quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Edgar Martins

Cartoon de John Richardson, Physics World, 1998
Ao ver esta imagem julgará o leitor que vou falar de Pop-Art? Muito longe disso. Mas o leitor atento, que leu o que diz o homem e o que pensa a mulher do outro lado da linha telefónica, percebeu que estamos no mundo da mecânica quântica, no mundo que não pode dar resultados exactos mas e somente probabilidades de ocorrências numa variedade de resultados. Este cartoon que serviu para ilustrar Physics World de Março de 1998, é uma ilustração do princípio de incerteza enunciado por Heisenberg em 1927, alargado ao dia a dia. Desde Newton que na física o mundo real existe independentemente de nós o observarmos ou não. Heisenberg argumentou que as órbitas dos electrões não existem na natureza até nós as observarmos, e declarou com o seu princípio, que não conseguimos precisar a posição e o momento de uma partícula num determinado instante, e assim impossível de determinar o futuro. Heisenberg refutava a lei da causalidade que diz “se conseguirmos determinar o presente, podemos calcular o futuro”. Para ele não é a conclusão que está errada, mas sim a premissa. Mas o princípio de Heisenberg não nos diz que tudo é incerto, antes mostra-nos os limites dessa incerteza. Tudo isto a propósito de uma exposição que vi há dias _ Topologies, de Edgar Martins, no Centro de Artes Visuais em Coimbra.
No projecto “The Accidental Theorist”, Edgar Martins, como podemos ler no seu site, refere que este seu trabalho explora as relações complexas entre paisagem, fotografia e realidade, tendo como referência a lei de Heisenberg. Para os que vêem na fotografia um meio mecânico de representação do mundo, que não o mundo real, negam o talento ao fotógrafo, pois o mundo que nos sustenta não é o mundo representado na fotografia. Mas a fotografia, embora mecânica, pode transcender. Para os físicos, o mundo real, existe independentemente de nós o observarmos. As fotografias de Martins mostram-nos precisamente esses limites de incerteza, “na minha obra” diz, “ o artista opera numa paisagem de incerteza, transição e oposição permanentes”, e “em última instância, nos limites da representação”.
Edgar Martins, "The Accidental Theorist"
Edgar Martins, "The Accidental Theorist"
Edgar Martins, "The Accidental Theorist"
Edgar Martins, "The Accidental Theorist"

Em Topologies, na exposição, podemos ver parte deste seu trabalho. E nestas fotografias, há mesmo um mistério, pois as suas praias desertas em silêncio dão que pensar. Praias que chamam à intimidação do vazio e do infinito, do fim e do princípio, Finisterra, onde a terra acaba e o mar começa.
Edgar Martins, "The Accidental Theorist"
Martins põe em fotografia dilemas incompreensíveis, um mundo tão terrível, o céu um buraco negro, escuro como o breu, onde as forças mais sombrias consumiram a luz, em contraste com a luz artificial que ilumina o areal. Ao conjugar matéria e anti-matéria, um mundo tão terrível quanto belo, Martins transcende a realidade, documenta-o mas ao mesmo tempo transforma-o. É o próprio que diz adoptar aproximações diferentes nas suas imagens, “algumas são aquilo que mais usualmente esperamos de uma fotografia – provas do mundo tal qual pensamos como ele é – ao passo que outras incrustam claramente na realidade um toque de ficção, tocado por uma ilusão que é quase magia”. Ao fotografar as piteiras,
Edgar Martins, "The Accidental Theorist"
Martins vai buscar o que esperamos da fotografia. Não pintou também João Vaz as nossas piteiras?
João Vaz, Piteiras, c.1890-1912
Mas ao fotografar as praias em silêncio, Martins vai buscar também o mito romântico,
Caspar David Friedrich, O viadante sobre um mar de névoa, c.1818
das paisagens sublimes, não há é testemunhas de costas como nos quadros de Caspar David Friedrich, pois nestes paraísos artificiais, o homem parece que foi expulso.
Mas se em “The Accidental Theorist”, Martins estabelece um diálogo silencioso entre realidade e ficção, noutras paisagens, “Landscapes Beyond: The Burden of Proof” o real domina, e Martins torna-se no explorador romântico da Natureza. Nestas é preciso admirar ao vivo a riqueza tonal das provas, que mais parecem pinturas.
Edgar Martins, fotografia tirada na exposição
Edgar Martins, fotografia tirada na exposição
Edgar Martins, fotografia tirada na exposição
Misto de pintura romântica, “dispus-me a criar um inventário topográfico de montanhas, rios,
Edgar Martins, "Landscapes Beyond: The Burden of Proof"
Edgar Martins, "Landscapes Beyond: The Burden of Proof"
campos, etc, sob a inspiração das antigas tradições do início do século XVIII e do apelo ao sublime”, e das paisagens dos fotógrafos oitocentistas americanos que desbravaram a América fazendo o levantamento geológico e geográfico do país.

Outras paisagens, que não vemos na exposição, mas que podemos apreciar no seu livro “The Diminishing Present”, 2006, representam as novas experiências da realidade contemporânea, onde pesquisa o impacto da modernidade no meio ambiente.
Edgar Martins
Edgar Martins

O fogo consome e no fim acaba a devorar tudo, mas as árvores morrem de pé, estamos a falar de “The Rehearsal of Space”, o fogo brutal que no Verão de 2005, destruiu parte considerável da floresta beirã. Durante dias, Martins viveu com os bombeiros, naquela que foi uma tragédia que mais pareceu uma ira divina.
Edgar Martins, "The Rehearsal of Space"
Edgar Martins, "The Rehearsal of Space"
O sol empalideceu, os dias fizeram-se noites e o homem quase cegou. O fogo uma das forças tremendas da natureza destruiu casas, haveres e deixou o homem sozinho nestas paisagens que mais parecem lunares, estamos noutra galáxia?
Edgar Martins, "The Rehearsal of Space"

Jorge Calado, para esta fotografia,
Edgar Martins, "The Rehearsal of Space"
que expôs em Ingenuidades, escreveu o seguinte: “Os pinheiros dobram-se em acção de graças, formando uma ogiva semelhante à das catedrais”.

Voltemos ao início, ao princípio de Heisenberg, e nas fotografias de Edgar Martins o que se vê não existe, Martins testa os limites da incerteza, pois um bom observador encontra sempre algo de estranho, excêntrico nas coisas mais banais.

6 comentários:

Tomé Duarte disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tomé Duarte disse...

Ainda dizia o pseudo-sabichão do Martin Parr que Portugal não tem fotógrafos realmente bons, "avant-garde", apenas fotógrafos que vão atrás da corrente (ou qq coisa assim). Ou o Sr Parr não sabe bem onde fica Portugal ou nem o Nozolino nem o Edgar Martins são portugueses... Isto é MUITO bom, tanto na idéia como na técnica!

Madalena Lello disse...

As opiniões que Martin Parr revelou sobre a fotografia portuguesa, na entrevista com o Sérgio B. Gomes, quando há uns meses esteve em Portugal, para mim foi vergonhosa, para ele não havia bons fotógrafos portugueses,eram antiquados, para depois dizer que não conhecia bem as suas obras...tb deixei expressa esta minha opinião no blog do Ségio B. Gomes.

Anónimo disse...

o martins é portugues mas tem a mania dos titulos em ingles :-) fica mais pseudo-internacional....

Anónimo disse...

Caros amigos,

Conheço muito bem o Edgar Martins.
Primeiro gostava de vos dizer que concordo com os vossos comentários.
E gostava de adiantar que o Martin Parr não tem conhecimento que o Edgar Martins é Poruguês.
O Martin Parr tem na sua colecçâo de monografias limitadas, uma obra do Edgar Martins, que adora. Foi uma obra que nos comprou a nós.
Quanto à questão dos títulos, o Edgar vive em Inglaterra à mais de 12 anos, e daí o uso do Inglês. Ele é um português internacional. Mas um português que tem vindo a produzir muito trabalho em Portugal, o que é de valorizar.
Um abraço a todos

Tomé Duarte disse...

haha, isso é muito irónico, adoraria saber qual é a obra em questão (alguma que esteja no seu portfolio online?). fiquei tabém curioso por esse "nós"... uma galeria, presumo (qual)?