domingo, outubro 29, 2006

Dziga Vertov e as Vanguardas Russas

Para melhor apreciar e entender o que de mais inovador se vai produzindo no cinema documental é importante que o público tenha a oportunidade de conhecer os grandes vultos da história do cinema documental. No programa sobre o mundo do trabalho, o DocLisboa 2006, não se esqueceu deles.
Vamos olhar para o filme Entuziasm: Simfoniia Donbassa de 1930 de Dziga Vertov, um hino ao trabalho nas minas da região de Don Bassin. É a década em que os filmes passam a sonoros e este é o primeiro filme sonoro de Vertov. O título revela o que Vertov gosta de experimentar: imagens e sons que combina num ritmo musical. O trecho do filme que documenta a produção de aço é uma verdadeira sinfonia em imagens, servindo bem os propósitos da nova e recente URSS em que o cinema e a fotografia se afirmavam como instrumentos ideais de propoganda das novas ideias sociais.
Pela mesma época mas em diferentes paragens, Ricciotto Canudo, responsável pela, hoje comum, cognominação do cinema como sétima arte (a sexta era a dança), definia, no seu livro «L’Usine aux Images», publicado em 1927 em França, o cinema como a “arte plástica em movimento”.
O mesmo, em parte, se aplicava ao fotógrafo, novo homem da acção e do movimento, tanto ao gosta da nova URSS, não surpreendendo já quando Vertov dizia de si mesmo ser um olho mecânico, dinâmico, máquina capaz de mostrar o real.

A fotografia do cartaz e da capa do livro de Werner Graff para a exposição Film und Foto,
realizada em Stuttgard no ano 1929, conhecida como FiFo, são exemplos. O círculo designava, na



nova sinalização rodoviária, sinal de movimento. A interdependência do cinema e da fotografia era também estimulada pelas revistas, como a Kino-Fot (cine e foto), lançada em 1922, na URSS, dedicada, como o próprio título indicava, ao cinema e à fotografia. As fotografias de Rodchenko partilhavam o mesmo espaço com Vertov. Ambos documentavam, o primeiro com fotografias o segundo em filme, o Plano Quinquenal do governo. Vertov nas minas Don Bassin filmava a produção de carvão e aço. O som, ainda no seu início, era utilizado por Vertov para pronunciar frases curtas: o “trabalho dignifica”, “os objectivos de produção foram atingidos em três anos e não em cinco”, “viva o partido comunista”... Rodchenko fotografa a nova Moscovo, (fotografias desta série foram expostas no ano de 1999 no CFP e no CCB). Em 1932 o primeiro Plano Quinquenal estava a chegar ao fim antes do previsto, e “Estaline chamou a si os louros da nova Moscovo” como refere o catálogo. Rodchenko fotografou os novos complexos habitacionais construídos em 1930 no Boulevard Novinskii. Publicitava através da fotografia, as novas habitações comunais, concebidas especialmente para essa função. Nestas habitações (tal como na



revista) o espaço era partilhado.
Mas a interdependência do cinema e fotografia não se ficou pelo objecto.
A extensa experimentação, que caracterizou o trabalho dos cineastas e fotógrafos no periodo de entre guerras, procurava traduzir o movimento da experiência concreta da visão. O ponto de vista único a um metro de distância do solo que caracterizou a perspectiva tradicional da Renascença, era agora substituído por outros ângulos de visão. Vertov e Rodchenko impulsionadores desta mudança sugeriam o alargamento da visão a uma visão dinâmica. O olhar, tem múltiplas direcções e as vistas em picado e contra picado, a montagem dinâmica das diagonais, os planos próximos e recuados, caracterizam as fotografias de Rodchenko e o filme de Vertov. Para eles era a experiência concreta desta nova visão em movimento. Esta ideia de olho em movimento exerceu um certo fascínio nas “avant-gardes” da época, e Herbert Bayer e El Lissitzky aplicaram também estes princípios em exposições fotográficas.
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quarta-feira, outubro 25, 2006

Masterclass de Amos Gitai, no Doclisboa 2006

Para responder à pergunta do penúltimo post, respondo com a resposta que Amos Gitai deu, à questão que o público lhe colocou no Masterclass do passado Sábado: O que recomenda à nova geração que faz cinema documental? A resposta foi simples: reinvenção e convicção no que se faz.
De facto para quê tentar redefinir a noção de documental se a reinvenção é primordial.
Não pretendo escrever uma síntese do Masterclass de Amos Gitai, mas sim focar alguns aspectos que achei interessantes.
No cinema documental, disse Amos, o estar munido de uma máquina de filmar facilita o início da conversa. Vimos isso funcionar no seu filme "A house in Jerusalém". Gitai numa rua de Jerusalém pergunta a vários transeuntes se sabem o significado do nome da rua. Quase todos se aproximam para responder, a curiosidade de ser filmado é evidente. John Collier, fotógrafo que se interessou por antropologia (ou o contrário?), escreve no seu livro Antropologia Visual: A fotografia como método de pesquisa (a 1ª edição é de 1969) que "...a tomada da fotografia pode, por si, estabelecer o início da entrevista." Um documentário é matéria frágil, diz Gitai, se no início a entrevista correr mal o trabalho pode ficar comprometido. A máquina, (de filmar ou fotográfica) tem um papel que ultrapassa o registo.
No cinema documental, continua Gitai, é necessário aprofundarmos a relação com a comunidade que vamos documentar, mas frisa que isso não significa que passamos a fazer parte dela. Durante uns tempos vivemos próximo, mas ao fim de uns meses saimos da vida dessas pessoas. Devemos manter a imparcialidade, devemos respeitar a linha de limite definida pelos entrevistados, diz Gitai.
W. Eugene Smith, na reportagem Spanish Village, (editada pela Life a 9 de Abril de 1951), pela qual ficou conhecido, vai para Espanha já com uma ideia preconcebida. Ele quer mostrar a pobreza e a opressão em que viviam os espanhois sob o regime de Franco. Deleitosa, uma aldeia que fica na estrada que liga Madrid a Badajós, é a aldeia escolhida para confirmar a sua ideia.




Smith não é imparcial e com o intuito de conseguir as melhores imagens para representar o que pensa, prepara as suas fotografias. A primeira foto da reportagem, que testemunha a celebração de uma 1ªcomunhão é encenada. A menina, Lorenza Curiel de 7 anos, já a tinha celebrado, mas Smith achou que o acontecimento era importante e quis fotografar. Ao não fazer parte daquela comunidade, Smith não se apercebe do erro dessa encenação. Olhando para a fotografia, percebemos que há algo de errado naquele dia de celebração tão importante para uma família cristã. O fato de um branco imaculado não condiz com a forma como a mãe e irmãos estão vestidos para a acompanharem à igreja, (como diz o texto). Sabemos que embora pobres, todos vestiriam o melhor para a ocasião, e sobretudo nunca iriam descalços. Ninguém na redacção da Life notou e a reportagem foi publicada. Os Espanhois, e não foram só os nacionalistas, não gostaram. A reportagem foi um êxito para a Life, talvez tenha sido a melhor da revista. O trabalho é de facto excelente, quer as fotografias de Smith quer a paginação de Bernard Quint, que é dos melhores trabalhos gráficos que se conhece. O que pretendo ao dar este exemplo, é sublinhar a advertência de Gitai: mesmo que nos importemos com o que estamos a documentar, somos sempre alguém de fora, um estrangeiro, e devemos deixar as pessoas agirem sem a nossa intervenção.
Há temas que devem ser ficcionais, continua Gitai, o "docudrama", mistura do documental com ficção, é o que nunca se deve fazer. "Promise Land" tinha que ser ficcional, nunca poderia filmar no real aquelas mulheres perseguidas.

Alfred Jaar, arquitecto como Gitai, vai para o Ruanda em Agosto de 1994 testemunhar o terrível genocídeo. Tira mais de 3 000 fotos. Nunca ninguém as viu porque ele próprio não as quer mostrar, sente o mesmo que Gitai. Para chamar a atenção do Ocidente, que durante muito tempo ignorou essas vítimas, Jaar quando regressa enche as ruas de Malmo com a palavra RWANDA.



Alfred Jaar, instalação 1995

No ano seguinte, faz uma instalação no museu de Fotografia Contemporânea de Chicago, escolhendo 550 fotografias. Não as mostra, coloca-as em caixas fechadas dispostas no chão, como um túmulo funerário, onde se podiam ler as descrições das fotografias que cada uma continha.

Voltemos ao início, o bom documentário é reinvenção. Ao olharmos para o trabalho de Smith e de Jaar, em que ambos estão convictos em denunciar situações que o mundo deve conhecer, é interessante observar-mos a reinvencão que ocorreu.

Estará a fotografia documental longe do cinema documental de hoje?


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terça-feira, outubro 24, 2006

Eles olham o quê? A Inauguração da Fundação Ellipse


Eles olham o que nós estamos a olhar, como o público se movimenta nos espaços de arte... Rendeiro possivelmente explicou ao nosso Presidente que era a escola de Dusseldorf, a escola dos Becher que gostam das séries, do olhar neutro ..., e dos grandes formatos, ainda bem que Thomas Struth gosta dos grandes formatos, assim podem todos ver a fotografia ao mesmo tempo.
Karen Knorr, também alemã, gosta de fotografar com humor os espaços de arte, vejamos uma fotografia da série Visitors, The Art Lovers, 1998.
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sexta-feira, outubro 20, 2006

Fotografias Sophie Ristelhueber

Fotografia da série Fait 1992 de Sophie Ristelhueber

Fotografia da exposição de Sophie Ristelhueber - Every One







Fotografias da série Fait 1992 de Sophie Ristelhueber



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Fotografia Documental (II), no contexto do Doclisboa 2006

(Continuação do artigo de 16/10/2006)

Da guerra do Afeganistão encenada em Dead Troops Talk de Jeff Wall passemos à 1ª guerra do Golfo.
Todos nós em casa, frente aos nossos televisores, fomos surpreendidos pelas imagens que a CNN difundiu em directo dessa guerra. De tons esverdeados, mais pareciam imagens de jogos de uma guerra virtual. Mas se no início nos surpreendemo-nos, ao longo dos dias fomos-nos habituando a essas imagens captadas via satélite que invadiam os nossos ecrãs até fazerem parte do nosso quotidiano familiar.
Para a elite militar americana o impacto que as fotografias da guerra do Vietname causaram na opinião pública estavam ainda bem presentes. Evitando ao máximo o testemunho directo no Koweit, as instâncias militares americanas preferiram divulgar imagens que mais se assemelhavam a uma guerra cirúrgica.
Realidade ou ficção?
Thomas Ruff, na sua série Nacht de 92/93, algumas expostas na sua retrospectiva de 2003 em Serralves, é uma reflexão sobre as imagens divulgadas dessa guerra. Nos mesmos tons esverdeados cujo conteúdo é quase imperceptível, Ruff mostra-nos que o contacto com o real, o "ter estado lá" é agora impossível.
Sophie Ristelhueber opta por cenários reais, e terminado o conflito vai ao Koweit, no terreno onde se desenrolou a guerra, alterna vistas a partir do solo com vistas aéreas do deserto. A sua série Fait de 1992, é o testemunho dos detalhes dos vestígios da guerra. Em grande formato (1 metro x 1 metro e 30) sem referência de escala, para desorientar quem vê, as fotografias mostram quer as marcas dos objectos pessoais quer as marcas de destruição bélica deixadas no terreno pela artilharia de guerra. Dois anos mais tarde, a série Every One é um trabalho de maturação das guerras que testemunhou. Corpos anónimos submetidos a cirurgias são fotografados num hospital de Paris. As cicatrizes desses corpos representam as marcas deixadas dessa guerra. A sua fotografia, exposta em galerias, obriga-nos a uma reflexão sobre as consequências da guerra. Para Jeff Wall e Sophie Ristelhueber o documento não está em crise, antes rompeu com a ideia tradicional que o limitava ao real, do testemunho do "ter estado lá".
Hoje as fotografias de Wall, Ruff e Ristelhueber atingem preços elevados no mercado artístico. Se durante muito tempo a fotografia documental foi condenada ao arquivo por julgar-se um género sem possibilidades criativas hoje a sobreposição entre a fotografia artística e a fotografia documental é cada vez maior.
É necessário redefinir a noção do que é documental?

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terça-feira, outubro 17, 2006

Mercado da Fotografia

O mercado da fotografia continua imparável
Entre hoje e amanhã a leiloeira Christies de Nova Iorque apresenta mais um leilão de fotografias.

No passado dia 2 e 3 de Outubro foi a vez de um leilão de Brassai veja os resultados das vendas
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segunda-feira, outubro 16, 2006


Esta fotografia foi editada num jornal nacional e é de Nicolas Asfouri da AFP.
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Sobre Fotografia Documental

O documentário regressou. O cinema, a fotografia e outras artes visuais retomam o documentário nas suas práticas. Os êxitos de bilheteira das 3 edições do Doclisboa, festival Internacional de Cinema Documental de Lisboa, são prova do interesse crescente disso mesmo, no caso por um cinema independente e alternativo.
A escolha da fotografia que o cartaz apresenta neste festival, tirada em Portimão no ano de 1957 por Gérard Castello Lopes, surpreende num país onde a cultura fotográfica se centra sobretudo nas obras contemporâneas. Nesses anos os fotógrafos retratavam o que o cinema documental hoje filma, as pessoas e as suas relações na vida real.
Tudo isto me levou a pensar se o documentário também é "assunto" ao nível da fotografia.
Recuemos à década de 1980 para entendermos quando e como o documento entrou em crise. Documentário é um termo recente para a idade que a fotografia já tem, e em consequência as opiniões divergem quando se quer definir fotografia documental. Contudo, até à década de 1980 a fotografia documental tinha como principal função o testemunho. Os fotógrafos, com o poder excepcional de documentação que a fotografia lhes permitia, registavam todos os acontecimentos. Carmel Snow, editora da revista Harper's Bazaar, costumáva dizer a Cartier-Bresson qualquer coisa no género: meu amigo desça à rua e vá ver o que se passa. De facto na altura a fotografia tinha com o real uma relação única que bastava ir à rua munido de máquina, observar e tirar.
Este modelo vacila quando o documento deixa de ser a reprodução exacta da realidade e a televisão passa a ser a janela do mundo. O documentário clássico entra em crise mas simultaneamente surgem outros modelos. São estes que vamos olhar.
Raymond Depardon, fotógrafo e realizador (o Doclisboa de 2005 apresentou a segunda parte da sua trilogia "Profils Paysans"), descreve essa sensação simultânea de morte e renascimento na sua Correspondance Newyorkaise, conjunto de fotografias de Nova Iorque acompanhadas de um texto seu e publicadas no Libération durante o verão de 1981. Era tempo de enterrar o "instante decisivo" e inventar uma nova fotografia, a "photographie du temps faible", a fotografia de todos os momentos, mas para isso Depardon sabe que é necessário reaprender a olhar. Gérard quando retoma a fotografia, deixa para trás a tradição humanista que o embalou no início.
Mas o que mudou tão radicalmente? A sensação de que tudo tinha sido fotografado. Bons fotógrafos perceberam isso. O Livro Minamata, (1975) foi o fim de um ciclo para W.Eugene Smith. Robert Frank depois de The Americans (1959), não volta à estrada para os fotografar e envereda pelo cinema. A revista LIFE, publicada entre Novembro de 1936 a Dezembro de 1972 morre com 36 anos. Se nos anos aúreos de 1950 tinha problemas com excesso de publicidade antes de encerrar tinha o problema inverso. A televisão é impiedosa.
Agora é a linguagem visual utilizada pelos media, cada vez mais complexa, que serve de fonte de reflexão. Hoje percepcionamos o mundo quase exclusivamente pelas imagens dadas pela televisão, publicidade, internet...e consequentemente a percepção que temos do mundo mudou, o real passou a ficional. A experiência directa da realidade já não serve de estímulo, agora é a vez da ficção. Curioso, o termo documentário foi utilizado pela primeira vez por um realizador para designar os filmes de não ficção.
Perguntávamos se a fotografia documental é "assunto". Ao entrar no circuito artístico das galerias de arte e museus a resposta é clara. Hoje a fotografia documental é feita para se adaptar a estes espaços, outrora revistas e livros foram a sua forma de divulgação.
Mas está ou não em crise a fotografia documental? Comecemos com Jeff Wall.
Dead Troops Talk, de Jeff Wall é um trabalho de estúdio que reproduz num exercício exaustivo de verosimilhança a atmosfera agonizante das tropas russas na guerra do Afeganistão. Por breves instantes o espectador é induzido a presenciar uma cena do real. O cenário torna-se quase um documento da emboscada de que foi vítima o exército vermelho e que se desenrolou em Moqor no Inverno de 1986. (Como é referido na fotografia). A encenação é a forma escolhida para representar a guerra. Wall faz um cliché das fotografias de guerra publicadas nos jornais. Em Dead Troops Talk cada actor interpreta um papel. Os diversos sentimentos que a vivência de uma guerra provocam estão aí representados, loucura, desespero, agonia, medo. A barbárie da guerra é apresentada numa só imagem. Olhemos agora para a fotografia do fotojornalista Nicolas Asfouri da AFP que nos dá um fragmento da guerra, as tropas em repouso no Iraque e publicada num jornal nacional.
Numa primeria análise parecem-nos semelhantes, não só pelo seu conteúdo, retratam cenas de guerra mas também pela sua forma, ambas sem linha de horizonte. A grande diferença estará na veracidade de uma e encenação da outra? Qual das duas nos dá a conhecer melhor os cenários de guerra?
Longe de negar a fotografia documental, Wall cria uma nova alternativa. Se a presença do fotógrafo em campo era primordial para credibilizar a fotografia documental, Wall alarga o horizonte propondo uma fotografia documental baseado na encenação.
A fotografia de Asfouri dá-nos um fragmento da guerra, e fragmento do real foi o que sempre se pensou da imagem fotográfica. O que é que efectivamente hoje interessa mostrar, fragmentos do real que pela sua descredibilização e banalização já ninguém vê?
A fotografia de Jeff Wall não quer reproduzir o real mas antes tornar visível o que se passa no mundo. De forma criativa representa os conflitos mundiais sem recorrer ao real, exigindo ao espectador uma interacção com a obra.. O seu trabalho em caixas de luz de grande formato, semelhante às caixas de publicidade, é divulgado em galerias e actualmente fazem parte de muitas colecções. Mas pode a nova fotografia documental ultrapassar o mito do "ter estado lá"? (continua).



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