Carlos Miguel Fernandes, Belgrado, Setembro 2005
Domingo foi dia de eleições na Sérvia, ontem os jornais anunciavam a vitória dos pró-europeístas de Boris Tadic, mas a falta de uma maioria era a má notícia. Interrogados na rua, os sérvios revelavam a sua apreensão, a falta de uma maioria, (é necessário ter 126 lugares entre o total de 250 deputados), tem levado sucessivos governos a cairem e a estabilidade desejada parece difícil. A declaração de independência do Kosovo, a 17 de Fevereiro, veio precipitar estas eleições. Vojislav Kostunica, o primeiro ministro cessante, dissolveu a coligação com Tadic e o partido liberal G17+, acusando-os de desistirem do Kosovo por continuarem a negociar com a União Europeia. Ontem Tadic apressou-se a dizer que nunca reconhecerá a independência do Kosovo, mas confirma um caminho europeu para a Sérvia.
A década de 90 foi catastrófica para a Jugoslávia. Centenas de milhares de Bósnios, Croatas, Sérvios e Albaneses foram mortos, violados e torturados pelos seus concidadãos; milhares foram forçados a abandonar as suas casas e muitos procuraram o exílio. Durante esses anos, as imagens chocantes dessas guerras, porque foram várias, entraram nas nossas casas, e em frente aos ecrãs de televisão, vivemos, quase em tempo real, a tragédia da Jugoslávia. O massacre de Srebrenica, hoje considerado como um dos eventos mais terríveis da história europeia recente, a destruição de Sarajevo, a capital da Bósnia, outrora uma cidade cosmopolita que fez a glória da Europa Central e do Leste mediterrânico,
Carlos Miguel Fernandes, Sarajevo, Agosto, 2003
Carlos Miguel Fernandes, Sarajevo, Agosto, 2003
a destruição em Mostar, uma cidade no oeste da Bósnia,
Carlos Miguel Fernandes, Bósnia-Herzegovina, Agosto, 2003
da ponte otomana sobre o rio Neretva, a qual datava do século XVI e era um símbolo do passado misto e ecuménico da cidade,
Carlos Miguel Fernandes, Mostar, Agosto, 2003
são exemplos de uma tragédia, que foi obra do Homem, não do destino, e onde ninguém se destacou por um comportamento honroso.
Belgrado, a capital da Sérvia, “é uma das cidades mais estimulantes que conheci em toda a minha vida”, escreve Carlos Miguel Fernandes no seu blogue “No Mundo”,
Carlos Miguel Fernandes, Belgrado, Agosto, 2004
e melhor do que ninguém, dá-nos a verdadeira imagem do que se passou na região dos Balcãs : “ conheço um pouco do terreno e das gentes para ceder à tentação de diabolizar qualquer etnia: em Split, dormi no apartamento de um croata que combateu na guerra contra os sérvios e cujos olhos, inertes mas atormentados, denunciavam o inferno; em Sarajevo, jantei com um jovem músico, bósnio muçulmano, que perdeu a infância debaixo dos bombardeamentos das tropas de Karadzic; em Novi Sad, conheci uma sérvia, natural de Sarajevo, que não consegue regressar à sua cidade natal porque a perda de todos os seus familiares, no conflito, a tornou emocionalmente incapaz de lidar com um local marcado pela morte; em Liubliana,
Carlos Miguel Fernandes, Lubliana, Agosto, 2003
passei uma noite de convívio e cerveja com um afinador de pianos, filho de mãe eslovena, e cujo pai, de nacionalidade sérvia, perdera a vida na guerra (faltou-me coragem para lhe perguntar em qual das guerras havia falecido o seu pai; a curiosidade é, por vezes, absurda); Joze, o meu amigo barqueiro de Liubliana, não aguentou uma conversa sobre guerras balcânicas durante dois minutos (e na Eslovénia as batalhas duraram pouco mais de uma semana); conheci Sarajevo, estive no sector sérvio e no sector bósnio-croata e pasmei diante da distância (emocional e afectiva) que ainda os separa; estive em Mostar e, no meio do Neretva, com os destroços da lendária ponte a poucos metros, pude observar a margem croata e a margem muçulmana, aparentemente feridas de morte, mas, miraculosamente, a indicar sinais de vitalidade e reconciliação…”
Com a morte de Josip Broz Tito em 1980, a Jugoslávia, que ele reunificara em 1945, estava condenada. O que aconteceu depois de 1989 é hoje alvo de explicações contraditórias. Para alguns a diversidade cultural, a influência oriental do Sul e a influência ocidental no Norte, que Tito manteve unido por um único partido, acabou, levantada a tampa por explodir. Para outros foi a interferência irresponsável de potências estrangeiras que exacerbou as dificuldades locais, e dão como exemplo, a decisão desastrosa do ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Hans-Dietrich Genscher, de ter insistido, 1991, em reconhecer prematuramente a independência da Eslovénia e da Croácia, outros ainda apontam Belgrado como o principal responsável do fracasso do sistema federal jugoslavo, atribuindo a Slobodan Milosevic, que na sua ânsia de poder levou as outras repúblicas a escolherem a separação e a declararem a independência.
Carlos Miguel Fernandes, Belgrado, Setembro 2004
A Jugoslávia não morreu: mataram-na, mas miraculosamente há sinais de vitalidade e reconciliação… e no próximo post, vamos conhecer Belgrado, essa cidade, uma das mais estimulantes, que Carlos Miguel conheceu…
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