Henri Cartier-Bresson, Derrière la Gare Saint-Lazare, Paris, 1932
A 22 de Agosto celebrou-se o centenário do nascimento do “fotógrafo mais conhecido e idolatrado do mundo” – Henri Cartier-Bresson (1908-2004). A lembrar tal efeméride, Jorge Calado no Expresso, (23 de Agosto), escreveu um artigo relembrando o “mestre”.
Num apontamento, ao lado de uma das imagens mais conhecidas que Cartier-Bresson tirou em Portugal, “Lisbonne, (Woman at Confessional), Mosteiro dos Jerónimos”, 1955, Jorge Calado escreve o seguinte: “H.C.B. não gostou de Portugal. Ou não gostou o suficiente para nos incluir no célebre livro “Les Européens”, publicado em 1955 – o ano da viagem a Portugal. Não admira. Visitou-nos quando desesperávamos com a eternidade do ditador no poder…Não sei quantos rolos fez durante a sua estada portuguesa. Conhece-se uma dúzia de fotografias, mas sei que H.C.B. acabou por reduzir a escolha a duas – a do Castelo de S. Jorge e a dos Jerónimos -, não permitindo a comercialização de mais nenhuma…”.
Filho de uma família rica da burguesia têxtil, Bresson militou sempre à esquerda, mas em Portugal, no país que não gostou, não fotografou só os pobres, como os homens que vestem roupas remendadas no Castelo de S. Jorge, mas foi em Cascais conviva da alta burguesia portuguesa e não deixou de fotografar uma festa privada em casa de uma dessas famílias.
Henri Cartier-Bresson, Cascais, 1955
Em conversa com amigos, não deixei de reparar no espanto, que em alguns causou, Bresson não ter incluído Portugal no “Les Européens”.
É difícil escrever sobre Cartier-Bresson sem cair na repetição, e foi o que aconteceu, quando o artista faleceu a 3 de Agosto de 2004. Jornais e revistas de todo o mundo quiseram homenagear o fotógrafo, mas ler um artigo era ler todos os outros. Contudo, as excepções só confirmam a regra, e a 9 de Outubro desse ano, o jornal Expresso publicou o artigo – “Atrás da Estação de São Lázaro”- de Jorge Calado. Curiosamente um mês depois, Patrick Roegiers, na revista ““Connaissance des Arts”, escolhia também a mesma imagem, esta imagem icónica, considerada obra prima de Bresson, para mostrar “o instante decisivo” do fotógrafo, mas preferiu chamar-lhe – “Place de l’Europe”, o nome original. A Praça da Europa em Paris, onde confluem as ruas de Roma, Viena, Madrid, Constantinopla, Leninegrado, Liège e Londres, fica por detrás da Gare Saint-Lazare. Ao chamar “Derrière la Gare Saint-Lazare, Paris, 1932” em lugar de “Place de l’Europe, Paris, 1932”, a imagem passa a ter outra leitura pois logo percebemos a pressa do homem em primeiro plano, que certamente corre para apanhar um comboio.
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Escolher um ou outro nome não é indiferente, refere Calado, (a não ser para os moradores da zona onde a fotografia foi tirada, que conhecem o local como a palma das suas mãos), e aí o meu interesse em comparar as duas análises.
Bresson tinha apenas 24 anos quando tirou esta fotografia. Acabava de regressar da Costa do Marfim e ainda estava longe de chamar “instante decisivo” ao seu talento. Mas se ainda não teorizara sobre o assunto esta sua fotografia, como ambos referem, revela já bem esse instante.
Ambos vêem na fotografia várias fotografias. Roegiers, mais preciso, enquadra-as na própria fotografia,
retirada da "Connaissance des Arts", Novembro 2004
e guia assim o espectador nas várias coincidências que vê.
Ambos ressaltam a intemporalidade e dinamismo da imagem e ambos vêem o reflexo da silhueta na água,
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o que fere e nos agarra, - o punctum da imagem como diria Barthes. A sombra na água, é para Roegiers, o que sustenta este homem heróico que corre apressado, em que o salto do sapato, que não chega a pisar a água, torna mágica a fotografia, um segundo depois, e o reflexo era desfeito.
Ambos vêem a silhueta do homem duplicada na bailarina do cartaz preso no gradeamento mais atrás.
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Mas nem tudo é geometria e Roegiers, vê o caos emergir em pequenos detalhes – a escada tombada, o monte de gravilha e o semi-círculo do arco, detalhes, como diz, que servem para ordenar a geometria da sua composição.
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Calado vê o caos, no montão de pedras ao fundo, encostada às grades e na terra esquecida do primeiro plano junto aos arcos. E agora sim, entra o olhar aguçado de Calado que vai mais longe. E que mais vê ele ?
Na estrutura de suporte na cobertura da gare, em cima, à esquerda,
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vê a escada abandonada no charco, e o grande ausente, mas presente, como refere, são os próprios carris do caminho-de-ferro, com as suas travessas de madeira, que a escada caída na água evoca. E o mais curioso, continua, são os cartazes que anunciam um recital Chopin pelo pianista Alexander Brailowsky. Rasgados, falta-lhes a inicial B, ficando RAILOWSKY e “Rail”, quer dizer em inglês carril. Para Calado, o caos organizado desta fotografia, serve bem como metáfora para o estado da Europa. Roegiers pelo contrário vê nesta imagem uma metáfora da condição do homem, que tenta se elevar arriscando a utopia do voo.
“Atrás da Estação de São Lázaro”, o título escolhido por Calado abre as portas à imaginação, em oposição à “Praça da Europa”, o título escolhido por Roegiers.
Relativamente a esta imagem Bresson disse o seguinte: “Une palissade entourait des travaux de voirie. J’ai passé mon objectif par une fente juste au moment où l’homme sautait”, seria portanto difícil nestas circunstâncias que Bresson reparasse em todos estes factos e coincidências. “É preciso ter sorte para intuir relações e coincidências”, e esse é um dos mistérios da fotografia.
Se Cartier-Bresson tivesse percebido o olhar aguçado do português, talvez ignorasse o regime do ditador e incluísse Portugal no célebre livro “Les Européens”.
Nota: se é fácil imaginar um "antes", o homem que com a pressa de apanhar o comboio atalhe pelo largo inundado em vez de dar a volta, também é fácil de imaginar um "depois" deste "instante decisivo", e Bresson confirma, que momentos após a ter tirado, o homem escorregara e se estatelara no charco.
Mais uma outra nota, hoje (11/09/2008), recebi um mail com esta informação fantástica:
"Uma curiosidade sobre o post Atrás da Estação de São Lázaro , a livraria Railowsky de Valencia (especializada em fotografia), da qual o Pepe Font de Mora era dono (com o irmão que continua à frente da loja), tem esse nome exactamente por causa desta fotografia. Na altura eles não sabiam era que o nome estava cortado e era Brailowsky.
Até o lettring e o símbolo são copiados do original. Hoje em dia o ícone está tão sincupado (e até rodaram a figura) que já não se percebe que o homem está a saltar, antigamente percebia-se melhor". Fica então aqui o link desta livraria:
sexta-feira, setembro 05, 2008
Atrás da Estação de São Lázaro
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Exposições/Livros/Colecções
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8 comentários:
Embora seja "irrelevante" para esta discussão, a edição de 1999 da "Thames & Hudson" (com 187 imagens) inclui sete imagens do nosso país...
Infelizmente nunca tive o prazer de folhear a ediçao original.
Obrigado pelo post!
Miguel, não é "irrelevante" pois é sempre bemvinda informação sobre o assunto.
Já agora e para quem está interessado aproveito e refiro que em Junho de 2007, neste blogue, em "Retratos de Henri Cartier-Bresson", mostro mais uma fotografia que Bresson tirou em Portugal, Praia do Tamariz, Estoril.
Olá Madalena Lello,
Precisava de entrar em contacto consigo, se puder enviar um email para ruim.alvesdasilva@gmail.com
Cumprimentos,
Rui M. Alves da Silva
Em "The Portugal I Love", de Jacques Chardonne, Paul Morand e Michel Déon, com fotografias de Cartier-Bresson, Yan (Jean Dieuzaide), Inge Morath e outros, na tradução inglesa do original francês, editado pela Tudor Publishing Company, 1963, encontramos 15 fotografias de Cartier-Bresson, de Portugal, diferentes das 'conhecidas', no geral com o cunho de HCB, quer nos olhares, quer nos gestos: Braga, Viana do Castelo, Guimarães, Porto, Nazaré, Óbidos, Caldas da Rainha, Praia do Estoril, Arrábida e Viana do Alentejo.
Ei moça, sempre me encanta passear por suas terras. Parabéns e obrigada!
Quero agradecer ao Rui e ao António todas as dicas...e ao Brasil, à Danielle Ribeiro, o interesse em visitarem tanto este blog
Beautiful photos :)
ótima análise da fotografia do Bresson. Muito boa mesmo!
Parabéns pelo espaço. Já estou segindo!
Abraços da extraterrestre!
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