sexta-feira, junho 08, 2007

Philip-Lorca diCorsia

Se no penúltimo post realidade vs ficção foi tema, quem melhor que Philip-Lorca diCorcia para transcender o real?

O Institute for Contemporary Art de Boston tem em exibição uma grande retrospectiva do trabalho deste artista fotógrafo. Click aqui para ver o slide show.

DiCorsia trabalha na fronteira entre o real e a ficção, e é habilidoso em estimular a nossa imaginação através dos detalhes, como ele próprio refere “the more specific the interpretation suggested by a picture the less happy I am with it”. Tiradas em contextos que nos são familiares, cenas do quotidiano banal, diCorsia através de uma luz artificial meticulosamente construida e dos detalhes que escolhe, faz com que as suas fotografias transcendam o real e entrem no mundo ficcional do cinema. As cenas que nos são familiares, transformam-se pelos efeitos artificiais da luz em cenas que nos causam estranheza.


Philip-Lorca diCorsia, Brian, 1988, 50,8 x 61cm

No início, amigos e familiares serviam de figurantes, pouco depois diCorsia abre-se ao mundo exterior. Primeiro as cidades americanas,
Philip-Lorca diCorsia, Los Angeles, 1998

depois as grandes cidades de todo o mundo. As fotografias da série “StreetWork” dão-nos o retrato psicológico dos transeuntes dessas cidades cosmopolitas. Com um flash escondido do olhar de quem passa, diCorsia fotografou anónimos sempre absorvidos nos seus papeis. É o isolamento no turbilhão da cidade, e nós os que olhamos, sentimo-nos “voyeurs”.

Pelo trabalho que efectuou para algumas revistas de viagem e moda, diCorsia aprendeu a representar a realidade.
Philip-Lorca diCorsia, "W"September #3, 1999
Philip-Lorca diCorsia, September #12, 2001

Outras vezes diCorsia paga aos figurantes e no título da obra revela a quantia.
Philip-Lorca di Corcia, Eddie Anderson, 21 years old, Houston Texas, $20

Se a estranheza das suas fotografias é causada pela ressonância que as suas imagens têm com o cinema, o quotidiano banal é baseado nos códigos tradicionais da fotografia, na tradição documental de Walker Evans, Harry Callahan, Robert Frank, ....
Philip-Lorca diCorsia, New York, 1996
Philip-Lorca diCorsia, Hartford, 1986
A sua fotografia é uma reinterpretação do documental à luz duma perspectiva ficcional e cinematográfica.

Em Maio/Junho de 2005, o Centro de Artes Visuais de Coimbra, CAV, numa co-produção com a Whitechael Gallery, mostrou “Storybord Life”, fotografias que diCorsia realizou ao longo de 1975-99.

Uma curiosidade, de 14 a 17 de Junho o Institute for Contemporary Art de Boston propõe uma semana do novo cinema português, para ver os filmes que lá irão passar click aqui.

3 comentários:

sem-se-ver disse...

tenho arredada dos comentários, mas não do seu blog :-)

quanto a este post, a sua afirmação «faz com que as suas fotografias transcendam o real e entrem no mundo ficcional do cinema» merece-me a seguinte reflexão:

sei que a seguir a madalena esclarece que há uma ressonância cinematográfica em algumas destas imagens (diferentemente de outras, mais de tipo documental, na linha de evans, etc), no que me parece uma expressão mais adequada do que a anterior, por duas razões:
- a ficcionalização da realidade operada pelo cinema não implica uma transcendência do mesmo; quantas vezes, pelo contrário, sendo o registo do real que interessa ao cinema (mesmo do género de ficção), será a realidade que transcende a ficção;
- seja no género de ficção seja no documental, a linha entre realidade/ficção é por vezes tão esbatida - e manipulada - no cinema quanto o é na fotografia.

a expressão 'ressonância cinematográfica' surge-me como mais conforme por (assim a entendo) apontar para uma certa qualidade (no sentido de atributo, sem juízo de valor estético) visual. mas, mesmo essa, enfim... também seria discutível, não é?...

por outro lado, qual a sua opinião a este respeito (do dicorcia) sobre doisneau? pq tb ele, dito fotógrafo do quotidiano, encenou muitas das suas fotos, não foi?...

(hoje lá chegou o livro do robert frank que "à sua conta" mandei vir dos states; mais uma vez obrigada por me ter dado a conhecer esta obra)

Madalena Lello disse...

Olá sem-se-ver, bem vinda aos comentários. É uma matéria que será sempre discutível porque subjectiva. Por exemplo quando olho para a fotografia do Brian na cozinha, penso em cinema e não em fotografia, e muitas das fotografias de DiCorsia levam-me nessa direcção. No filme Still Life sobre o qual há dias escrevi um post, é um género de cinema que para mim é difícl de definir, não é ficção, não é documental...é sempre discutível porque simultâneamente tão pessoal.

A sua questão do Doisneau é interessante. Imagens que durante anos representaram para muitos o real, o célebre beijo por exemplo, acabou por causar alguma decepção quando Doisneau revelou que afinal eram dois figurantes. Como ele disse mais tarde, essa fotografia que saiu na Life, juntamente com muitas outras não estava em destaque na paginaão. Segundo Doisneau ele não gostava de fotografar pares de namorados nas ruas porque achava que podiam ser amantes, enveredou pela encenação. Mas a encenação de Doisneau foi feita para que quem a visse não suspeitasse que se tratava de figurantes. DiCorsia não se preocupa em revelar que encena, aliás paga com os fundos que recebe duma bolsa do estado aos figurantes e revela até os montantes $20, $30... Os contextos são tão diferentes, Doisneau como tantos outros fotógrafos na altura viviam das fotografias que vendiam para as revistas, a fotografia era vista como representação do real ... Hoje, as fotografias de DiCorsia são representadas por galerias e expostas...
Há um caso de encenação que acho interessantíssimo e que Horácio Fernández revelou, Spanish Village de Eugene Smith. Quem duvidava que aquelas fotografias que sairam na Life e que hoje é das reportagens mais importantes daquele periódico, quem duvidaria que eram encenadas?, Na primeira página a menina Curiel que sai de casa vestida com o fato para a sua 1ª comunhão, foi encenada. Ninguém na Life o notou, não conheciam a realidade de uma aldeia pobre perdida em Espanha. Para nós que conhecemos melhor essa realidade suspeitamos dessas fotografias. A mãe de Curiel e os irmãos que a acompanham na 1º comunhão estão descalços e semi-nus. Como diz Fernández, nesse dia tão importante para a família, mae e irmãos, vestiriam o melhor, nunca entrariam na igreja dessa forma. Smith encenou toda a reportagem. Curiel tinha feito a 1º comunhão há um mês atrás, Smith achou importante, então encenou, pediu à menina para vestir novamente o fato de branco imaculado. Como não era da aldeia, não reparou nestes detalhes, nem ninguém da Life. Smith é hoje considerado um dos melhores fotógrafos a denunciar situações como o célebre livro de Minamata. Contudo tb ele encenou...

sem-se-ver disse...

e não foi por ter encenado que a sua foto perdeu realidade. como a de todos os outros.

e isso, sim, é algo a reter.