quarta-feira, outubro 15, 2008

Claude Cahun no leilão da Christie's

Ontem, no Grande Fórum do Investidor, promovido pelo Diário Económico, assisti à apresentação de Philip Hoffman, no módulo – Como investir em arte. Hoffman, administrador do fundo - “The Fine Art Fund Group”, revelava, que mesmo perante a actual crise financeira, o mercado de arte supera tudo. Os recentes leilões, como referiu, são a prova de como este mercado parece estar imune à crise. Na imprensa lê-se: “em plena crise financeira, o artista Damien Hirst consegue a proeza de vender com sucesso 223 das suas obras no recente leilão da Sotheby’s”, e todos estes seus trabalhos, produzidos em 2008, renderam ao artista a soma de 125 milhões de euros.


Damien Hirst junto à sua obra "Golden Calf", 2008, vendido, a 15 de Setembro por 10 345 250 libras.

O mercado de arte esmaga agora todos os outros, e Hoffman, feliz, diz que este é o mercado mais seguro para investir. O seu fundo, à semelhança do que fazem muitos fundos de investimento mobiliários, compõem-se e divide-se consoante os movimentos : 30% de pintura impressionista, 40% em arte contemporânea e assim por diante. Hoje assiste-se à transformação da arte em pura mercadoria e não tarda, pensei eu, que a inovação financeira chegue a este mercado, e logo me vi a ganhar milhões num short selling ao “Golden Calf”, 2008, de Damien Hirst. Os coleccionadores, que compram, através das galerias de arte, as obras dos artistas que gostam, parece estar a chegar ao fim, porque infelizmente hoje, são mais os que compram arte com um único fim – o de obter, num curto prazo, um excelente retorno no investimento. O artista certamente sentir-se-à defraudado, porque afinal não é a sua obra que interessa mas o valor que o mercado lhe atribui.
Tudo isto a propósito dos recentes leilões de fotografia, que também eles, parecem não ressentir a crise. Se Lucy Schwob, a artista que usou Claude Cahun como pseudónimo, (note-se na ambiguidade de Claude: feminino? masculino?), ainda estivesse viva, certamente se espantaria pelo preço que ontem atingiu este seu auto-retrato


Claude Cahun, Auto-retrato, c.1928

– um dos preços mais altos na leiloeira Christie’s.

Cahun, no seu poema em prosa “Aveux non avenus”, examina a divisão do eu, e a fotomontagem I.O.U. (Self-Pride), 1929-30,


Claude Cahun, I.O.U. (Self-Pride), 1929-30

reproduzida no livro, são sobreposições da sua face, como se “entre uma máscara existe uma nova máscara”, e em muitos dos seus trabalhos, a utilização de máscaras é frequente.


Claude Cahun, auto-retrato, c.1928

Todo o trabalho de Chaun centra-se na ambiguidade que ela própria sentiu ao tentar definir a sua identidade e na artificialidade dos seus múltiplos auto-retratos, Chaun viu na sua identidade um disfarce,


Claude Cahun, auto-retrato, c.1921

e a fotografia, foi para ela o meio ideal para o intuir.

Cahun não estava sozinha, Virgínia Woolf no seu livro “Orlando” (1928) revela as mesmas inquietações: “In every human being a vacillation from one sex to the other takes place, and often it is only the clothes that keep the male or female likeness, while underneath the sex is the very opposite of what it is above”.

No período entre guerras, as mulheres reclamaram o direito ao voto, o acesso às universidades e profissões iguais às dos homens. Os traços que anteriormente caracterizavam e distinguiam o ser masculino do feminino, tornam-se cada vez mais ambíguos. A mulher passa a trabalhar fora de casa,


August Sander, Secretary at west German Radio in Cologne, 1931

a praticar desporto, a fumar,


August Sander, Painter's wife, 1926

enfim a ter um papel mais activo na sociedade que antes era restrito ao outro sexo. August Sander, que de forma rigorosa e fiel retratou o rosto da sua geração - a República de Weimar, viu a mulher apropriar-se de papéis que anteriormente eram característicos do homem, e no seu rigor, esta subversão não lhe escapou.

Mas em Paris, na mesma época, Brassäi, que gostava da noite e a conhecia bem, foi atraído pelo lado sórdido da Humanidade - bordéis, prostitutas na rua, bailes e clubes de homossexuais, onde o dia era sempre noite, pois os prazeres da boémia, dão-se mal com o sol.


Brassäi, Baile Homossexual, 1933


Brassäi, Mulher no Le Monocle, Montparnasse, 1933


Brassäi, Par de mulheres, 1932

Preto para a noite, branco para o sol, e o seu “Paris de Nuit”, (1932) é preto como o breu.



A linguagem binária que se tornou hábito no homem - dia/noite, preto/branco, feminino/masculino foi ignorada por Brassäi que preferiu fotografar a ambiguidade do ser humano. Sem se imiscuir, como um voyeur, Brassäi, revelava, através dos seus livros, aos que viviam de dia, todas as transgressões e fantasias dos que se escondiam na noite.

Durante anos esquecida e ignorada, Claude Cahun, salta agora para a ribalta, como vemos no preço que o seu auto-retrato atingiu no leilão.
Nan Goldin, no início dos anos 1970, voltava ao mesmo tema quando começou a fotografar todo o ambiente homossexual de um bar em Boston – “The Other Side”. Ao contrário de Brassäi, Goldin não vive à margem, a sua vida mistura-se com a dos fotografados. As suas fotografias tiveram uma enorme influência e os homossexuais deixaram de se esconder na noite, e tal como as mulheres no período entre guerras, reivindicaram os seus novos direitos, o debate estava lançado.

Imune à crise financeira, tal como o mercado de arte, o direito ao casamento entre homossexuais foi esta semana debate no Parlamento, mas o partido socialista, o partido da maioria, preferiu a ambiguidade à linguagem binária do sim/não, e arrastou o assunto para quando lhe convier melhor.


3 comentários:

almagrande disse...

Excelentes as voltas que o post deu. Penso que a tradução para "Golden Calf" será "bezerro de ouro" ou "dourado".

Madalena Lello disse...

obrigado pela correção, e vou já emendar, retirei o nome no Le Journal des Arts, mas de facto Golden Calf é o correcto.

Lina Arroja (GJ) disse...

Tudo vai a leilão, desde o biquini da Ursula ao manuscrito de Brel.
Interessante que também esteja atenta. Dá que pensar nas alternativas que o mercado tem.