terça-feira, junho 19, 2007

Os retratos de Henri Cartier-Bresson

Em Agosto de 2004, a poucos dias de completar 96 anos, falecia Henri Cartier-Bresson.
Um ano antes, ainda imparável, trabalhava com Robert Delpire na grande retrospectiva “De qui s’agit-il?”organizada pela Biblioteca Nacional de Paris. Juntamente com a mulher, Martine Frank, abria as portas da sua Fundação e ainda tinha tempo para entrevistas.
Do património que legou à Fundação Henri Cartier-Bresson, pode-se ver agora na Fundação Eugénio de Almeida em Évora, uma selecção dos seus retratos.

Na década de 1970 deixou a fotografia para se dedicar ao desenho, mas continuou a retratar família e amigos.
Henri Cartier-Bresson, Martine Frank, Paris 1975
Um ano antes de morrer, numa entrevista à revista Aperture, recorda-se do que Giacometti dizia em relação aos seus retratos, “faire des têtes”.
Henri Cartier-Bresson, Alberto Giacometti, Suiça, 1961

Quase que se pode afirmar que Cartier-Bresson fotografou o mundo, da Índia ao Canadá, passando pela Europa, Portugal não ficou de fora. Numa tarde de Verão, não foi a praia do Tamariz que lhe interessou registar, foram as relações humanas dos veraneantes, desde o banheiro à quase estrela de “Hollywood” todos gostam de conversar.
Henri Cartier-Bresson, Praia do Tamariz, Estoril, 1955

Detestava falar do passado, mas no final da vida, na entrevista à Aperture reconhece a sua dádiva à América, “vivi no Harlem, na 23ª rua. A vitalidade de Nova Iorque contagiou-me. Graças aos americanos tornei-me num fotógrafo conhecido. Monroe Wheeler, Lincoln Kirstein, Nancy e Beaumont Newhall e o Museu de Arte Moderna, o MoMA, organizou a minha primeira retrospectiva em 1947.”

Se o próprio reconhece que foi a América, em 1947, que o tornou um fotógrafo conhecido, um certo mistério ainda paira sobre as fotografias que nesse ano tirou no seu “on the road” americano.
Passou-se o inverso com Robert Frank, é o seu livro “The Americans” que o tornará num dos fotógrafos mais conhecidos. É curioso, dois estrangeiros, que se fazem à estrada americana para a fotografar. Frank, com uma bolsa Guggenheim na companhia da mulher e filhos, 1955/56, Cartier-Bresson, com uma encomenda incerta de uma editora, e uma comissão certa da Harper’s Bazaar, para retratar pelo caminho personalidades, leva como companhia o poeta e escritor John Malcolm Brinnin. E em meados de Abril, com Brinnin ao volante, partem nesse périplo americano percorrendo 20.000 Km. Milhares são as provas de contacto dessa viagem que durou vários meses. “Quando ficou decidido, (1990), que publicaríamos as fotografias americanas do Henri, compreendi que teria de passar uma boa parte do Inverno debruçado sobre as suas provas de contacto”, escreve Gilles Mora no prefácio do livro finalmente editado em 1991, (as provas de contacto não são só da viagem de 47 mas incluem também a década de 60).
A vontade de registar a América na companhia de um escritor, vinha-lhe de uma encomenda de Carmel Snow da Harper’s Bazzar, que em 1946 o mandara fotografar Nova Orleães na companhia de Truman Capote.
Henri Cartier-Bresson, Truman Capote, Nova Orleães,EUA, 1947
O artigo seria um texto de Capote ilustrado por Cartier. A Harper’s era mais que uma revista de moda. “Soube mais tarde”, escreve Gilles Mora no prefácio do livro, “que o Henri, esse europeu itinerante e bisbilhoteiro, o tinha obrigado a caminhar por entre a verdura das velhas árvores, sob um calor intenso, arrastando-o sob a folhagem até que, de tão estafado, ofereceu à Leica o seu rosto de eterno adolescente, quase engolido pela fresca obscuridade de uma glicínia.” Podemos ver na exposição, o adolescente Capote quase engolido pela obscuridade desta vegetação que não me parece ser uma glicínia.
Para Cartier-Bresson, fazer um livro em duo, em que fotografia e texto teriam igual relevo, à semelhança do “Let’s now praise famous men” de Evans e Agee, torna-se o seu sonho. Brinnin já é admirado pela crítica, e gosta de viajar. A decisão está tomada, ao fim de seis meses, sem ainda se conhecerem bem, Cartier-Bresson e Brinnin partem pela América profunda, em que para Cartier “mes photos son mon jornal”, apontamentos e notas serão o outro jornal, o de Brinnin.
Se em 1991, a América de Bresson era revelada em livro, dez anos antes, 1981, Brinnin escreve e publica “On the road with Cartier-Bresson”.
Revista que em Janeiro/Fevereiro de 1982 publica o texto
São as notas de vigem misturadas com memórias posteriores: “Texas went on forever and we saw only one another. Stepping up our working day from fifteen to eighteen hours, we stopped in flaming sunsets to eat from trays that girls in sateen skirts and knee-high boots clamped to the doors of the car, then fell, exhausted, onto beds in rooms that had long ago become the same room – on its walls the same clown faces, the same Van Gogh sunflower, the same sad Indian at the end of the trail”. Estes quartos de motel indiferenciados que Brennin nos descreve conhecemo-los de Frank. Cartier “tinha voluntariamente renunciado à paisagem americana em favor do aspecto humano, de acordo com os seus gostos e com a sua cultura. Porque, por uma postura inversa, tinha que decidir, de uma vez por todas, tornar a América europeia, e construí-la fotográficamente em torno das pessoas, dos seus gestos, do significado desses gestos.”, escreve Gilles Mora no prefácio. Como este casal em Los Angeles que podia ser europeu.
Henri Cartier-Bresson, Los Angels, EUA 1946
Das milhares de fotografias que tirou em Los Angeles, diz-nos Brennin, esta é a única, que eu saiba, que Cartier-Bresson utilizou. Gilles Mora, também a seleccina no livro “ A América”. Em Évora podemos agora ver o casal de namorados, que três anos mais tarde, já casados, processou Cartier-Bresson.

Mas fotografar “creative people in the settings where they lived and worked” tinha sido acordado com a Harper’s Bazaar.
Esta fotografia de William Faulkner resultou desta maneira:
Henri Cartier-Bresson, William Faulkner, Em sua casa, Oxford Mississipi, 1947

“We had accepted a commission by Harper’s Bazaar to do a story,...one of these was William Faulkner. In the morning we spent with him , he showed us through his house and told us its history, posed for pictures in its jungle-shiny garden, and unaware that “poses” were anathema to Cartier, lingered just long enough to allow himself to caught unposed. This accomplished, I could tell by Henri’s dangling Leica (our private signal in “polite” situations) that he was as ready to move on, (…) As we rambled along the edges of a giant magnolia tree, I was about to say our time was up when, lifting his camera, Henri signaled me to continue conversation, while he maneuvered for a shot of Faulkner against the white portico of the house…”

No dia 6.15.47, chegam a Taliesin East, é a vez de fotografar Frank Lloyd Wright. Podemos ver na exposição, Frédérice e Iréne Joliot-Curie, sobre a qual e julgando que Cartier não sabia inglês, Wright diz : “I’ve been through this man’s picture book, all those sad and miserable people. Does he Know what a lugubrious gallery he’s made? Take that one of Marie Curie (sic) and her husband. They could be attending their funeral.”
Henri Cartier-Bresson, Irène e Frédéric Joliot-Curie, Em sua casa, Paris, 1944

Sobre esta mesma fotografia Cartier-Bresson gostava de contar como a fizera: “Toquei à campainha, a porta abriu-se, vi-os, disparei, depois disse bom dia, não fui muito bem educado”.

Chegam a Nova Iorque, Cartier seleciona as fotografias, Brinnin escreve os textos, a editora Pantheon não o publica. Ficará em Brinnin sempre um azedume, Cartier “utilizou-me para o guiar na América profunda, na verdade ele nunca quis fazer um livro a meias.”

Se hoje as fotografias do “on the road” suscitam algum mistério, misterioso é mesmo este auto-retrato, um dos primeiros que tirou, que não está na exposição, e que nos faz duvidar se o auto- retratado é mesmo Henri Cartier-Bresson.
Henri Cartier-Bresson, Auto retrato, França, 1932

1 comentário:

priscila miraz disse...

oi,
me interesso por fotografia e gostei muito do seu blog. peço licença pra linca-lo ao meu. posso?
abraços.