quarta-feira, outubro 31, 2007

À espera de "Photography and Cinema" de David Campany

Jean-François Chevrier, historiador e crítico de arte, num texto que escreve para o livro“L’art en Europe – Les années décisives 1945-53”, inicia com uma declaração bombástica para a fotografia, diz Chevrier, que é a crítica cinematográfica, publicada no Cahiers du cinéma, por André Bazin e os críticos que o rodeavam, que propõem um método e interpretação da criação fotográfica nos anos de 1950. Não foram nem os fotógrafos, nem os historiadores, nem a crítica especializada que escreveram sobre a criação fotográfica na Europa desses anos, a fórmula de Rossellini, continua Chevrier, escrita num texto publicado pelo Cahiers du cinéma em 1955-56, aplica-se bastante bem à situação fotográfica desses anos: “O cinema, escreve Rossellini, que adquiriu uma grande importância na vida do dia a dia, é também uma arte, ou começa a ser uma arte ou é às vezes arte. Tudo está por descobrir”. O cinema mais jovem que a fotografia, afinal a base da cinematografia veio da fotografia, não estava tão marcado pelo peso da história, como sucedia com a fotografia, e a crítica assim mais liberta do peso do passado, escrevia em função dos interesses contemporâneos. Se para essa época podemos interpretar a criação fotográfica a partir da crítica cinematográfica, é sem dúvida porque as ligações do cinema com a fotografia eram intensas. Muitos dos fotógrafos trabalharam com realizadores, Cartier-Bresson com Jean Renoir, Robert Doisneau com Carné, Chris Maker realizador é também fotógrafo e amigo de Bazin e Fellini, William Klein trabalhou com Fellini, e o livro fotográfico Roma, que Klein fez enquanto esperava na cidade para trabalhar como assistente do mestre, teve como já vimos neste blogue,
William Klein, Roma, 1956
Fellini, La Dolce Vitta, 1961
Fellini, La Dolce Vitta, 1961
certamente influência em “La Dolce Vitta” de 1961. Outros fotógrafos, como Brassai sentiram também a necessidade de fazer cinema, a realização “Tant qu’il y aura de bêtes” de 1956, é um exemplo. Em Portugal, Victor Palla e Costa Martins, ambos arquitectos mas também fotógrafos eram apaixonados pelo cinema, o seu livro “Lisboa cidade triste e alegre”, 1959, é para mim, como também já aqui mostrei, um livro cinematográfico.
Victor Palla, Costa Martins, "Lisboa cidade triste e alegre", 1959

Mas o entrecruzamento da fotografia e cinema não é novidade, e se recuarmos uma geração, à época das vanguardas russas e alemãs, a ligação da fotografia ao cinema, era acima de tudo natural, a fotografia era o progenitor, o cinema o filho, e a simbiose de fotografia e filme salta à vista nas exposições, revistas e filmes da época. Na Rússia, a revista Kino-Fot (cinema e fotografia), criada em 1926 por Aleksei Gan, combinava artigos fotográficos e cinematográficos e quer fotógrafos como cineastas escreviam sobre ambos. Rodchenko, Dziga Vertov e El Lissitzky, (fotógrafo, cineasta e designer) eram amigos e trabalhavam em conjunto e as suas aptidões criativas são postas ao serviço da propaganda política pois as ligações entre fotografia, cinema e montagem, conjugavam na perfeição arte e política. Malevitch referia-se nestes termos aos filmes de Vertov, “mostram o objecto enquanto tal e forçam a sociedade a ver os objectos sem qualquer maquilhagem, reais, autênticos e independentes do mundo idealizado. Esses objectos, apresentam uma imagem muito mais poderosa e interessante que a pintura e os seus conteúdos”. Em “Simfonia em Donbassa”, 1930 e “O homem com a câmara de filmar”, 1929,
Dziga Vertov, O homem com a câmara de filmar, 1929
Alexander Rodchenko, Rua Miasnitskaia, 1925
Vertov filma como Rodchenko fotografa. Nas exposições internacionais, como “Pressa” em Colónia em 1928, El Lissitzky apresenta no pavilhão do seu país,
El Lissitsky, montagem na exposição "Pressa" Colónia, 1928
um design em que mistura filme e fotografia e o mesmo irá fazer no ano seguinte, 1929, na exposição organizada pela Deutscher Werkbund in Stuttgart, a hoje célebre “Film und Foto”.

Wernar Graff, Livro editado para a exposição "Film und Foto", 1929
Moholy-Nagy, um dos organizadores da exposição, fora professor na Bauhaus, deixara a escola em 1928, mas enquanto professor na Bauhaus escreveu “Malerei, Fotografie Film”em 1925 e editado pela escola em 1927. Moholy-Nagy, enquanto organizador da sessão fotográfica da exposição, expõe as últimas tendências da “nova visão”, para utilizar a sua definição, misturando fotógrafos conhecidos com fotografias feitas por anónimos, mas mais uma vez é a mostra soviética que melhor consegue estabelecer uma estreita relação entre cinema e fotografia.
Pavilhão Russo, em "Film und Foto", 1929
Em estruturas abertas estavam montadas de forma solta fotogramas e filmes de Vertov e Eiseinstein. Na Alemanha, o cinema exerimental também atinge o auge: Walther Ruttmann, “Berlin-Ein Sinfonie der Grosstadt”, 1927, Werner Graff “Komposition I e II”, 1922, Moholy-Nagy “Lichtspiel”, 1930, Rudolf Pfenninger “Barcarole”, 1932, Lotte Reiniger “Das Geheimnis der Marquise”, 1922, são alguns dos filmes das vanguardas alemãs dos anos 1920, que a Cinemateca nos mostrou em Dezembro de 1990. "Sunrise", de Murnau, o seu primeiro filme produzido em Hollywood é um outro exemplo, da ligação da fotografia ao cinema. Num polo oposto e em contradição com a “nova visão”, em Paris, Man Ray, fotógrafo, realizador, pintor, refazedor de objectos...é o expoente máximo do surrealismo,
Man Ray, fotograma do filme Les mystères du château du dé, 1928

e já agora, a RTP2, não sei precisar o ano, mostrou-nos toda a sua filmografia.

No outro lado do Atlântico, em Nova Iorque, fotógrafos e realizadores, criam em conjunto a Film and Photo League, 1930, como sessão da Workers’ International Relief de Berlim. Entre os seus membros distinguem-se os realizadores, Leo Seltzer, Robert Del Duca, Leo Hurwitz, Tom Brandon e Irving Lerner, que influênciados pelos filmes russos, em particular de Vertov, Eisenstein e Poudovkine, (que mais uma vez a Cinemateca em conjunto com a Fundação Calouste Gulbenkian nos mostraram em 1987, no ciclo de cinema das vanguardas russas), começam a produzir os seus documentários sociais dos anos da depressão. Greves, manifestações,
Leo Seltzer, fotograma do documentário manifestação no Harlem, 1933
Leo Seltzer, fotograma do documentário Família na pobreza, 1933

denúncias sociais vão estar no centro dos seus filmes improvisados e filmados ainda em 35mm e a preto e branco. Do lado dos fotógrafos, Sid Grossman, Aaron Siskind, Sol Libsohn, Morris Engel, Max Yavno e tantos outros têm como referência a fotografia documental de Lewis Hine, Paul Strand, e dos fotógrafos da Farm Security Administration. Realizam documentários em conjunto, como Harlem Document, Dead End:The Bowery entre outros. Quer os filmes como os documentários fotográficos eram mostrados em todo o país. É interessante também referir, a exposição “Walker Evans e Dan Graham”de 1992, onde Chevrier como comissário relaciona a série de fotografias que Walker Evans tira às escondidas no metro de Nova Iorque, em 1930, mas só publicadas trinta anos mais tarde no livro “Many are Called”, com os filmes, do alemão Fritz Lang “Metropolis”, 1924,
Fritz Lang, Metropolis, 1924

e “M” em 1931.
Mas regressando à década de 1950, se o cinema se autonomizou, porque soube ser criativo com o “neo-realismo” em Itália e a “nouvelle-vague” em França, a fotografia continuou a olhar para o passado, quer na Alemanha, com Otto Steinert ainda muito agarrado à experimentação da Bauhaus, quer com o fotojornalismo francês ainda a olhar para um realismo poético e nostálgico. O cinema, e exceptuando alguns casos na fotografia como Nigel Henderson em Inglaterra, afirmava uma nova modernidade ao filmar temas contemporâneos que interessavam ao público. Em Hollywood, o austríaco, Otto Preminger, atreveu-se a abordar temas controversos. “The Man with the Golden Arm”, 1955, denúncia o vício da heroína e Frank Sinatra, numa cena impressionante, desempenha o papel de um heroínomano a ressacar. Uma nova realidade chegara aos ecrãs do cinema, enquanto a fotografia, tardou a tratar os temas da actualidade. “Tulsa”
o livro autobiográfico de Larry Clark, que fotografa as suas experiências com a droga só é editado em 1971, muitos anos depois, do filme de Preminger.

O cinema e a fotografia vivem agora de costas voltadas. Excepção, é Wim Wenders, que é simultâneamente realizador e fotógrafo. Muitos dos seus filmes como “Paris, Texas”, 1983, são produzidos a partir de fotografias. Wenders, primeiro percorre durante meses o Midwest americano fotografando.
Wim Wenders, fotografia Paris, Texas

É então, a partir das suas fotografias, que Wenders dá vida aos personagens do filme. As fotografias, que representam o passado, transformam-se na mão do realizador Wenders, numa história. Não me alongo mais em Wim Wenders, porque como fotógrafo e realizador, Wenders merece um post só para ele.

E todas estas ligações, entre cinema e fotografia, vêem a propósito de um livro, que a Amazon já à largos meses anda a anunciar, “Photography and Cinema” de David Campany, e que finalmente estará disponível no próximo mês.

Se as relações do cinema e fotografia são imensas, escasseiam no entanto livros que analizem essas relações. “Cine de Fotógrafos” de Margarita Ledo Andión, editado pela GustavoGili, restringe-se aos fotógrafos que também enveredaram pelo cinema. Na blogosfera, Alec Soth, um dos fotógrafos da Magnum, escreveu no seu blog um post enunciando os fotógrafos que enveredaram pelo cinema, e aproveitando a vantagem desta rede de contactos que permite a blogosfera, pede aos leitores que em comentário acrescentem outros nomes à sua lista.

Na última Aperture, uma revista de fotografia, David Company levanta o véu do seu “Photography and Cinema”. Campany faz então uma análise de como os fotógrafos ao longo dos anos se interessaram pelos estúdios de Hollywood. Começa com Weston, depois Arbus, mais recentemente Larry Sultan, John Divola e Stefen Ruiz.
Em cima John Divola, em baixo Stefen Ruiz

Depois a rodagem dos filmes fotografados pelos fotógrafos, “The Misfits”, 1961, o célebre filme que teve exclusividade para os fotógrafos da Magnum e que aqui já mostrámos muitas dessas fotografias, e também o musical Annie, 1982, fotografado por Stephen Shore, William Eggleston, Garry Winogrand, Joel Meyerowitz e Mitch Epstein, onde cada um, à solta, fotografa o que mais lhe interessa. Esperemos então pelo livro.
Setphen Shore, Annie,1982

Em Fevereiro, no fim de semana da entrega dos óscares, fiz uma viagem, através da fotografia, á mítica Los Angeles. Los Angeles é cinema foi como chamei ao título do post, porque a fotografia em Los Angeles também ela se transforma em cinema.

Ler mais...

domingo, outubro 28, 2007

Os mistérios da fotografia a cor

Todas as histórias da fotografia são unânimes em reconhecer que a história da fotografia a cor ainda está por fazer. O mundo é a cores, e desde o início a monocromia dos daguerriótipos incentivou a coloração manual. Depois de pronto, o daguerriótipo passava para as mãos do artista que adicionava à mão a cor, e pelo dobro do preço o cliente obtinha o seu retrato a cores. Esta vontade de reproduzir o mundo a cores logo interessou cientistas e curiosos e todas as histórias da fotografia relatam, com mais ou menos detalhe os diferentes processos e técnicas que ao longo do tempo foram colorindo a fotografia. De Edmond Bequerel,
o primeiro a fotografar o espectro solar, à curiosa e estranha coincidência da invenção simultânea de um mesmo processo, (percursor do dye-transfer utilizado nos anos 1970), de Charles Cros e Louis Ducos de Huron
Charles Gros, 1876
Ducos du Huron, 1869
que a Societé Française de Photographie divulgou a 7 Maio de 1869. Seguem-se os autocromos, o processo inventado em 1904 pelos irmãos Lumière, que a Academia das Ciências em Paris dá a conhecer em Junho de 1907, depois os desenvolvimentos da fotografia a cor na era moderna, o Kodachromo na década de 1930 e os posteriores desenvolvimentos da Ektacolor. Quase todas as histórias da fotografia referem todos estes desenvolvimentos. Contudo, muitos dos fotógrafos que se fascinaram pela cor e a utilizaram nos seus trabalhos continuam misteriosamente esquecidos. As explicações quando as há podem ser diversas. Nalguns casos, como Ansel Adams, foi o próprio fotógrafo que nunca quis publicar o seu trabalho a cor. Fascinado com a cor, durante anos Adams publicou inúmeros textos sobre a cor e preparava um livro sobre a estética da cor na fotografia, nunca conseguiu porém, como os próprios textos revelam, controlar a cor como controlara o preto e branco com o seu famoso Zone System em que conseguia numa imagem dividir nove zonas diferentes que iam do branco ao preto. Para além dos trabalhos comerciais que fazia a cores para a Life, Fortune, Horizon, que não considerava artísticos, “out of all this work I made only a few that pleased me aesthetically...”, Adams fez mais de 3.000 fotografias a cores de que gostava bastante, contudo nunca as divulgou. No final da vida acede ao pedido de Beaumont Newhall, ampliar as fotografias de Taos, no Novo México que este encontrara na George Eastman House.
Ansel Adams, Church sunset, rear, Ranchos de Taos, New Mexico,c.1948
Ansel Adams, Church, Sunset, Front, Ranchos de Taos, New Mexico, c.1948
Adams morre em 1984, dez anos depois, Harry Callahan, contemporâneo de Adams e seu admirador é o escolhido para fazer uma selecção das fotografias a cor de Adams. Em 1993 é editado “Ansel Adams in Color”.
Para Adams controlar a cor nas cidades era mais fácil que a cor da natureza,
Ansel Adams, Alloy, West Virginia, c.1939
Ansel Adams, View from Beaumont and Nancy Newhall's apartement on 56th Street, New York, c1942
contudo o seu trabalho a cor, tal como no preto e branco, priveligia a natureza do Oeste americano.
Ansel Adams, Autumn Forest, Yosemite National park, California, c.1946
Ansel Adams, Aspen, North Rim, Grand Canyon National Park, Arizona, 1947
Ansel Adams, Tree, Barn, hills, near Livermore, California, c.1950
Ansel Adams, Pool, Kaibab, Arizona, 1947
Ansel Adams, Salt Pools, near Wendover, Utah, c. 1947
Mas na mesma época, se Adams teorizava sobre a estética da cor mas não revelava as suas fotografias, László Moholy-Nagy em Chicago, quase só fotografava a cor.
Moholy-Nagy, Park scene in front of the Medicine & Public Health Pavilion, New York World's Fair, 1939/40
Moholy-Nagy, Sibyl Moholy-Nagy on Oak Street Beach, Chicago, 1938
Utilizava os seus slides, feitos com os filmes de 35mm da Kodachrome, para mostrar aos seus alunos, na nova Bauhaus de Chicago que ele ajudara a fundar em 1937, as experiências abstractas que conseguia com a cor.
Moholy-Nagy, Night-time traffic, Chicago, 1937-46

Sibyl Moholy-Nagy, a mulher conta: “(...) at one time he came home and I thought he looked absolutely like a ghost, and I said, What happened? He had gone down to Randolph Street, the crossing of Randolph and State, and he had been standing in the middle of the traffic there for half the night with an open camera, photographing with an open camera the light of the traffic lights and the automobiles lights’…”.
Moholy-Nagy, Neon Signs, Chicago, 1939
Moholy-Nagy, New York World's Fair, 1939
Moholy-Nagy, shots of traffic lights, 1939-46
Em 1980, a Thames and Hudson edita uma excelente monografia, a primeira, do trabalho fotográfico de Moholy-Nagy, contudo não há nenhuma fotografia a cores.
Curiosamente de Chicago revela só uma fotografia a preto e branco para a relacionar com um desenho abstracto.
Moholy-Nagy, Chicago, 1937
Moholy-Nagy, design
No ano passado a Steidl em conjunto com o arquivo da Bauhaus em Berlim edita pela primeira vez em livro as fotografias a cores de Moholy-Nagy.
Num dos textos do livro, escrito por uma das filhas, é levantada a questão: “Then why were his photographs from the American era unknown?”. A resposta continua um mistério.
No novo Instituto de Design, como se chamou mais tarde, Moholy-Nagy marca o começo da fotografia abstracta.
Moholy-Nagy, New York billboard detail, 1940
A influência no trabalho de Arthur Siegel um dos seus primeiros alunos é visível.
Arthur Siegel, Untitled, 1946
Siegel é amigo de Callahan do foto clube de Detroit e encoraja o amigo a vir para Chicago. Callahan e Siegel são convidados para professores, em 1951 será a vez de Aaron Siskind. No início influênciado por Moholy, Callahan também faz abstrações a cores com os neons e as luzes nocturnas de Chicago. Depois, como mais tarde dirá “ Everything was Bauhaus this and Bauhaus that. I wanted to break it…I got tired of experimentation…what I was interested in was the technique of seeing…”, mas a fotografia a cor ficou-lhe e em 1977, deixa definitivamente o preto e branco. Nesse ano, juntamente com a mulher, viaja pelo mundo, Irlanda, Hong Kong, Marrocos, Portugal. Se as praias da Irlanda
Harry Callahan, Ireland, 1979
o inspiram a fotografar Cape Cod a cores, “..but when I come back the Ireland experience influenced me on Cape Cod”,
Harry Callahan, Cape Cod, 1979
em Portugal, 1982, são as fachadas,
Harry Callahan, Portugal, 1982
Harry Callahan, Portugal, 1982
Harry Callahan, Portugal, 1982
Harry Callahan, Chicago, 1948
tema recorrente em Chicago que o seduz.
Mas as fotografias a cores de Callahan não constituem mistério, em 1980 o Center for Creative Photography, da universidade do Arizona, organiza a exposição Harry Callahan: Photographs in color/The years 1946-1978. Voltemos então ao tema do post, o mistério da cor. E porque não recuarmos agora no tempo à procura de outros neons e outras luzes de uma cidade europeia, Paris, fotografada ainda a autocromos.
Léon Gimpel, Ilumination de la Samaritaine, 1 décembre, 1933, autocromo
Léon Gimpel, Paris, 21 décembre, 1912, effet du brouillard sur la façade illuminé du Grand Palais, autocromo
Léon Gimpel, Neon Boulevard des Italiens, coin, 3 décembre 1925, autocromo
Léon Gimpel, Paris, 18 décembre, 1910, La rue du Pont Neuf, autocromo
Léon Gimpel é fotógrafo repórter da revista L’Illustration, e as suas fotografias arquivadas na Societé Française de Photographie dormem como a bela adormecida à espera que alguém as resgate novamente para a vida. Albert Londe, o fotógrafo da Salpêtrière é outro caso misterioso. Conhecido pelos estudos que fez na Salpêtrière
Albert Londe, Démarche patalhogique, piste de la Salpêtrière, 1895
ignoram-se os seus autocromos que tanto o interessaram e que tão afincadamente procurou divulgar. Só em estudos, pouco divulgados é que as conseguimos ver.
Albert Londe, Villa au Cap Ferrat, autocromo
Albert Londe, Régates du club nautique de Nice, 1912, autocromo
Albert Londe, Cuirassé Villefranche, autocromo

Mas regressemos novamente à América e aos anos da seca no Midwest. Falamos do projecto da Farm Security Administration, a FSA, uma obra hoje considerada um dos maiores documentários fotográficos do país. Criado pelo Departamento de Agricultura no programa do New Deal de Rossevelt, o projecto visava mostrar ao Senado e ao país como era urgente ajudar os agricultores. Sob a orientação e os esforços de Roy Stryker as fotografias, a preto e branco, foram amplamente divulgadas. Com a recuperação económica as fotografias repousaram no arquivo da Biblioteca do Congresso. Nos anos de 1970, deixaram o pó da Biblioteca e começaram a ser expostas, sempre a preto e branco. Só recentemente, em 2004,
a Harry N. Abrams conjuntamente com a Biblioteca do Congresso divulga, após uma selecção dos 1600 Kodachromes existentes, as fotografias a cor da FSA. Novamente a questão: porque nunca foram divulgadas? Em épocas de crise, a variedade escasseia, e o preto e branco serviam na perfeição para a dissimular, como estas toranjas e laranjas que não se distinguiam a preto e branco.
John Vachon, Lincoln Nebraska, 1939-43
Marion Post Wolcott, Day Laborers picking cotton, near Clarksdale, Mississippi, 1940
Jack Delano, At the state Fair Rutland, Vermont, 1941
Russell Lee, Schoolchildren singing, Pie Town, New Mexico, 1940
Russell Lee, Children sleeping through the square dance, Mcintosh County, Oklahoma, 1939-40

Voltamos novamente para Paris, com “Paris- Couleurs” de Willy Ronis, editado no final do ano passado.
Ronis, catalogado um dos fotógrafos humanistas do preto e branco, é hoje alvo de críticas, já não se aguenta, diz André Rouillé num dos seus editoriais do seu site Paris Art.
Ronis, como fotógrafo humanista fotografou o pós-guerra.

No pós-guerra, a França debatia-se com grandes privações, tinha ficado sem reservas monetárias e um défice de milhões na balança de pagamentos. Recebia da América crédito para a compra de carvão, alimentos e matérias-primas, mas essa ajuda não permitia mais que a sua sobrevivência. Os franceses só veriam melhores dias a partir de 1949, altura em que a execução do plano Marshall foi suficiente para arrancar com a economia. Contudo, a boa disposição dos franceses, depois da libertação era visível, sobretudo nas festas populares, como a festa do 14 de Julho. Grupos de jovens dançavam nas ruas radiantes. Qualquer descrição literária não podia ser mais real do que esta fotografia de Ronis:
Willy Ronis, Chez Max, Nugent, 1947

Não preciso da cor para gostar das fotografias de Ronis.

Agora Ronis publica as fotografias a cores que nunca mostrou. “A partir de 1955, andei sempre com duas Leicas, uma para a cor outra para o preto e branco” e acrescenta “comparando-as com as minhas fotografias a preto e branco não encontro diferenças”. Embora a sensibilidade dos filmes a cores à época fossem baixas, 10 ASA, Ronis mesmo com películas lentas, fotografou as cenas de rua, os cafés, o metro, a circulação urbana...em suma os mesmos temas.
Willy Ronis, Paris
Willy Ronis, Paris
Willy Ronis, Paris
Willy Ronis, Paris
Mas o que intriga é dizerem “La découverte des photographies en couleurs de Willy Ronis...” A descoberta? Não é Ronis que agora as quer publicar? E porque só agora, já quase nos cem anos de idade?
Depois há as situações inversas. Joel Meyerowitz e Tony Ray Jones logo no início dos anos 1960, quando o preto e branco dominava, estão nas ruas de Nova Iorque a fotografar a cores. Ray Jones, regressa a Inglaterra, e fotografa os ingleses, não a cor mas a preto e branco. Em 1974, dois anos depois de morrer é editado "A Day Off", um dos melhores livros fotógraficos que retrata a sociedade inglesa, mas a preto e branco. Joel Meyerowitz continua nas ruas de Nova Iorque, na Fifth Avenue, a avenida onde tudo acontece. O companheiro é agora Garry Winogrand. "As fotografias que lhe mostrei, (a Garry)" recorda-se Meyerowitz, "eram a cores, não tinha nenhuma a preto e branco. Levei meses e meses a adaptar-me ao preto e branco". Em Nova Iorque, Diane Arbus, Lee Friedlander, Garry Winogrand, seram os últimos, a fotografar a preto e branco, a cor vinha a caminho, Setphen Shore,William Egglestone... Mas Meyerowitz nunca irá largar a cor, e tal como Ronis, anda sempre com duas Leicas, uma para a cor outra para o preto e branco. No final, e agora em contraste com Ronis, decide-se pela cor. Nova Iorque fica para trás, prefere a quietude e a luz de Cape Cod, para as suas fotografias a cor.

E terminemos na Europa, com a cor a caminho. Na mesma cidade, Modena em Itália dois fotógrafos Franco Fontana e Luigi Ghirri, começam a fotografar a cores nos anos 1970, é o início na Europa da fotografia moderna a cor. Em Paris a galeria Anne de Villepoix expõe até 8 de Dezembro o trabalho "Kodachrome" de Ghirri, clique aqui e veja. Em 1975, Franco Fontana fotografou esta paisagem a cores.
Franco Fontana, Landscape, 1975

Nuno Calvet, em Portugal aproximadamente na mesma época fotografou a região do Alentejo, a cores e a preto e branco. Em 1983, a Fundação Calouste Gulbenkian editou em livro as suas fotografias.
Para quem não as conheça aqui ficam algumas imagens:
Nuno Calvet, Região de Messejana, Aljustrel, 1981
Nuno Calvet, Região de Messejana, Aljustrel, MAio, 1982
Nuno Calvet, Região da Póvoa, Moura, Março 1981
A História da fotografia a cor ainda está por escrever, porque muito ainda está por desvendar, mas o mistério perdura, será porque o mundo é mais real a preto e branco?

Ler mais...