“Now getting laid off is no big deal; I mean people get laid off every day; machinists get laid off; pizza cooks get laid off; secretaries get laid off; but this was the first time experts were getting laid off”, escreve Allan Sekula em “Aerospace Folktales”, (1972), - trabalho documental, extraordináriamente inovador para a época, que reúne texto, entrevistas e imagens, e é exposto pela primeira vez na Universidade da Califórnia em San Diego, (1973), onde estudava.
Realizado nos anos setenta, quando o documentário social, “become a bad object”, a actualidade do texto não deixa de surpreender. Hoje, todos os dias, na imprensa de todo o mundo, os despedimentos fazem manchete e ninguém é poupado, nem mesmo os engenheiros especializados da Qimonda.
Allan Sekula, "Aerospace Folktales", 1972
No parque de estacionamento da Lockheed Aircraft, completamente vazio, o pai de Sekula, um Engenheiro químico, deixa-se fotografar, com um amigo, junto à sua carrinha Ford. Cancelados os contratos militares, também ele perdia o emprego nesta empresa aeronáutica do Estado.
Como se explica o elevado desemprego na década de 1970?
Muitos economistas apontam a incompetência dos executivos como o factor principal. O declínio da competitividade pela má gestão, levava, exactamente como hoje, empresas como a Chrysler, à época enredada em traseiras cromadas em rabo de peixe, a evitarem a bancarrota, apenas devido a empréstimos governamentais concedidos no último minuto.
Sem defesas, pois pouco concorrentes, foi fácil à indústria estrangeira escoar os seus produtos mais eficientes. No sector automóvel, com o primeiro choque petrolífero em 1973, os americanos rendiam-se às vantagens dos pequenos carros, bem fabricados e de baixo consumo que o Japão e a Alemanha exportavam. Num ápice, Toyotas e
Volkswagens, comiam as quotas de mercado da Ford e da Chrysler.
Bill Owens, em 1977, fotografa este baby boomer,
Bill Owens, Working: I do it for the money, 1977
de calças à boca de sino e bigode farfalhudo, que vende a mãe se for preciso, em cima de um Toyota.
“I’ve always been sales oriented. If I can sell myself, I can sell the product. I take pride in my customers and have sold nine cars to one family. Every one you meet is different”.
Num país onde o desemprego grassava, este comercial vendia nove carros a uma só família, e nos subúrbios, os baby-boomers constituíam família e viviam felizes.
Bill Owens, Suburbia, 1977
“We are really happy. Our kids are healthy, we eat good food and we have a really nice home”
Na longa entrevista ao pai e à mãe, em “Aerospace Folktales”, Sekula ouve do engenheiro a mesma explicação dos economistas : “What worries me more than anything else is the fact that we are de-emphasizing technological supremacy, we are ignoring completely the necessity of research and development...We constantly are beeing challenged for foreign competition...”
Os demógrafos contudo, tinham outra visão, e explicavam o elevado desemprego com o aumento exponencial de jovens qualificados – a geração do baby boom – que tirava o lugar aos mais velhos.
Sekula, um baby boomer - que nos anos setenta enchiam as universidades e provocavam violentos protestos contra a Guerra do Vietname – explica no texto a razão que o levou a fazer “Aerospace Folktales”: “I’ve got to understand these things, after all what about my future, I mean, I better be prepared for the future…” e através do texto e imagens, entramos no seu ambiente familiar – “this material is interesting only insofar as it is a social material”.
Nos subúrbios de Los Angeles,
Allan Sekula, "Aerospace Folktales", 1972
essa enorme cidade que não parava de crescer – o impacto do baby boom a deixar as suas marcas - a arrumação e a ordem no interior da casa contrastam,
Allan Sekula, "Aerospace Folktales", 1972
Allan Sekula, "Aerospace Folktales", 1972
com o caos e a delinquência juvenil, que passou para o topo das preocupações sociais. Para o pai, a casa, “...his only defense…and so everything had its place...”.
“...my parents wanted us (me and my brother), to be provided with the keys to sucess…”
Allan Sekula, "Aerospace Folktales", 1972
“...now I should note that the interior decoration was almost exclusively my father’s domain...”,
Allan Sekula, "Aerospace Folktales", 1972
“...so my father built a plywood bookcase and painted it white...”
Allan Sekula, "Aerospace Folktales", 1972
“...then he subscribed to a book purchasing plan to fill the bookcase...”
Allan Sekula, "Aerospace Folktales", 1972
“...I don’t understand now how he chose the books...”
Allan Sekula, "Aerospace Folktales", 1972
“... but it was a really a crazy selection...”.
Conflito de gerações?
Allan Sekula, "Aerospace Folktales", 1972
Allan Sekula, Self Portrait,1972
Na década de 1990, o crescimento sólido da economia, fez descer drasticamente o desemprego. Os baby boomers, a geração que tão decididamente deixara a sua marca em todas as décadas desde 1950, estava a entrar na idade dos quarenta e cinquenta anos – os anos de maior trabalho e de mais poupanças, e o país elegia para seu Presidente um baby boomer - Bill Clinton. Houve um grande aumento de produtividade nas fábricas americanas. A geração dos gestores provenientes do baby boom, não se limitou a absorver as práticas japonesas; baseou-se em desenvolvimentos especificamente americanos na computação distribuída e nas comunicações digitais que floresciam por essa altura. Um grande fluxo de liquidez entrou nos fundos de pensões. Olhando para trás – talvez os anos gloriosos na economia americana.
Hoje, economistas e demógrafos são consensuais, a geração do baby boom, agora a entrar na reforma, novamente no topo das preocupações sociais – quem lhes irá pagar as tão desejadas reformas que eles tanto descontaram?
Os baby boomers, a geração incómoda?
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sexta-feira, janeiro 30, 2009
quarta-feira, janeiro 28, 2009
Davos 2009
Em Davos, no pico dos Alpes suíços, começou mais um Fórum Mundial de Economia. Klaus Schwab, o fundador do Fórum, (1971), já veio dizer, que a actual crise económica “is the biggest since Davos began” e as habituais estrelas de Wall Street, que por esta altura subiam à montanha mágica, celebrizada na novela de Thomas Mann, já não constam na lista de convidados. No Belvedere Hotel, alguns clientes habituais, como o ex-CEO da Merrill Lynch, John Thain, que na semana passada perdeu o seu emprego no Bank of America, já não estarão presentes. Para Schwab, os políticos tomam agora o lugar dos investidores privados - “the pendulum has swung and power has moved back to governments” - e Gordon Brown, o primeiro ministro inglês, já é visto como o “Davos Man” de 2009. Na agenda, “Shaping the Post-Crisis World”, irá entreter os políticos convidados.
Em 2004, Luc Delahaye, fotografava em Davos, no Belvedere Hotel, este almoço informal oferecido pelo Presidente Musharraf.
Luc Delahaye, A Lunch at the Belvedere, 2004, 135 x 290 cm
Nesta mesa comprida, bem ao centro, o inevitável George Soros - o único sem gravata -olha para baixo, para a toalha branca.
Detalhe
Á sua direita, o anfitrião, Pervez Musharraf, parece um pouco tenso ou talvez até irritado, olhe-se para as suas mãos. Na mesa, os menus ainda de pé e os copos de água, com o líquido ao mesmo nível, indicam que o almoço está no início. Conversam dois a dois, no máximo três, pois o formato da mesa não permite outra forma de diálogo. “Vamos pensar no que poderia ter acontecido se esses executivos tivessem interagido, falado com pessoas que vivem em mundos distintos do seu…provavelmente teriam tomado decisões muito diferentes e optado por uma liderança também ela diferente”, escreve Hal Gregerson, professor no Insead, no seu livro mais recente sobre a crise actual.
Mas será, que mesmo entre eles se ouvem? Será que Soros está a ouvir o que diz Musharraf? Não estará ele antes absorvido nos investimentos do seu hedge fund? “Quando a crise surgiu, em Agosto de 2007, considerei a situação tão grave que não me senti à vontade para deixar a gestão da minha fortuna nas mãos de outros”, lemos no seu livro.
Este ano, no Belvedere Hotel, o caviar já não consta no menu, e os champanhes Dom Pérignon e Krug são substituídos por simples vinhos brancos, a crise também chegou à montanha.
No ano passado Davos encheu-se de banqueiros e de gurus de Wall Street. O sistema financeiro dava sinais de ruptura, mas nada melhor do que o ar puro da montanha para os inspirar. No final do encontro, regressavam descansados, seja o que for que tivessem feito de errado, sabiam que as instituições que geriam eram “too big to fail” - os Bancos Centrais salvá-los-iam injectando dinheiro suficiente para os livrar dos problemas. Mas será que algum previu, que passado um ano, o seu nome seria riscado da lista de Schwab?
Em Março, poucas semanas depois do encontro, o Banco Bear Stearns era vendido simbolicamente por um dólar. Ralph Cioffi, um dos gurus de Wall Street, que geria dois dos seus fundos que investiam basicamente em títulos garantidos por obrigações, percebia que os activos em carteira não tinham comprador, os milhares de milhões sob gestão, afinal nada valiam, e a primeira peça do dominó caía.
Em Hong Kong, Andreas Gursky fotografou a Bolsa de Valores.
Andreas Gursky, Hong Hong Stock Exchange, Diptych, 1994, 191 x 263.5cm
Andreas Gursky, Hong Hong Stock Exchange, Diptych, 1994, 191 x 263.5cm
Será que as transacções destes brokers têm valor real? E a sala, será real ou terá sido manipulada no Photoshop?
Se olharmos para esta terceira imagem,
Andreas Gursky, Hong Hong Stock Exchange, 1994, 205 x 315cm
percebemos que afinal fomos enganados, as filas de brokers duplicados no díptico, parecem reais - a manipulação foi perfeita.
Impõem-se perguntar como é que aqui chegámos? Como fizeram os banqueiros, negócios de biliões de dólares, com hipotecas residenciais?
O segredo, uma manipulação perfeita que escapou a todos. Os Bancos, em vez de fazerem o que deveriam fazer, manterem na sua contabilidade os empréstimos e similares, empacotaram-nos e embalaram-nos como obrigações de empréstimos com garantia, (titularização ou securitização), e venderam-nos aos fundos de pensões e a outros investidores. Num instante o negócio alastrou-se no sistema de crédito de todo o mundo. Sem contabilização, os Bancos podiam continuar a cobrar comissões elevadas quase sem comprometerem o seu capital. Só quando a bolha de crédito explodiu, percebemos que fomos todos enganados.
Luc Delahaye, fotógrafo da Magnum desde 1994, e à semelhança de Robert Capa, um dos fundadores da agência, fotografou, durante mais de quinze anos, do Ruanda à Bósnia, os conflitos mundiais do seu tempo. Frustrado com a utilização das suas fotografias pela imprensa – meramente para a ilustração de textos - deixa a Magnum, (2004), facto inédito na história da agência, para se consagrar unicamente ao seu projecto pessoal. À semelhança de Gursky, para além da escolha do grande formato, que lhe permite, como refere “conserver ce qui est hors-champ dans la presse: ce que l’on voit sur les côtés et qui permet justement de comprendre la scène, de montrer une realité dans sa complexité, alors que le photojornalisme privilegie le fragment”, a manipulação, é também o seu segredo para revelar o mundo, que de outra maneira se tornaria invisível.
No século XIX, Davos, tornou-se um destino para os que procuravam tratamento para as doenças pulmonares, Thomas Mann foi um deles e a montanha inspirou-o. No século XXI, Davos, tornou-se o destino dos que procuram tratamento para a doença que criaram - a crise económica mundial.
O homem comum, o homem normal, o contribuinte que no final paga as contas, espera para ver se a montanha os inspira.
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Em 2004, Luc Delahaye, fotografava em Davos, no Belvedere Hotel, este almoço informal oferecido pelo Presidente Musharraf.
Luc Delahaye, A Lunch at the Belvedere, 2004, 135 x 290 cm
Nesta mesa comprida, bem ao centro, o inevitável George Soros - o único sem gravata -olha para baixo, para a toalha branca.
Detalhe
Á sua direita, o anfitrião, Pervez Musharraf, parece um pouco tenso ou talvez até irritado, olhe-se para as suas mãos. Na mesa, os menus ainda de pé e os copos de água, com o líquido ao mesmo nível, indicam que o almoço está no início. Conversam dois a dois, no máximo três, pois o formato da mesa não permite outra forma de diálogo. “Vamos pensar no que poderia ter acontecido se esses executivos tivessem interagido, falado com pessoas que vivem em mundos distintos do seu…provavelmente teriam tomado decisões muito diferentes e optado por uma liderança também ela diferente”, escreve Hal Gregerson, professor no Insead, no seu livro mais recente sobre a crise actual.
Mas será, que mesmo entre eles se ouvem? Será que Soros está a ouvir o que diz Musharraf? Não estará ele antes absorvido nos investimentos do seu hedge fund? “Quando a crise surgiu, em Agosto de 2007, considerei a situação tão grave que não me senti à vontade para deixar a gestão da minha fortuna nas mãos de outros”, lemos no seu livro.
Este ano, no Belvedere Hotel, o caviar já não consta no menu, e os champanhes Dom Pérignon e Krug são substituídos por simples vinhos brancos, a crise também chegou à montanha.
No ano passado Davos encheu-se de banqueiros e de gurus de Wall Street. O sistema financeiro dava sinais de ruptura, mas nada melhor do que o ar puro da montanha para os inspirar. No final do encontro, regressavam descansados, seja o que for que tivessem feito de errado, sabiam que as instituições que geriam eram “too big to fail” - os Bancos Centrais salvá-los-iam injectando dinheiro suficiente para os livrar dos problemas. Mas será que algum previu, que passado um ano, o seu nome seria riscado da lista de Schwab?
Em Março, poucas semanas depois do encontro, o Banco Bear Stearns era vendido simbolicamente por um dólar. Ralph Cioffi, um dos gurus de Wall Street, que geria dois dos seus fundos que investiam basicamente em títulos garantidos por obrigações, percebia que os activos em carteira não tinham comprador, os milhares de milhões sob gestão, afinal nada valiam, e a primeira peça do dominó caía.
Em Hong Kong, Andreas Gursky fotografou a Bolsa de Valores.
Andreas Gursky, Hong Hong Stock Exchange, Diptych, 1994, 191 x 263.5cm
Andreas Gursky, Hong Hong Stock Exchange, Diptych, 1994, 191 x 263.5cm
Será que as transacções destes brokers têm valor real? E a sala, será real ou terá sido manipulada no Photoshop?
Se olharmos para esta terceira imagem,
Andreas Gursky, Hong Hong Stock Exchange, 1994, 205 x 315cm
percebemos que afinal fomos enganados, as filas de brokers duplicados no díptico, parecem reais - a manipulação foi perfeita.
Impõem-se perguntar como é que aqui chegámos? Como fizeram os banqueiros, negócios de biliões de dólares, com hipotecas residenciais?
O segredo, uma manipulação perfeita que escapou a todos. Os Bancos, em vez de fazerem o que deveriam fazer, manterem na sua contabilidade os empréstimos e similares, empacotaram-nos e embalaram-nos como obrigações de empréstimos com garantia, (titularização ou securitização), e venderam-nos aos fundos de pensões e a outros investidores. Num instante o negócio alastrou-se no sistema de crédito de todo o mundo. Sem contabilização, os Bancos podiam continuar a cobrar comissões elevadas quase sem comprometerem o seu capital. Só quando a bolha de crédito explodiu, percebemos que fomos todos enganados.
Luc Delahaye, fotógrafo da Magnum desde 1994, e à semelhança de Robert Capa, um dos fundadores da agência, fotografou, durante mais de quinze anos, do Ruanda à Bósnia, os conflitos mundiais do seu tempo. Frustrado com a utilização das suas fotografias pela imprensa – meramente para a ilustração de textos - deixa a Magnum, (2004), facto inédito na história da agência, para se consagrar unicamente ao seu projecto pessoal. À semelhança de Gursky, para além da escolha do grande formato, que lhe permite, como refere “conserver ce qui est hors-champ dans la presse: ce que l’on voit sur les côtés et qui permet justement de comprendre la scène, de montrer une realité dans sa complexité, alors que le photojornalisme privilegie le fragment”, a manipulação, é também o seu segredo para revelar o mundo, que de outra maneira se tornaria invisível.
No século XIX, Davos, tornou-se um destino para os que procuravam tratamento para as doenças pulmonares, Thomas Mann foi um deles e a montanha inspirou-o. No século XXI, Davos, tornou-se o destino dos que procuram tratamento para a doença que criaram - a crise económica mundial.
O homem comum, o homem normal, o contribuinte que no final paga as contas, espera para ver se a montanha os inspira.
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Política
quarta-feira, janeiro 21, 2009
A Nova Iorque de George Grosz
No ano de 1932, no auge da Grande Depressão, o pintor e caricaturista George Grosz, a bordo do transatlântico New York, que o levava para a cidade do mesmo nome, deixava para trás uma Alemanha, cada vez mais nazi. Em Southampton, o último porto de paragem antes da travessia do Oceano, Grosz, despede-se da Europa sem remorsos.
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
Crítico acérrimo de Hitler e da burguesia ascendente, Grosz, aceita com agrado o lugar de professor que a Art Students League de Nova Iorque lhe oferecera. Não se enganava, no mesmo dia em que desembarcava na capital do Novo Mundo, 4 de Junho de 1932, Hindenburg dissolvia o Reichstag e proclamava eleições urgentes. Poucos dias depois, a 31 de Julho, o partido de Hitler obtinha uma vitória retumbante, e os uniformes com a cruz suástica encheram o parlamento.
A bordo, Grosz, experimentava a sua nova Leica, registando os entretenimentos que o transatlântico proporcionava aos passageiros,
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
Os rigores geométricos da nova objectividade
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
em simultâneo com os planos inclinados da nova visão,
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
denunciam a cidade onde nasceu e viveu – Berlim.
À chegada, a Nova Iorque dos edifícios altos que mais parecem pairar no céu,
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
deslumbrou certamente os passageiros que a viam pela primeira vez. Mas junto à amurada do navio, ficamos curiosos como Grosz: O que faz toda esta gente inclinar-se e olhar para baixo?
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
Afinal, os pequenos barcos piloto, iguais em todo o lado, despertam maior interesse.
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
No ano de 1932, Herbert Clark Hoover, que tentava a reeleição, dizia que as ruas da capital se cobririam de erva se Roosevelt fosse eleito. Hoover parecia não se dar conta que os andares do maior edifício do mundo, o “Empire State Building”, que inaugurara meses antes, com pompa e circunstância, permaneciam vazios.
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
Mas as ervas, se ainda não cobriam a cidade, já cresciam nos carris, cada vez mais ferrugentos, por onde circulavam os vagões das fábricas do país.
Encantado com Nova Iorque, a cidade com que sonhara desde pequeno, Grosz, parece ver como Hoover, uma cidade onde a erva não chegara.
Nas avenidas, rectilíneas e numeradas, as filas de automóveis
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
e peões, que olham para montras repletas de novidades,
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
confundem-se no trânsito.
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
Ao ar livre, acima do nível dos passeios,
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
fazemos o sightseeing turístico da cidade, crise?
nem mesmo os carris dos eléctricos parecem querer enferrujar.
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
Curiosamente, não é através da fotografia, mas do desenho, que Grosz revela como vê a capital do país que vive a maior recessão económica de sempre.
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
George Grosz, Unemployed Veteran, Nova Iorque, 1932
George Grosz, Shoe Shine, Nova Iorque, 1932
No ano de 1932, a América elegia um paralítico, vítima de poliomielite, para seu presidente – Frank Delano Roosevelt, que no seu discurso de tomada de posse, prometeu galvanizar a nação.
Ontem, inspirado em Roosevelt, Barack Obama, no seu tão esperado discurso de tomada de posse, prometeu aos americanos que a América “is ready to lead once more”.
O sonho americano, ao invés do que todos pensam (o carro à porta de casa), é acreditar que é possível dar a volta à adversidade e vencer na vida.
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George Grosz, no navio New York, Junho 1932
Crítico acérrimo de Hitler e da burguesia ascendente, Grosz, aceita com agrado o lugar de professor que a Art Students League de Nova Iorque lhe oferecera. Não se enganava, no mesmo dia em que desembarcava na capital do Novo Mundo, 4 de Junho de 1932, Hindenburg dissolvia o Reichstag e proclamava eleições urgentes. Poucos dias depois, a 31 de Julho, o partido de Hitler obtinha uma vitória retumbante, e os uniformes com a cruz suástica encheram o parlamento.
A bordo, Grosz, experimentava a sua nova Leica, registando os entretenimentos que o transatlântico proporcionava aos passageiros,
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
Os rigores geométricos da nova objectividade
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
em simultâneo com os planos inclinados da nova visão,
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
denunciam a cidade onde nasceu e viveu – Berlim.
À chegada, a Nova Iorque dos edifícios altos que mais parecem pairar no céu,
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
deslumbrou certamente os passageiros que a viam pela primeira vez. Mas junto à amurada do navio, ficamos curiosos como Grosz: O que faz toda esta gente inclinar-se e olhar para baixo?
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
Afinal, os pequenos barcos piloto, iguais em todo o lado, despertam maior interesse.
George Grosz, no navio New York, Junho 1932
No ano de 1932, Herbert Clark Hoover, que tentava a reeleição, dizia que as ruas da capital se cobririam de erva se Roosevelt fosse eleito. Hoover parecia não se dar conta que os andares do maior edifício do mundo, o “Empire State Building”, que inaugurara meses antes, com pompa e circunstância, permaneciam vazios.
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
Mas as ervas, se ainda não cobriam a cidade, já cresciam nos carris, cada vez mais ferrugentos, por onde circulavam os vagões das fábricas do país.
Encantado com Nova Iorque, a cidade com que sonhara desde pequeno, Grosz, parece ver como Hoover, uma cidade onde a erva não chegara.
Nas avenidas, rectilíneas e numeradas, as filas de automóveis
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
e peões, que olham para montras repletas de novidades,
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
confundem-se no trânsito.
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
Ao ar livre, acima do nível dos passeios,
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
fazemos o sightseeing turístico da cidade, crise?
nem mesmo os carris dos eléctricos parecem querer enferrujar.
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
Curiosamente, não é através da fotografia, mas do desenho, que Grosz revela como vê a capital do país que vive a maior recessão económica de sempre.
George Grosz, Nova Iorque, Junho de 1932
George Grosz, Unemployed Veteran, Nova Iorque, 1932
George Grosz, Shoe Shine, Nova Iorque, 1932
No ano de 1932, a América elegia um paralítico, vítima de poliomielite, para seu presidente – Frank Delano Roosevelt, que no seu discurso de tomada de posse, prometeu galvanizar a nação.
Ontem, inspirado em Roosevelt, Barack Obama, no seu tão esperado discurso de tomada de posse, prometeu aos americanos que a América “is ready to lead once more”.
O sonho americano, ao invés do que todos pensam (o carro à porta de casa), é acreditar que é possível dar a volta à adversidade e vencer na vida.
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Cidades/Subúrbios
quinta-feira, janeiro 15, 2009
"bone lonely" de Paulo Nozolino
“Acabo sempre por voltar aos escombros da II Guerra Mundial, que é o ponto de partida da exposição”, refere Paulo Nozolino numa entrevista à revista Ípsilon, sobre a exposição “bone lonely”, que há dias inaugurou na Galeria Quadrado Azul em Lisboa.
Com um simples engenho, o homem reduzia duas cidades a cinzas em sete décimos de segundo - a II Guerra Mundial terminava da forma mais brutal, mas passados todos estes anos, o homem está longe de descobrir o engenho, que voltará a por de pé, em sete décimos de segundo, as cidades destruídas. O mundo decompõe-se, torna-se cada vez mais inabitável, mas pior é a ilusão do homem que finge inspirar-se numa forma de reconciliação.
As 32 fotografias, de pequena dimensão, que vão de 1976 a 2008, “têm como objectivo fazer com que o espectador vá perto delas e tente decifrar o que lá está”.
Seguimos o conselho do fotógrafo, aproximamo-nos, e na primeira imagem salta-nos à vista uma cidade despedaçada.
Paulo Nozolino, "bone lonely"
Sem data, título, localização, nada nos situa no espaço e no tempo. Seguimos conduzidos pelo fotógrafo - “o fundamental nesta exposição é a sequência das imagens” - sem saber o que nos espera.
Vagarosamente, de imagem em imagem, acabamos por sentir, ao longo de todo o horizonte da exposição,
Galeria Quadrado Azul, exposição "bone lonely", Janeiro 2009
a sombra espectral dessa cidade despedaçada que nos persegue em todos os pontos, até nos envolver.
Através da fotografia, Nozolino testemunha o mundo onde vive, testemunha o que vê, e o que ele vê é um mundo que se constrói mas em que o homem não poderá viver nele,
Paulo Nozolino, "bone lonely"
poderá viver sim, mas com a condição de se tornar cada vez menos homem. Porém, por instantes, neste enorme horizonte de escombros, julgamos que ainda há vida na criança, que ao colo do pai, é iluminada por um raio de luz,
Galeria Quadrado Azul, exposição "bone lonely", Janeiro 2009
mas rapidamente regressamos à escuridão das sombras. Obcecada pela imagem da morte,
Paulo Nozolino, "bone lonely"
a humanidade, sacrifica a liberdade, pelo medo que tem de si própria, pelo medo da sua sombra, naquilo em que se transformou. Neste longo horizonte entramos nas imagens como se caminhássemos até ao fim da noite, e numa casa de alterne, tudo nela, nesta prostituta,
Paulo Nozolino, "bone lonely"
está orientado no sentido de receber o macho, de lhe dar o que ele pretende mas a quem se entrega só para lhe extorquir dinheiro. A civilização humana é o homem na sua totalidade: cérebro, coração, alma e corpo. O homem fez a máquina e a máquina fez-se homem, e este novo ser, sem cérebro, coração e alma, deixou de ser livre, e para preencher o vazio que se alastrou e o angustia, procura desesperadamente a felicidade no prazer. O dinheiro, com os seus milhões de ventosas, sugou, dia após dia, tudo o que no mundo ainda havia de honra, a tal ponto, que de tão inchado explodiu. Dia após dia, lemos nos jornais, que os Estados esbanjam milhões e mais milhões, com o fim de preencher, o mais rapidamente possível, um vazio. Desnudado, à espera de ser esquartejado, pouco a pouco, pedaço a pedaço, como o pedaço do puzzle da penúltima fotografia, que não encaixa e deixa um vazio - “essa peça sou eu” -
Paulo Nozolino, "bone lonely"
é o sinal de que o fotógrafo deixou de estar em harmonia com o mundo corrompido que o rodeia.
Como um enorme espelho monstruoso, reflexo do mundo actual, as imagens de Nozolino, não nos deixam viver em paz.
E na última fotografia - “já não temos ilusões” - para Nozolino, a civilização vergou, deixou de ser um dever, uma responsabilidade perante o futuro, sucumbiu aos prazeres e ao lucro. Despojado de coração, cérebro e alma, reduzido meramente ao corpo, a crise actual é a crise de toda a civilização. Não nos iludamos também, o ser humano está falido, completamente liquidado e nada deixará atrás de si, apenas a sua sombra.
GRANDE NOZOLINO.
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Com um simples engenho, o homem reduzia duas cidades a cinzas em sete décimos de segundo - a II Guerra Mundial terminava da forma mais brutal, mas passados todos estes anos, o homem está longe de descobrir o engenho, que voltará a por de pé, em sete décimos de segundo, as cidades destruídas. O mundo decompõe-se, torna-se cada vez mais inabitável, mas pior é a ilusão do homem que finge inspirar-se numa forma de reconciliação.
As 32 fotografias, de pequena dimensão, que vão de 1976 a 2008, “têm como objectivo fazer com que o espectador vá perto delas e tente decifrar o que lá está”.
Seguimos o conselho do fotógrafo, aproximamo-nos, e na primeira imagem salta-nos à vista uma cidade despedaçada.
Paulo Nozolino, "bone lonely"
Sem data, título, localização, nada nos situa no espaço e no tempo. Seguimos conduzidos pelo fotógrafo - “o fundamental nesta exposição é a sequência das imagens” - sem saber o que nos espera.
Vagarosamente, de imagem em imagem, acabamos por sentir, ao longo de todo o horizonte da exposição,
Galeria Quadrado Azul, exposição "bone lonely", Janeiro 2009
a sombra espectral dessa cidade despedaçada que nos persegue em todos os pontos, até nos envolver.
Através da fotografia, Nozolino testemunha o mundo onde vive, testemunha o que vê, e o que ele vê é um mundo que se constrói mas em que o homem não poderá viver nele,
Paulo Nozolino, "bone lonely"
poderá viver sim, mas com a condição de se tornar cada vez menos homem. Porém, por instantes, neste enorme horizonte de escombros, julgamos que ainda há vida na criança, que ao colo do pai, é iluminada por um raio de luz,
Galeria Quadrado Azul, exposição "bone lonely", Janeiro 2009
mas rapidamente regressamos à escuridão das sombras. Obcecada pela imagem da morte,
Paulo Nozolino, "bone lonely"
a humanidade, sacrifica a liberdade, pelo medo que tem de si própria, pelo medo da sua sombra, naquilo em que se transformou. Neste longo horizonte entramos nas imagens como se caminhássemos até ao fim da noite, e numa casa de alterne, tudo nela, nesta prostituta,
Paulo Nozolino, "bone lonely"
está orientado no sentido de receber o macho, de lhe dar o que ele pretende mas a quem se entrega só para lhe extorquir dinheiro. A civilização humana é o homem na sua totalidade: cérebro, coração, alma e corpo. O homem fez a máquina e a máquina fez-se homem, e este novo ser, sem cérebro, coração e alma, deixou de ser livre, e para preencher o vazio que se alastrou e o angustia, procura desesperadamente a felicidade no prazer. O dinheiro, com os seus milhões de ventosas, sugou, dia após dia, tudo o que no mundo ainda havia de honra, a tal ponto, que de tão inchado explodiu. Dia após dia, lemos nos jornais, que os Estados esbanjam milhões e mais milhões, com o fim de preencher, o mais rapidamente possível, um vazio. Desnudado, à espera de ser esquartejado, pouco a pouco, pedaço a pedaço, como o pedaço do puzzle da penúltima fotografia, que não encaixa e deixa um vazio - “essa peça sou eu” -
Paulo Nozolino, "bone lonely"
é o sinal de que o fotógrafo deixou de estar em harmonia com o mundo corrompido que o rodeia.
Como um enorme espelho monstruoso, reflexo do mundo actual, as imagens de Nozolino, não nos deixam viver em paz.
E na última fotografia - “já não temos ilusões” - para Nozolino, a civilização vergou, deixou de ser um dever, uma responsabilidade perante o futuro, sucumbiu aos prazeres e ao lucro. Despojado de coração, cérebro e alma, reduzido meramente ao corpo, a crise actual é a crise de toda a civilização. Não nos iludamos também, o ser humano está falido, completamente liquidado e nada deixará atrás de si, apenas a sua sombra.
GRANDE NOZOLINO.
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Exposições/Livros/Colecções
segunda-feira, janeiro 12, 2009
Europa ou Antieuropa?
O torrão de açúcar, inventado por um checo em 1841, é o símbolo escolhido pela presidência checa, que inaugurou oficialmente no dia 7 deste mês em Praga, o comando da União Europeia.
Milos Dohnány, Still Life, 1933
Mal tomou posse, rotulado de anti-europeu, o governo checo não tem sido poupado às severas críticas por parte da imprensa. Julgado incapaz de desempenhar um papel-chave nas negociações para enfrentar os desafios do panorama internacional, muitos são os que reclamam a urgente ratificação do Tratado de Lisboa, que porá fim ao actual modelo de presidência rotativa.
“Não há dúvida de que parte do sucesso que tivemos com a Alstom se deveu ao facto de eu ser uma figura importante no governo. Se não tivesse este estatuto político, Bruxelas não teria querido sequer ouvir-me e ter-se-ia dirigido, nas minhas costas, ao primeiro-ministro e ao presidente para que me convencessem a aceitar a ideia de uma fusão com a Areva…” escreve Nicolas Sarkozy, que antecedeu os checos na presidência, no seu livro “Testemunho”.
Mirek Topolanek, o primeiro-ministro da República Checa, ao qual Bruxelas não reconhece um “estatuto político” que se equipare ao Presidente francês, está condenado ao fracasso – “… Sarkozy não hesitará em ocupar o terreno eventualmente deixado vago, ou mal tratado, pelo seu sucessor”, refere a imprensa.
Mas a Europa, liderada por Durão Barroso, recusou tomar partido no conflito entre Moscovo e Kiev, e só a vaga de frio a obrigou a reagir ameaçando: “tiraremos as devidas conclusões”. Com tal ameaça o conflito está longe de se resolver e nos gabinetes aquecidos de Bruxelas, lamenta-se que a Bulgária e Polónia enregelem.
Olhando para a história, nos anos de 1919 a 1930, a Europa esteve prestes a ser Europa. A essa necessidade de união dos povos, depois de uma guerra, fez-se uma Sociedade das Nações, que acabou por falhar. Stresemann que se regozijava de ter conseguido que a Alemanha entrasse na Sociedade das Nações declarava que ao aderir a essa associação “os povos não abandonavam a sua moralidade negocial” e seu homólogo francês, Aristide Briand, equiparava a moderna Europa “a um harmonioso acorde que é dado por notas distintas”. Em lugar de um acorde harmonioso, a Europa caiu numa estrepitosa cacofonia, a vontade de unificar provocou a recusa à união, e levou as diferentes nações a se encerrarem nas suas diferenças essenciais.
Curiosamente nesses anos de 1919-1930, na Bauhaus, um dos centros artísticos mais avançados da Europa, o húngaro Moholy-Nagy, avançava contemporaneamente pelo mesmo trilho do checo Milos Dohnány, um fotógrafo amador que ignorando-se mutuamente abordaram pontos comuns.
Quer nas naturezas mortas, onde os objectos deixam de existir como tal para darem lugar a processos de relação entre objectos,
Moholy-Nagy, Portrait Lucia Moholy,c.1926
Milos Dohnány, A set table, 1932
Milos Dohnány, Store-room in a music school, 1935
Milos Dohnány, Bokessová-Hanáková, 1935
quer na experimentação de novos ângulos de visão, enfatizando a arquitectura moderna em linhas diagonais,
Moholy-Nagy, Dessau, 1926
Milos Dohnány, Corner of the hotel Palace,1932
Milos Dohnány, Okolo,1935
em ambos, em nações distintas no mapa da Europa,
Milos Dohnány, A tourist still life,1935
descobre-se, nas suas experiências e descobertas, uma modernidade comum.
Acima dos particularismos nacionais, a vanguarda artística europeia – a ruptura necessária para um novo e indispensável entendimento do mundo moderno – conseguiu através da sua linguagem, ser universal, tal como as leis da ciência.
A Europa, projecto de paz e civilização, que se iniciou nos anos 1950, ao juntar o carvão e o aço, encontra-se paralisada. Os interesses nacionais, cada vez mais diversos, sobrepõem-se aos interesses universais, provocando uma estrepitosa cacofonia. No século XXI, retorna-se ao início, a uma Europa que esteve prestes a ser Europa.
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Milos Dohnány, Still Life, 1933
Mal tomou posse, rotulado de anti-europeu, o governo checo não tem sido poupado às severas críticas por parte da imprensa. Julgado incapaz de desempenhar um papel-chave nas negociações para enfrentar os desafios do panorama internacional, muitos são os que reclamam a urgente ratificação do Tratado de Lisboa, que porá fim ao actual modelo de presidência rotativa.
“Não há dúvida de que parte do sucesso que tivemos com a Alstom se deveu ao facto de eu ser uma figura importante no governo. Se não tivesse este estatuto político, Bruxelas não teria querido sequer ouvir-me e ter-se-ia dirigido, nas minhas costas, ao primeiro-ministro e ao presidente para que me convencessem a aceitar a ideia de uma fusão com a Areva…” escreve Nicolas Sarkozy, que antecedeu os checos na presidência, no seu livro “Testemunho”.
Mirek Topolanek, o primeiro-ministro da República Checa, ao qual Bruxelas não reconhece um “estatuto político” que se equipare ao Presidente francês, está condenado ao fracasso – “… Sarkozy não hesitará em ocupar o terreno eventualmente deixado vago, ou mal tratado, pelo seu sucessor”, refere a imprensa.
Mas a Europa, liderada por Durão Barroso, recusou tomar partido no conflito entre Moscovo e Kiev, e só a vaga de frio a obrigou a reagir ameaçando: “tiraremos as devidas conclusões”. Com tal ameaça o conflito está longe de se resolver e nos gabinetes aquecidos de Bruxelas, lamenta-se que a Bulgária e Polónia enregelem.
Olhando para a história, nos anos de 1919 a 1930, a Europa esteve prestes a ser Europa. A essa necessidade de união dos povos, depois de uma guerra, fez-se uma Sociedade das Nações, que acabou por falhar. Stresemann que se regozijava de ter conseguido que a Alemanha entrasse na Sociedade das Nações declarava que ao aderir a essa associação “os povos não abandonavam a sua moralidade negocial” e seu homólogo francês, Aristide Briand, equiparava a moderna Europa “a um harmonioso acorde que é dado por notas distintas”. Em lugar de um acorde harmonioso, a Europa caiu numa estrepitosa cacofonia, a vontade de unificar provocou a recusa à união, e levou as diferentes nações a se encerrarem nas suas diferenças essenciais.
Curiosamente nesses anos de 1919-1930, na Bauhaus, um dos centros artísticos mais avançados da Europa, o húngaro Moholy-Nagy, avançava contemporaneamente pelo mesmo trilho do checo Milos Dohnány, um fotógrafo amador que ignorando-se mutuamente abordaram pontos comuns.
Quer nas naturezas mortas, onde os objectos deixam de existir como tal para darem lugar a processos de relação entre objectos,
Moholy-Nagy, Portrait Lucia Moholy,c.1926
Milos Dohnány, A set table, 1932
Milos Dohnány, Store-room in a music school, 1935
Milos Dohnány, Bokessová-Hanáková, 1935
quer na experimentação de novos ângulos de visão, enfatizando a arquitectura moderna em linhas diagonais,
Moholy-Nagy, Dessau, 1926
Milos Dohnány, Corner of the hotel Palace,1932
Milos Dohnány, Okolo,1935
em ambos, em nações distintas no mapa da Europa,
Milos Dohnány, A tourist still life,1935
descobre-se, nas suas experiências e descobertas, uma modernidade comum.
Acima dos particularismos nacionais, a vanguarda artística europeia – a ruptura necessária para um novo e indispensável entendimento do mundo moderno – conseguiu através da sua linguagem, ser universal, tal como as leis da ciência.
A Europa, projecto de paz e civilização, que se iniciou nos anos 1950, ao juntar o carvão e o aço, encontra-se paralisada. Os interesses nacionais, cada vez mais diversos, sobrepõem-se aos interesses universais, provocando uma estrepitosa cacofonia. No século XXI, retorna-se ao início, a uma Europa que esteve prestes a ser Europa.
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