quinta-feira, novembro 27, 2008

O equívoco Europeu


Nikos Markou, do livro Cosmos, Grécia, 30.12.2001

A resposta da Europa à crise mundial foi ontem anunciada por Durão Barroso, ao propor um plano de medidas para estimular a economia : investimentos em infra-estruturas, redução de impostos, apoio aos sectores em maiores dificuldades, reforço das ajudas sociais aos desempregados… Cada Estado-membro, em função de sua situação específica, tem agora luz verde de Bruxelas para subir a despesa.

O Pacto de Estabilidade e Crescimento de 1997, que limita o défice público a 3% do PIB e a dívida pública a 60% do PIB, é agora flexibilizado até 2010. No telejornal da noite, Sócrates mostrava-se satisfeito com as medidas que apoiam os investimentos públicos que já anunciou,


Nikos Markou, do livro Cosmos, Grécia, 28.10.2002


Nikos Markou, do livro Cosmos, Grécia, 15.09.2002

reduzir os impostos está para o Primeiro-Ministro fora de causa, mas o partido da oposição, na voz da líder, “suspenderia os mega-projectos de investimentos não rentáveis e com essa despesa provavelmente baixaria os impostos”.


Nikos Markou, do livro Cosmos, Grécia, 22.10.2000

Não precisamos de ouvir mais para perceber o equívoco europeu que Jacques Delors definiu numa frase: “A União é um Ferrari com um motor de 2CV”. Se para o cidadão comum europeu a Europa é um super Estado, o tal Ferrari, com um poder tentacular que se imiscuiu na vida de cada um de nós - é Bruxelas que decide como devemos fabricar o queijo da Serra, como os franceses devem fabricar o camembert...e tudo o mais que tão bem conhecemos e criticamos - no que respeita à crise mundial, cada Estado-membro é livre de decidir e de agir como preferir.


Nikos Markou, do livro Cosmos, Grécia, 24.08.2002

Será que podemos então dizer que Bruxelas nos governa? É esta desproporção, um excesso de regulamentação uniformizadora que tanto repudiamos e um vazio na prevenção e acção colectiva em situações de crise, como a que vivemos actualmente, que levou franceses, holandeses e irlandeses a votarem “não” aos sucessivos Tratados.

Podemos dizer que hoje a União europeia se restringe a um mercado organizado de livre troca entre mercadorias, serviços, capitais e trabalhadores entre Estados, o grande salto para uma federação, como sonhava Delors – a passagem de um mercado comum para uma união política, está longe de existir. A concertação dos ministros das finanças no seio do Eurogrupo é um bom exemplo do teatro que é o palco europeu, onde cada um promete que respeitará as responsabilidades tomadas em comum para em casa ignorar ou fazer precisamente o contrário.
De que serviu a agenda ambiciosa – “tornar a União na economia mais competitiva do mundo” que os chefes de Estado acordaram no Concelho europeu de Lisboa no ano de 2000? Não se tornou a União espectadora, cruzando os dedos, esperando que cada Estado realizasse as reformas com que se comprometeram? Passaram oito anos - é a União Europeia a economia mais competitiva no mundo?


Nikos Markou, do livro Cosmos, Grécia, 20.06.2003

Porque continua a Europa a sonhar com uma União política?


Nikos Markou, do livro Cosmos, Grécia, 25.05.2003

Se o Banco Central Europeu se revelou um banco forte e qualificado para comandar e guiar uma política monetária de um euro credível, porque não se centra a Europa naquilo que sabe fazer e deixar as burocracias que tanto a embrulharam?


Nikos Markou, do livro Cosmos, Grécia, 30.01.2000

Agora resta-nos cruzar novamente os dedos e esperar que dentro de dois anos, 2010, (como propôs Durão Barroso), que o Pacto de Estabilidade e Crescimento entre novamente nos eixos. Em 2010 Trichet tem este discurso


Nikos Markou, do livro Cosmos, Grécia, 15.10.2002


Ler mais...

segunda-feira, novembro 24, 2008

Erich Salomon - o rei dos indiscretos

Ontem o jornal Público escolhia esta fotografia


Pilar Olivares, 2008, Reuters

para ilustrar o artigo sobre a cimeira da APEC - fórum de Cooperação Económica que reuniu este fim de semana na cidade de Lima, no Peru, 21 países da Ásia-Pacifico. Em tempos de crise, as cimeiras internacionais sucedem-se, e de encontro em encontro, nas intermináveis horas de discussão e discursos, muitos são os políticos que não resistem e sucumbem ao cansaço.

Logo me lembrei desta fotografia,


Erich Salomon, Ministros franceses e alemães na 2ºconferência de Haia, 1930

do fundador do fotojornalismo político moderno - Dr Erich Salomon, que ao “conseguir introduzir-se”, na segunda conferência de Haia (1930), fotografou ministros alemães e franceses a negociarem e discutirem noite dentro, o pagamento da divida de guerra alemã. Se no início desta sequência fotográfica,


Erich Salomon, Ministros franceses e alemães na 2ºconferência de Haia, 1930

a discussão é acesa e o empenho de todos é visível, no final da noite, depois de muitas horas de negociação, mesmo sob a névoa do fumo dos charutos, poucos resistem acordados. Evidentemente ninguém gostava de ser surpreendido em flagrante delito de sonolência durante sessões tão importantes. Gustav Stresemann,


Erich Salomon, Gustav Streseman com jornalistas no vestíbulo do Reichstag, 1928

o infatigável ministro dos Negócios Estrangeiros alemão acaba por confessar a Salomon: “Antes, podíamos ir à Sociedade das Nações e dormitar um pouco, mas depois que você se tornou fotógrafo, é terrível, nem ousamos fazê-lo, só o facto de saber que podemos ser apanhados em flagrante, mantêm-nos despertos”.
Perseverante, mesmo quando o acesso lhe era totalmente interdito, Salomon não desistia, e conseguia tirar sempre o melhor partido da situação como neste corredor do Hotel Beau Rivage na Suiça, em frente à porta da suite de Ramsay MacDonald,


Erich Salomon, Hotel Beau Rivage, 1932

regista à esquerda o chapéu, bengala e luvas do chanceler do Reich e à direita os chapéus e casacos da delegação francesa.

Nada predispunha Salomon a tornar-se fotógrafo. Filho de um banqueiro de Berlim, regressado da guerra, viu-se obrigado a procurar emprego numa Alemanha em ruínas. Primeiro trabalhou na bolsa, depois numa fábrica de pianos e por fim montou um negócio de aluguer de automóveis, cuja publicidade original nos jornais, chamou a atenção da editora Ullstein, que o contratou em 1926 para trabalhar no seu grupo. Salomon o foto jornalista, como gostava de dizer recusando o termo de foto repórter, revela, através da sua observação brilhante e audaciosa, a vida dos políticos até aí inacessível ao público, abrindo um novo campo de acção ainda inexplorado do fotojornalismo.


Erich Salomon, Berlim, num dia quente nos jardins da chancelaria reunião com Brüning, Agosto 1930


Erich Salomon,Berlim, Conversa entre mulheres de políticos alemães, 1930

Com o seu dom inimitável para estar em todo o lado sem ser notado - a sua máquina Ermanox evitava que recorresse ao flash - Salomon surpreendeu os políticos do seu tempo, mas será o simpático Aristide Briand, o ministro dos Negócios Estrangeiros da França, que no quai d’Orsay o surpreende e denuncia: “Ah! le voilá! le roi des indiscrets!”.


Erich Salomon, Paris, quai d'Orsay, Aristide Briand com outros dos seus ministros, Agosto de 1931

Finda a Primeira Guerra Mundial, perante a ruína e um povo desmoralizado e com fome, o imperador Guilherme II viu-se obrigado a abdicar. Para os alemães uma nova Constituição era a solução para a desordem endémica em que se encontrava o país. A 9 de Novembro 1918 era proclamada a República de Weimar, que nascia ensombrada com as elevadas indemnizações, que os aliados, através do Tratado de Versalhes impunham aos alemães. Que alternativa tinha a delegação que em Abril de 1919 era obrigada a assinar e não a negociar?
Depois de anos de turbulência, de quedas consecutivas de regimes de coligação,


Erich Salomon, Berlim 1930, Eleição do presidente do Reichstag

em 1926 Stresemann, do Partido Popular, consegue que a Alemanha entre na Sociedade das Nações – uma grande vitória para a Alemanha derrotada. Em 1928, ano em que Salomon começa a fotografar, Stresemann


Erich Salomon, Agosto de 1928, Gustav Stresemann no comboio para Paris

é apanhado a conversar na carruagem restaurante do comboio que o levará a Paris para assinar um novo acordo de paz internacional, o conhecido pacto Briand-Kellog. Briand promete a retirada das tropas francesas na zona esquerda do Reno e nesse mesmo ano Stresemann renegoceia as elevadas dívidas de reparação de guerra. Em 7 de Junho de 1929, um novo acordo é assinado entre a Alemanha e os aliados. A Alemanha compromete-se a pagar em tranches uma dívida que se prolonga até 1988. Se hoje nos parece absurdo, foi a solução técnica mais viável para o país, que acabou assim por não a pagar.

Em Março de 1930, com a morte de Stresemann e a Grande Depressão que se alastrava da América para a Europa, começava o fim da República. Ao olharmos para esta fotografia no Reichstag


Erich Salomon, Berlim 30 de Outubro 1930, Os deputados do partido nacional-socialista em uniforme no Reichstag

temos a percepção de sermos mais um que assiste a uma sessão parlamentar: na bancada à esquerda os nazis fardados, os grandes vencedores das eleições de Setembro 1930, ocupam 107 lugares dos meros 12 que ocupavam depois das eleições de 1924.

Com a crise económica da Grande Depressão e o consequente retorno ao proteccionismo a indústria exportadora alemã entrou em falência. Desemprego, miséria e violência cresciam de dia para dia. Sequiosos de ordem e de um melhor nível de vida, foi fácil ao autoritário Hitler convencer os alemães que poria fim ao caos.

Judeu, Salomon viu-se obrigado a emigrar para a Holanda. Apanhado pelas tropas nazis é enviado para Auschwitz, onde morre, 1944, com a mulher e o filho mais novo.

Erich Salomon le roi des indiscrets, 1928-1938”, está em exposição no Hotel de Sully do Jeu de Paume até 25 de Janeiro. Surpreendentemente, no ano em que o “Mois de la Photo”, tem como tema a Europa, a retrospectiva de Salomon, o fotógrafo que melhor retratou a Europa política do período entre guerras,


Erich Salomon, Lugano, 1928, encontro de ministros de negócios estrangeiros. Da direita para a esquerda, Austin Chamberlain (Grã-Bretanha), Gustav Stresemann, (Alemanha), Aristide Briand (França) e de costas Vittorio Scialoja (Itália).

não está incluída na programação. Esquecimento?

Neste fim-de-semana em Lima, Luis Alberto Moreno do Banco Internacional do Desenvolvimento (BID), não se esquecendo do passado, proferiu no seu discurso o seguinte: “devemos preservar a abertura comercial que permitiu à América Latina entrar na economia mundial”.





Ler mais...

sábado, novembro 22, 2008

No mar do Japão


Nao Tsuda, Ship shadow of Omi, 2007

Haverá cem mil graus na terra, dez mil sóis, dirão. O asfalto arderá. Uma profunda desordem reinará”, escreve Marguerite Duras no guião para “Hiroshima meu amor”, 1959, ao lembrar o efeito do calor impossível que foi esse dia 6 de Agosto de 1945.
Três dias depois será a vez de Nagasaki. O governo japonês levou dois dias a perceber o que era a bomba atómica e os seus efeitos nefastos. No dia 15 de Agosto o povo japonês ouvia pela primeira vez na rádio a voz do imperador Hirohito: “A guerra”, disse ele, “ não avançou em benefício do Japão. Aliás, o inimigo começou a usar uma bomba nova e cruel. Se continuarmos a combater irá resultar não só num colapso tremendo e na eliminação da nação japonesa como também na destruição total da civilização humana. Por isso temos de suportar o insuportável…” - era a rendição do Japão.


Nesse dia, ao entardecer, o grande fotojornalista japonês, Hiroshi Hamaya, descreve aqui, que subiu ao terraço do templo Zendoji, em Takada, e fotografou o sol, num céu escuro como o breu – “Hinomaru”: o disco rubro do Sol nascente que adorna a bandeira do Japão.

Aproveitando o aniversário dos 150 anos das relações franco - japonesas, o salão Paris Photo, que teve lugar nos dias 13 a 16 de Novembro, foi dedicado ao Japão. Com o tema “A Bomb, 1945/46” a galeria Daniel Blau vestiu o seu stand de preto - a única a lembrar, por quem ali passava, a nação que nesse terrível Agosto, era apocalipticamente destroçada por duas bombas mais brilhantes que dez mil sóis.


Paris Photo 2008

Quando trabalhava na sua série Europa, Paul Graham numa entrevista – “Le Paradis vide, photographies du Japon 1989-1995”, confessava que o que lhe interessava cada vez mais era conseguir registar nas suas fotografias, o peso do passado nas sociedades que fotografava. “Todas essas preocupações”, conta Graham, “tornaram-se mais intensas desde que passei a viajar para o Japão. Sociedade traumatizada pela sua história recente, parece contudo viver uma gigantesca amnésia colectiva. No Japão tentei aprofundar a relação entre a persistência do sonho e essas zonas sombrias da história japonesa, … tentei revelar essa amargura escondida em camadas do seu subconsciente…”.

No salão, para além das galerias japonesas convidadas, que revelaram os trabalhos mais recentes do país, muitas expuseram os artistas japoneses que representam . As cenas familiares de Shoji Ueda, com as dunas de Tottori como décor


Paris Photo 2008

a Shomei Tomatsu, o fundador da moderna fotografia japonesa, não eram esquecidos. A originalidade das imagens de Tomatsu, como a garrafa derretida e deformada pela bomba atómica em Nagasaki, 1961, pode ser vista bem ao centro desta composição.


Paris Photo 2008

Antes de partir para Hiroshima, Alain Resnais disse ao produtor “vou partir para constatar que este filme é impossível” - Resnais não queria fazer mais um filme sobre a bomba atómica, mas junto com Duras, socorrem-se da ficção e inventam uma outra espécie de narrativa, e o impossível torna-se magnífico. Tomatsu, sabe que a verdade anda sempre escondida, e prefere, tal como Resnais, não ir ao encontro do grande evento. Quando, em 1960, o Conselho Japonês decidiu produzir um livro sobre as duas cidades mártires, Tomasu incumbido de fotografar Nagasaki, não fez nenhum esforço para que as suas imagens tornassem o acontecimento legível, ao contrário de Domon que fotografou as cicatrizes das vítimas de Hiroshima. As memórias são para Tomatsu o que mais lhe interessa - traços fugidios que acabam por se revelar os mais perduráveis. Na sua série “The pencil of the sun”, 1971, o mar as nuvens e o céu, que interpreta como grande evento, parecem ter vindo ao seu encontro.


Shomei Tomatsu, da série "The pencil of the sun", 1971

Nos anos 80, no auge de um pujante crescimento económico, a fotografia japonesa refugia-se com Nobuyoshi Araki e Hiroshi Sugimoto na intimidade e na evocação crítica à temporalidade. Nas paisagens marítimas deste último, não há vislumbre de vida – só oceano, céu e uma linha do horizonte, que por vezes a bruma desfaz.


Hiroshi Sugimoto, 1994


Hiroshi Sugimoto, 1990

Intemporais - nada nos indica nada - contêm todo o tempo e revelam-se anteriores à memória, como em todas as suas outras séries.

Na nova vaga nipónica,


Paris Photo 2008


Paris Photo 2008

o mar continua tema central,


Nobuo Asada, da série "A place where the sea is", 1997


Asako Narahashi, Kawaguchiko, 2003


Syoin Kajii, da série "Nami", 2007

e à memória assaltam-nos os tsunamis das gravuras antigas.


Ler mais...

quarta-feira, novembro 19, 2008

Na ambiguidade do dia e da noite

Ao consultar as previsões do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, (IRIS) para o ano 2009, tive por momentos a sensação de ter perdido a noção do tempo. Ao ler os últimos relatórios da actualidade económica parecia simultaneamente ter entrado num passado longínquo, veja-se: “A 1 de Maio de 2008, Gordon Brown sofreu o maior revés na história do partido trabalhista ao perder as eleições legislativas parciais que tiveram lugar no Reino Unido”, e mais à frente o vaticínio: “a substituição de G.Brown por David Miliband é previsível”. Num outro relatório, a inflação galopante causada pelo elevado preço do petróleo e das matérias-primas, consequências de um elevado consumo mundial – a grande preocupação de um outro analista. Do dia para a noite, Gordon Brown passou a ser o maior e Trichet, que em Junho, muito teimosamente ainda subia as taxas de juro, esquece-se agora da inflação que o obcecou durante anos, para se preocupar com a recessão, baixando já por duas vezes essas mesmas taxas de juro. Num dia adormecemos inquietos com os riscos de uma inflação causada por um forte consumo mundial e acordarmos no dia seguinte com os riscos de uma recessão profunda que nos inquieta ainda mais – o mundo baralhou-se e tornou-se surreal e perturbante.
E nesta fotografia,


Thomas Weinberger, West, Portugal, 2008

Lisboa está preste a acordar ou prepara-se para dormir?

Thomas Weinberger também nos baralha, o céu de um cinzento sem nuvens e as luzes estranhas dos candeeiros deixa-nos sem noção do tempo e ficamos à deriva, não no mar mas em terra. O seu truque, que não se coíbe de revelar, mas que demorou a descobrir, parece afinal simples: depois de fazer a primeira exposição durante o dia, espera no mesmo local pacientemente pela noite. Faz então a segunda exposição, tão longa, que nalgumas os rastos do que por ali se movimentou, ficam registados.


Thomas Weinberger, Alexanderplatz, Alemanha, 2003

Depois combina as duas imagens – diurna e nocturna – numa fotografia única, o resultado, estas atmosferas surreais e perturbantes que são bem o reflexo do tempo em que vivemos.

Habituados a comparar por décadas os desenvolvimentos económicos do século XX, tal como as épocas diferentes destas casas em Alcântara se sobrepõem em camadas,


Thomas Weinberger, Al-Kantara, Portugal, 2008

chegamos a 2008 espantados mas finalmente conscientes dos riscos, que ninguém ou quase, previu deste mundo desenfreado em que vivemos. Será que ao mundo financeiro só lhe resta a última camada, o local onde nascem os ciprestes?

Neste mundo desenfreado, no deserto do Dubai, ainda há uns anos habitado por beduínos a viver em tendas, surgem as mais altas torres do planeta.


Thomas Weinberger, Marina Dubai, Emirados Arabes Unidos, 2006

As luzes eléctricas no topo dos guindastes indicam que durante a noite a construção não pára - para chegar aos 800 metros de altura, que os promotores imobiliários esperam, nada pode parar.

Thomas Weinberger, que deixou a arquitectura pela fotografia, ao contrário dos economistas percebeu o mundo global das metrópoles que nunca dormem - da arquitectura fica o seu interesse pela paisagem urbana.


Thomas Weinberger, Zone 30, Alemanha, 2004

Se os moradores destas casas ajardinadas de um bairro de Munique parecem dormir, ao fundo três chaminés de uma central térmica vibram de luz, produzindo durante a noite a energia que a cidade consome de dia.

Quando o preço do petróleo em Julho atingia 147 dólares por barril, e o mundo exigia mais produção, na refinaria Esso,


Thomas Weinberger, Craker, Alemanha, 2003

já a funcionar dia e noite, a única alternativa possível foi deixar os preços subir. Com o sol a brilhar no horizonte, Weinberger sintetiza o dia e a noite, que já não se distinguem.

No mundo globalizado não são só as indústrias e refinarias que pulsam dia e noite,


Thomas Weinberger, Kühltürme, Alemanha, 2004

as empresas também não dormem pois não conseguem sobreviver se limitarem a sua actividade a um único Estado, mesmo quando se trata de um grande país - e enquanto os europeus dormem,


Thomas Weinberger, Genova, Itália, 2005

na Austrália,


Thomas Weinberger, Walt Sydney, Austrália, 2007

na mesma empresa continua-se a trabalhar. No século XXI, quando as multinacionais começaram a dominar os mercados, os economistas passaram a falar de criação horizontal de valor como a horizontalidade destes painéis


Thomas Weinberger, I.E.P.E., Espanha, 2007

que publicitam estas empresas que podem ter capitais chineses, indianos, franceses…a sua sede em Nova Iorque, Madrid, Palo Alto…administradores Coreanos, Espanhóis, Portugueses…e estarem cotadas nas Bolsas de Frankfurt, Hong Kong, Wall Street...

Será que agora só há uma única saída - o desconhecido,


Thomas Weinberger, Rosebud, Austrália, 2007

como “Rosebud” foi o segredo de uma vida em Citizen Kane ?

Na Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, a exposição “Nuits Claires” de Thomas Weinberger pode ser vista até 19 de Dezembro, e no catálogo, o comissário Jorge Calado prevê “…que le prochain pas (do fotógrafo) sera la superposition de deux images, la diurne et la nocturne, mais pas totalement identiques…Nous verrons”.
Será, pensei eu ao ler os relatórios do IRIS, que vale a pena ler as previsões para 2009? Nous verrons.


Ler mais...

sexta-feira, novembro 07, 2008

Pherographia: Drawing by Ants

Inaugurou hoje na p4photography a exposição “Timor Mortis Conturbat me” de Carlos Miguel Fernandes.



A origem da vida é um mistério, o futuro do homem, no extremo oposto, um outro mistério, no meio intercalam-se os mistérios da vida que o homem incessantemente procura desvendar.

Em 1859 Darwin publicava a “Origem das Espécies”, obra primordial da ciência que contribuiu para ampliar a nossa visão do mundo abrindo o espírito do homem a uma abordagem global.
Lembro-me no liceu, na disciplina de Ciências da Natureza, estudar a experiência de Miller. Miller, na década de 1950, simulava no laboratório as condições que pressupostamente existiam nos primórdios da terra. Ainda registo em memória, a fotografia, reproduzida no compêndio, do seu laboratório, onde se via um intrincado circuito de balões de vidro com líquidos em ebulição. Miller tentava decifrar a origem da vida, e chegara aos aminoácidos, a partir dos quais se constroem as proteinas, material fundamental da matéria viva. As suas experiências situavam o problema da origem da vida no contexto evolutivo, no entanto faltou decifrar o passo essencial, a ligação entre a matéria inerte e a matéria viva.
Mas no próprio momento em que se descobriam as unidades mais simples da matéria e da vida, a ciência progrediu, e o modelo analógico deixou de servir porque se tornou impossível estudar a natureza de forma aditiva e linear – o homem percebia que a complexidade da natureza só poderia ser estudada com novos instrumentos que abordassem essa complexidade organizada. A necessidade aguça a inovação e logo o homem criou instrumentos que permitiram estudar a natureza através de uma outra abordagem - a sistémica. Hoje os computadores são os novos laboratórios onde se estuda a vida e os fenómenos naturais, e onde é possível a simulação de experiências utilizando universos artificiais. É neste contexto, dos universos artificiais que se situa o trabalho de Carlos Miguel Fernandes,



e o universo escolhido, uma colónia de formigas artificiais. Num habitat, criado artificialmente, o estudo centra-se nas interações das formigas artificiais e a sua adaptação a um novo ambiente. Uma formiga isolada não conseguiria criar as figuras que, agora, podemos ver na exposição, sendo necessário um número mínimo delas para se estabelecer uma rede de comunicações que resulta numa imagem. Dispersas no início, ocupando o espaço total, concentram-se ao fim de um determinado tempo nas zonas onde o contraste da imagem digital é maior, deixando livres os locais onde quase não existe contraste. Nesses locais de maior contraste, as formigas concentram-se e libertam feromona (artificial) resultando o desenho. Carlos Miguel Fernandes fotografa os desenhos que resultam da feromona libertada, mas também os desenhos formados pela concentração das formigas - um novo pontilismo da electrónica.



As formigas, uma das espécies mais antigas, são a espécie animal mais numerosa, mais diversificada, mais activa, talvez a mais forte da criação. As formigas cultivam a terra, constroem cidades, apagam fogos, organizam migrações...e não sofrem modificações sensíveis há mais de 600 milhões de anos. Nas suas actividades intensas e multiformes notou o homem uma repetição escrupulosa e infalível. Na década de 1960, alguns cientistas, que acreditavam que a evolução das espécies continuava, viram nestas colónias de formigas o hipotéctico homem do futuro. Nas suas hipóteses previam que a consciência e inteligência do homem tendiam a desaparecer e em substituição uma repetição automática e perfeita das mesmas funções continuaria a manter a espécie humana. Hoje sorrimo-nos com tal hipótese, porque o homem, pela ciência actual já não é visto como um somatório de comportamentos. A natureza humana é complexa, e os seus comportamentos só são compreensíveis se analizados por sistemas que o estudem em interação com o seu meio total.
Lembro-me de sorrir, ao estudar ainda no liceu, a experiência de Jean Baptiste Van Helmont (1577-1644) que fornecia uma receita para fabricar ratos em 21 dias. Bastava juntar grão de trigo e uma camisa suada de um homem dentro de uma caixa. O suor desempenhava o papel do princípio vital - Van Helmont acreditava no princípio da geração espontânea.
O universo artificial criado por Carlos Miguel Fernandes está longe de extrair tais hipóteses, bem pelo contrário. A ciência evoluiu da química, dos balões de ensaio de Miller para a electrónica, para o universo artificial dos computadores. A fotografia também ela evoluiu da química, dos sais de prata para a electrónica, os pixels, estamos agora na era da fotografia digital, mas este salto evolutivo da ciência foi tão grande que atordoou os mais cépticos.




Julgou o homem que a fotografia desapareceria, como desapareceram muitas das espécies de forma brusca e inexplicável, mas felizmente a fotografia continua, e Carlos Miguel Fernandes, engenheiro e fotógrafo, apoia-se na realidade dos factos, num conjunto de negativos de retratos de anónimos que ainda tresandam a fixador de tão mal lavados, para realizar as suas experiências com os novos universos artificiais, criando uma espécie de câmara digital onde formigas artificiais desenham com feromona os contornos dessas fotografias, procurando nesta integração, analógico - digital uma nova abordagem que apela a imaginação.



Mas falta referir uma parte fundamental do modelo – a evaporação que elimina, tal como o fixador da fotografia analógica, o que não interessa e sem ela, o modelo não produziria os resultados que se observam. É a evaporação que permite às formigas corrigir erros ou readaptarem-se a um novo ambiente.



Carlos Miguel Fernandes compara a evaporação ao esquecimento propondo uma possível analogia com os fenómenos neurológicos, como Chialvo e Milonas que defendem poder existir uma analogia entre o comportamento das formigas e a auto-organização dos neurónios.

Há uns meses atrás, depois de uma visita ao Instituto Superior Técnico, maravilhada com a “Pherographia: Drawing by Ants” de Carlos Miguel Fernandes, pedi-lhe que escrevesse um texto para publicar neste blogue.
“Onde está a fronteira entre a obra de Engenharia e a obra de Arte?”, interroga-se.

O mistério da vida continua por decifrar, como por decifrar está o mistério da Arte na Ciência.



Ler mais...