O receio de uma recessão económica preocupa o mundo. O índice de confiança dos consumidores americanos, que foi ontem divulgado, não só caiu pelo terceiro mês consecutivo como foi claramente abaixo do que os analistas esperavam, e a bolsa reagiu com mais uma queda estrondosa. Com o aperto do crédito bancário e o desemprego a aumentar, os consumidores americanos retraem-se nas compras e rapidamente mudam o estilo de vida. Um dos efeitos previstos e já visível, a quebra acentuada na venda de automóveis, uma das indústrias mais penalizadas pela crise actual.
Em 1955, no seu périplo pela América, Robert Frank, em Long Beach, deu de caras com este carro embrulhado numa capa.
Robert Frank, Covered car - Long Beach, California, do livro "The Americans"
Em Lisboa, nos anos sessenta, carros estacionados embrulhados em capas, para preservar do sol e da chuva, eram comuns nas avenidas da cidade. Ao Domingo, tirava-se a cobertura e a família passeava, normalmente em fila, até à orla marítima. Os condutores mais esguichos e atrevidos, chamaram a esses, pouco habituados a conduzir, de domingueiros, e o nome vinga ainda hoje, para os que agora, conduzindo todos os dias parecem não saber conduzir. Sem crédito bancário, quem comprava carro, comprava-o poupando, e as capas ajudavam também a poupar o carro que com tanto custo e amor tinha sido adquirido.
Na América, as grandes distâncias só podiam ser percorridas de carro, e cedo as famílias americanas, ao contrário da Europa, habituaram-se ao automóvel.
Anónimo, Jerry and his 57 Chevy, Kansas City, Kansas, 1962
As famílias de menos recursos, compravam o carro nos parques de usados, que proliferavam em todas as cidades. Inge Morath, no seu périplo pela América, cinco anos depois de Frank, não resiste, e à saída de Memphis, tira esta fotografia.
Inge Morath, Outside Memphis, Tennessee, 1960
Este homem, de chapéu, óculos, fato e gravata preta, impõe respeito e confiança, e é a ele, como mostra o dedo indicador, que se devem dirigir, quem quer comprar carro ou até mesmo uma casa com rodas.
Na América, carros estacionados junto às garagens das casas – o verdadeiro “sonho americano” – é tema recorrente dos fotógrafos.
William Eggleston
Stephen Shore, Badlands National Monument, South Dakota, 7/11/1973
Alec Soth, Fairway Motor, 2005
Joel Sternfeld, Gresham Oregon, 1979
Paul Graham, Large house with Dodge, California, 2002
Em Outubro de 2004, na campanha para a sua recandidatura à presidência, George W. Bush, prometia, mesmo aos que não podiam o “sonho americano” :”America is a stronger country every single time a family moves into a home of their own”, e a sua política encorajou ainda mais o consumo - poupar era coisa do passado. Para se ter uma ideia mais real, em 2007, cada americano poupava o.2 cêntimos por cada dólar ganho, nos anos 70 a poupança correspondia a 10 cêntimos por dólar. Na era Bush "o sonho americano" chegava a todos, a possibilidade de comprar casa e carro e só começar a pagar daí a dois anos, tornou-se possível. A vida, com os sonhos realizados, parecia correr de feição.
Durante um ano, todos os Sábados, Bill Owens fotografou os subúrbios da Califórnia.
“Suburbia”, o livro que editou em 1972, é ambíguo, pois auto-crítico também. Com mulher e filhos, Owens vive a vida daqueles que fotografa, a vida da classe média que vive o sonho americano da casa, com barbecue na traseira e carro à porta.
Bill Owens, do livro "Suburbia", 1972
Owens, junta às fotografias as impressões de quem aí vive, - o vazio e o mal-estar pressente-se por detrás dos sorrisos. “Suburbia” - a aparente felicidade do consumo.
Já neste século, Gregory Crewdson, escolhe a iconografia dos subúrbios para encenar o contraste da tranquilidade aparente destes locais com um sem fim de paranóias e fantasias de quem os habita.
Gregory Crewdson, da série Twilight, 2001-02
Ao sonhar, as crianças tal como os habitantes dos subúrbios, também realizam os seus desejos. Curtos, claros e coerentes, os sonhos das crianças não necessitam da cadeia de associações livres para se chegar ao latente, ao contrário dos sonhos dos adultos cuja deformação elaborada nos impede compreender. No sonho do adulto, a censura que depende da moral de cada um, exerce a sua actividade relegando para a obscuridade os desejos inaceitáveis. Mas quando mal recalcados esses desejos soltam-se das profundezas da psique e provocam angústia e mal-estar.
Agora os americanos acordam de um sonho que lhes provoca angústia e mal-estar, os mecanismos de defesa das entidades reguladoras não funcionaram, e a obscuridade dos créditos foram deformados a tal ponto que, hoje, impedem qualquer um de compreender o seu conteúdo. Agora é tempo de sonhar como as crianças.
quinta-feira, outubro 16, 2008
"O sonho americano"
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