Ontem foi dia de eleições na Rússia. Hoje o resultado da vitória não surpreendeu ninguém. Proposto por Putin, Dmitri Medvedev ganhou com larga maioria, 70,23%, (com uma taxa de participação de 69,65%), as eleições presidenciais do seu país.
Medvedev já afirmou que continuará as políticas levadas a cabo pelo presidente Vladimir Putin. Londres, Paris, Berlim, Washington…felicitaram com mais ou menos entusiasmo o novo presidente. Bernard Kouchner, o ministro dos Negócios Estrangeiros Francês disse « Le scrutin s’est déroulé à la russe, avec une victoire qui était annoncée ». Os opositores, como Guennady Zyuganov do partido comunista e que obteve o segundo lugar com 17,7% já veio também dizer que os resultados foram muito pouco honestos e tenciona contestar nos tribunais. Garry Kasparov, o campião de xadrez, diz que estas eleições são “ilegítimas”. Na Primavera passada a sua coligação “Outra Rússia”, que nem sequer teve autorização para se registar, foi impedida pelas tropas do governo de realizar comícios em Moscovo e S.Petersburgo onde milhares de manifestantes foram presos, uma repressão de uma escala já não vista na Rússia há mais de vinte anos. Outros partidos, como o “Partido Republicano”, a “União Democrática Popular”, também à semelhança de “Outra Rússia” não foram autorizados a concorrer. Para a grande maioria dos críticos é esta a Rússia, baseada num modelo autoritário, que Putin, eleito em 2000, criou. Mas como se justifica este resultado com tanta adesão?
Acabada a II Guerra Mundial, as democracias europeias da Europa de Leste dominadas pela União Soviética aproximaram-se do seu modelo de Estado centralizado e foi nesse pano de fundo que se desenrolou a Guerra Fria. Guerra que acabou por ser mais que um mero conflito entre ideologias, pois na essência as diferenças assentavam em dois modos distintos de organização da sociedade: economias de mercado de um lado e economias planificadas no outro. Durante 40 anos essas economias competiram em lados opostos de uma fronteira onde pouco ou quase nenhum comércio existia entre elas. Quando em Novembro de 1989 o muro de Berlim ruía, e os países de Leste avançavam com as reformas, a instabilidade da União Soviética parecia agravar-se. Em 16 de Dezembro de 1991, Boris Yeltsin era eleito o primeiro presidente da República da Rússia com 60% dos votos, o que representava uma derrota esmagadora do comunismo. A União Soviética era oficialmente dissolvida, e nesse dia na primeira página do New York Times lia-se “A União Soviética acabou. Gorbachov, Último Líder Soviético Resigna; Os EUA Reconhecem a Independência das Repúblicas”. Mas Yeltsin herdava um Governo que estava a cair em pedaços e o bem estar da população ameaçado. Com uma inflação descontrolada, os mecanismos centrais de produção e distribuição tinham entrado em colapso sendo necessários verbas cada dia maiores para comprar bens que cada vez eram mais escassos. Num esforço para manter em funcionamento a economia, já Gorbachov em 1990 confidenciava “As impressoras não conseguem produzir o suficiente. Estamos a imprimir rublos 24 por dia”. A inflação progrediu tão rapidamente que tirou todo o valor aos salários dos trabalhadores, daqueles que ainda conseguiam receber, e as suas magras poupanças desapareceram. O rublo perdeu 95% do seu valor no espaço de meses, mas o pior foi a escassez de bens nas prateleiras das lojas. Se outrora à Ucrânia se chamou o grande celeiro do mundo, as faltas de pão eram agora o ponto negro que tormentava a população, e esta passou fome, e o mercado negro floresceu. Os desafios que Yeltsin enfrentava eram mais difíceis do que os dos seus homólogos da Europa de Leste, pois ao tentarem a transformação da noite para o dia, os soviéticos conseguiram alcançar não uma economia de mercado mas uma economia de mercado negro.
Há já alguns meses, dediquei dois posts, aqui e aqui a Boris Mikhailov, mas não cheguei a referir o seu chocante livro “Case History”, 1999. Falar da nova República Russa nos anos 90 é olhar para este livro, um documentário fotográfico, (quem disse que a fotografia documental estava em crise?), do que foi a Rússia nesses anos. Não se trata de um livro pornográfico no verdadeiro sentido da palavra, os nus fotografados não são para voyeurs antes um documento da realidade de uma sociedade que vivia desalentada, desanimada com fome e sem emprego, onde a droga e a bebida a única saída desse inferno.
Boris Mikhailov, do livro Case History, 1999
Boris Mikhailov, do livro Case History, 1999
Boris Mikhailov, do livro Case History, 1999
Boris Mikhailov, do livro Case History, 1999
Boris Mikjhailov, do livro Case History, 1999
Boris Mikhailov, do livro Case History, 1999
“A partir de 2000, Putin restabelece a ordem, a economia cresceu e o nível de vida dos russos subiu. A autocracia de Putin coincidiu com o crescimento económico, derivado do preço alto das matérias primas, nomeadamente do petróleo, mas não por mérito da sua política” escreve Michael McFaul e Kathryn Stoner-Weiss, na revista Foreign Affairs deste mês. Para os críticos, Putin recebeu de bandeja os efeitos das reformas levadas a cabo por Yeltsin. Desde que Putin está no poder a corrupção subiu vertiginosamente na Rússia e hoje indústrias inteiras acabam nas mãos de um reduzido grupo de oportunistas conhecidos como oligarcas. O fosso entre ricos e pobres é ainda maior, que nos anos de Yeltsin. “O putinismo é um mito”, dizem e comparam em termos gráficos a performance da Rússia com os outros países da Europa de Leste em termos de crescimento económico.
“Se a Rússia hoje vivesse a democracia instaurada por Yeltsin estaria agora muito melhor”.
Carl De Keyzer, um fotógrafo da Magnum, passou vários meses, entre 2001 a 2003, na Rússia, nos antigos Gulags da Sibéria, hoje cheios de miúdos na casa dos 15 anos que aí são obrigados a trabalhos forçados por roubos de pouca importância, como hamsters numa loja de animais, ou uma mãe com quatro filhos que roubou um cabaz de compras. Em "Zona", 2003, De Keyzer denuncia estas situações.
Carl De Keyzer, do livro Zona, 2003
Carl De Keyzer, do livro Zona, 2003
Carl De Keyzer, do livro Zona, 2003
Carl De Keyzer, do livro Zona, 2003
Carl De Keyzer, do livro Zona, 2003
Na época de Putin, as terríveis prisões da Sibéria estão cheias.
José Manuel Durão Barroso enquanto Presidente da União Europeia disse hoje “confiance que sous la direction du président Medvedev, l’EU et la Russie consolideront et développeront leur partenariat stratégique « .
segunda-feira, março 03, 2008
A Rússia de Medvedev
Etiquetas:
Política
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