao encontro das maiores pedreiras do mundo, Vermont, Carrara, Makrana, Xiamen, Iberia. Para ele uma pedreira é um mundo de possibilidades, a Natureza alterada, cortada em cubos e paralelipípedos mais pequenos, a experiência do sublime, que requer uma Natureza bravia, geradora de medos.
Edward Burtynsky, Iberia Quarries #2, Marmorose EFA Co, Bencatel, Portugal, 2006
Edward Burtynsky, Iberia Quarries #9, Cochicho Co, Pardais, Portugal, 2006
Edward Burtynsky, Iberia Quarries #1, Marmetal Co, Borba, Portugal, 2006
Em White River, na região de Indiana, de um enorme buraco, hoje abandonado, saiu a pedra para a construção do Empire State Building e por todo o nosso planeta proliferam buracos de onde sairam a matéria prima com que se contruiram milhares de edifícios. Desde a antiguidade que assim tem sido e do ventre da terra em Makrana na Índia saiu o mármore translúcido com o qual mais de 20 000 mil homens contruíram o maior templo do Amor, e que ainda hoje comove quem o olha - o Taj Mahal. A Carrara, em Itália, foi Michelangelo várias vezes escolher os melhores blocos de mármore branco para a belíssima Pietá e Moisés que esculpiu. No México foi preciso escavar a terra para de lá sairem as pirâmides e os templos da grande civilização Maya, que aí jaziam há anos sepultados.

Hoje os engenheiros e arquitectos preferem o betão, plástico, vidro e metal. A pedra é relegada para um plano subalterno, servindo a decoração de interiores.

Mas paradoxalmente é no interior da terra esventrada, nas pedreiras, que parecem brotar os maiores mistérios, como esta fotografia,
Edward Burtynsky, Iberia Quarries, #8, Cochicho Co.,Pardais, Portugal, 2006
onde o azul translúcido da água preenche uma cruz, ou é sómente um corte mecânico no chão da pedreira? É o sagrado ou matéria para construção?
Depende de quem a observa, e a beleza da imagem advém precisamente de tal incerteza ou ambiguidade.

Mas fotógrafos diferentes produzem imagens diferentes, porque o acto de fotografar, tal como qualquer observação, é uma intreferência. Paulo Nozolino, o nativo, o fotógrafo português que procura o que é ser português, numa pedreira em Estremoz, tirou esta fotografia.
Paulo Nozolino, Estremoz, 1984
Ao olhar para as fissuras advinham-se figuras, o contraste das linhas finas com os blocos na escuridão. O rosa, o rosa de Estremoz, o rosa de Borba, a cor do nosso mármore é preterida pelo preto e cinzentos, que trabalha com cuidado extremo, “a minha fotografia é autobiográfica” diz o fotógrafo. Nozolino, nos antípodas do fotógrafo conceptual, nunca parte de uma ideia, nunca encena, reaje às coisas que vê e procura os locais que avivem a sua sensibilidade e no espaço confinado desta pedreira, sem horizonte e sem céu, a única saída a ascensão pela escada.

Burtynsky, o estrangeiro, o que descobre e revela o que nos é verdadeiramente genuíno, encontra em Pardais, a imagem dos seus sonhos,
Edward Burtynsky, Iberia Quarries #3, Cochicho Co., Pardais, Portugal, 2006
a imagem que o faz culminar o seu trabalho nas pedreiras.

Inverta-se a imagem, e em lugar de uma imagem vertiginosa de um poço profundo não vemos agora um zigurate?
Edward Burtynsky, Iberia Quarries #3, Cochicho Co, Pardais, Portugal, 2006

Podemos ou não chamar imaginação quando as coisas podem ser outras para além daquilo que são?

3 comentários:

Tomé Duarte disse...

ah grande Nozolino!! :D

Fantástico post, como é hábito. Não conhecia aquela foto de Estremoz, pertence a alguma série, a algum trabalho em específico?

Tenho de confessar que não trocava todas as fotos do Burtynsky aqui mostradas, apoiadas por uma verdadeira máquina empresarial, pela do Paulo feita com uma simples M em punho.

As fotos do Burtynsky impressionam, não há dúvida, mas na minha opinião impressionam demais e dizem de menos. É irónico que no seu discurso no TED tenha começado por dizer que em início de carreira lhe preocupava fugir ao "estigma da fotografia de calendário". Ultrapassou esse problema com a monumental e sistemática envergadura do seu trabalho, mas a mensagem mantém-se ambígua, demasiadamente politicamente correcta - afirma querer mostrar ao mundo desenvolvido de onde vêem os nossos luxos, no que resultam os nossos excessos, mas ao mesmo tempo ajoelha-se perante as grandes corporações de quem terá de continuar a obter autorização para ver o que precisa. Em "manufactured landscapes" chega a dirigir os "figurantes" que aparecem nas suas fotos, qual produção de hollywood... Quanto lhes terá pago?

Lembra-me a mesma crítica que se faz aos "Salgadinhos", de "esteticização da miséria", só que aqui em vez de se tratar de gente trata-se da exploração do "belo" na natureza esventrada.

Mostra numa galeria em Londres as verdadeiras pérolas que são estas feridas da nossa paisagem com uma monumentalidade e uma frieza que me chocam. Pergunto-me como terá utilizado o seu poder e influência quanto ao problema do (des)ordenamento do nosso território?

Madalena Lello disse...

Uma só fotografia de Nozolino?Respondo à sua questão do Nozolino com uma resposta do próprio Nozolino "É uma necessidade quase visceral de concentrar as coisas, de não ter fotografias que se repitam...", Nozolino não precisa de séries, basta-lhe uma fotografia, anda às avessas do que hoje a maior parte dos fotógrafos faz. Nozolino é um verdadeiro fotógrafo, não encena, não é conceptual, e talvez por isso os coleccionadores não o queiram...pois não anda ao sabor das modas...

Tomé Duarte disse...

Concordo, acho é que não me expliquei bem - é precisamente esse o valor que reconheço e admiro no trabalho do PN, por isso mesmo disse que NAO trocava todas as fotas de Burtynsky por aquela de Estremoz.

No entanto acho que as séries acabam sempre por surgir, não da forma sistemática, "coleccionista" do fotógrafo americano mas de uma forma poética como em "Far Cry", daí a minha curiosidade em saber se aquela fotografia se insere num contexto idêntico.