Escrever sobre um grande fotógrafo como foi Walker Evans, (1903-1975) é difícil.
Walker Evans, Self-Portrait, Juan-les-Pins, France, 1927
Se o risco de cair na repetição é grande, pior é terminar o texto, com tanto ainda por dizer, como me sucedeu no último post. Felizmente um comentário deixado por Tomé: “mas posso desde já dizer que (Walker Evans) foi também um dos que mais me influenciou”, veio aliviar a minha frustração, e hoje regressamos ao fotógrafo, que ao inovar, com o seu estilo tão próprio, influenciou e continua a influenciar gerações.
Em Março 2006, por ocasião da exposição no Jeu de paume - “Ed Ruscha - Photographe”, o artista, considerado um dos pioneiros da Pop Art, numa entrevista a um jornal respondia assim à questão sobre o seu interesse pela fotografia: “enquanto estudava tirei também um curso de fotografia onde tive consciência da importância de fotógrafos como Walker Evans e Robert Frank. Eles influenciaram-me muito, assim como Marcel Duchamp. Cresci no Oklahoma, que no imaginário das pessoas é uma terra perdida. Walker Evans “avait fait” Oklahoma, aliás como também Robert Frank…nunca me vi como fotógrafo, contudo sei que a fotografia teve uma influência indirecta na minha pintura”.
Walker Evans não fotografou o Oklahoma, mas Ruscha não se enganou, as pequenas cidades – nas “terras perdidas”, o meio termo, entre a grande cidade e a paisagem, que ficaram imortalizadas nas fotografias de Evans são como símbolos da nova vida urbana americana desses anos. Se em “Truck and Sign”,
Walker Evans, Truck and Sign, 1930
a palavra “damaged” era um presságio para o uso comum de palavras tanto ao gosto dos artistas Pop,
Ed Ruscha, Tulsa, 1967
na “Route 66”, que ligava Los Angeles a Oklahoma City, distância que percorreu vezes sem conta, Ruscha não resistiu ao efeito que as gasolineiras de Evans lhe provocaram.
Walker Evans, Highway corner, Reedsville, west Virginia, 1935
Walker Evans, Roadside View, Alabama Coal Area Company Town, 1936
Ed Ruscha, do livro Twentysix Gasoline Stations, 1962
Não será o único, e no ambiente artístico de Los Angeles, o actor Dennis Hopper
Denis Hopper, Los Angeles, 1961
e o artista John Baldessari
John Baldessari, Looking East on 4Th and C, Chula Vista, California, 1967
também não resistem à influência.
Em Nova Iorque, o uso da fotografia inspira também essa geração de artistas. Se Robert Rauschenberg, fazia montagens com fotografias, James Rosenquist, influenciado pelos “billboards”, de que Evans tanto gostava,
Walker Evans, Torn Movie Poster, 1930
pintava em tela o imaginário fotográfico dos cartazes pintados ainda à mão que Evans fotografou.
James Rosenquist, Marilyn Monroe, I, 1962
O vocabulário fotográfico de Evans era agora transposto para uma tela pintada - a diferença, a fotografia já não está presente mas implícita. A identidade americana, a matéria-prima de Evans, reaparecia e prosperava trinta anos depois nesta comunidade de artistas.
Mas a Nova Iorque dos anos 60, não era só Pop Art, e os fotógrafos, de olho atento na Fifth Avenue que nunca pára, registavam um novo olhar, diferente de “American Photographs”, 1938, de Evans, e de “The Americans”, 1958, de Frank. É a geração de Garry Winogrand, Lee Friedlander, Diane Arbus, Tod Papageorge, Joel Meyerowitz, Tony Ray-Jones…, a geração da “street photography, a geração das manifestações de rua, a geração que receia a bomba atómica, a geração que tornou frágil a ordem que entretanto se estabelecera, a geração do Woodstock, a última geração a utilizar o preto e branco para representar esse mundo de mudança. Inevitavelmente estão longe da América de Evans - dos primórdios da cultura do carro e do cinema, e longe da ordem em que viviam os americanos que Frank ironizou. Mas no mundo de mudança e turbulência reconhecem a sua dívida e fonte de inspiração. Em Cambridge Massachusetts, Lee Friedlander fotografa esta imagem de Evans encostada à transparência do vidro da janela.
Lee Friedlander, Cambridge Massachusetts, 1975
Na rua uma série de casas parecem replicá-la - é a sua homenagem ao grande fotógrafo.
E Frank, para além de uma América racista que ambos encontraram e registaram,
Walker Evans, Minstrel Showbill, 1936
Robert Frank, Trolley - New Orleans, 1955
o que viu ele mais em Evans?
“Frank found in Evans work not only a guide to what he might photograph in America, but a vision of how he might understand what he saw there”, escreve Tod Papageorge, no catálogo da exposição que organizou, “Walker Evans and Robert Frank: An Essay on Influence”, na Yale University Art Gallery, em 1981. E para exemplificar, Papageorge, mostra lado a lado, Stamped Tin Relic, que mostrámos no post anterior, com a bandeira americana fotografada por Frank no dia da celebração do Fourth July.
Walker Evans, Stamped-Tin Relic, 1929
Robert Frank, Fourth of July, Jay, New York, 1955
Aparentemente diferentes que comparação vê Papageorge?: “Apart from being stunning photographs”, escreve, “they speak of a mutual skepticism – the ionic column is crushed, the flag immense and torn – and of both photographers’ gift for symbol-making”.
Mas num mundo a cores, a fotografia continuava a preto e branco. Em 1972, com a série “American Surfaces” de Stephen Shore, na Light Gallery em Nova Iorque, dava-se o ponto de viragem - banalidade do dia a dia, que se confundia com as fotografias a cores dos álbuns familiares entrava nas galerias.
Walker Evans, conhecido como fotógrafo do preto e branco, o pai do chamado “estilo documental”, em relação à fotografia a cor dizia (1969): “só são precisas quatro palavras para a definir: fotografia a cor é vulgar”, porém já no final da sua vida, convertia-se à nova polaroid SX-70. Ao experimentá-la o seu entusiasmo foi tal que, durante o ano de 1973, fez mais de 2600 polaroids a cor. “O paradoxo é normal em mim, se há uns anos dizia que a fotografia a cor era vulgar, agora estou convertido à cor porque quando fotografo um objecto e o pretendo vulgar, só o consigo se fotografar a cores”.
Se iniciei com um comentário, termino com um outro comentário, de um outro fotógrafo, Carlos Lobo, num post, que escrevi há mais de um ano sobre Stephen Shore:
“Deixo-lhe uma história curiosa que o Stephen Shore nos contou durante o curso na Gulbenkian. Muitas vezes, durante as suas viagens de trabalho, quando se encontrava em momentos de impasse criativo, a forma que encontrava para ultrapassar esses momentos era viajar até à cidade seguinte e reflectir do seguinte modo: Que tipo de fotografias Walker Evans faria nesta cidade?
Assim, ao colocar-se no mind frame de um outro fotógrafo, era capaz de se libertar dos seus bloqueios criativos.
Além de revelar uma honestidade e humildade impressionante, Stephen Shore, é também mais um testemunho da importância de Evans para a história da fotografia”.
Será que foi num desses momentos de impasse que Shore tirou esta fotografia?
Stephen Shore U.S. 10, Post Falls, Idaho, 1974
Agora é a vez de comparar Evans com os Europeus, e na Fundação Cartier-Bresson inaugurou há dias, Henri Cartier Bresson /Walker Evans.
Inevitavelmente só me resta ir vê-la.
terça-feira, setembro 23, 2008
De regesso a Walker Evans
Etiquetas:
Mudanças
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
"No fim da década de 1950, Evans tinha feito fotos da janela de um trem em movimento. Agora, fotografava uma guarita de sinalização e uma estação depois que o trem havia passado, quando o único sinal de sua passagem era a caixinha de flores que ele havia feito balançar. O tempo, como o trem, se foi, para outro lugar. O documental fez-se inseparável do lírico." (Geoff Dyer)
Evans construiu um repositório de lembranças, de paisagens, de uma caixinha de flores ao documental da memória americana.
Parabéns, Madalena, seus textos são excelentes e constituem uma referência para mim.
Um grande abraço
meg obrigado por acrescentar o Geoff Dyer
Enviar um comentário