quarta-feira, junho 04, 2008

Portugal

Jaime Silva, o ministro da Agricultura e Pescas deixa-se fotografar,

Virgílio Rodrigues
enquanto os pescadores em Portugal, França, Espanha e Itália continuam em greve. Protestam a ausência de apoios da União Europeia para minimizar o impacto da subida do preço do gasóleo e muitos são os portos de pesca e lotas que se mantêm fechados. Portugal, é o terceiro país do Mundo, a seguir ao Japão e à Islândia, que consome mais peixe por habitante, mas hoje, das 600 mil toneladas de peixe vendido nas nossas lotas, só 140 mil é pescado em barcos nacionais, obedecemos e abatemos a nossa frota pesqueira, os espanhóis, talvez mais espertos(?), aumentaram-na. Se olharmos para o mapa dos Estados membros da União Europeia, a Noruega, país de fronteiras marítimas, está fora.
Os Noruegueses são de opinião que estão melhor assim. Em 1972, 54% do país rejeitou fazer parte da CEE, e optou por um acordo limitado de comércio livre com a Comunidade. Vinte e dois anos depois, os Noruegueses reconfirmam a sua votação. Nas províncias costeiras,
Rui Fonseca, Noruega
os pescadores são veementemente contrários à restrição da UE para as apenas 12 milhas da Zona Económica Exclusiva (ZEE). Se a Europa se tivesse mantido numa comunidade económica, CEE, e não tivesse enveredado por uma União, UE, de estados quase federados, talvez estivessemos melhor.
Dentro de dias se os Irlandeses disserem NÃO ao Tratado de Lisboa é bem provável que deixem a UE. Portugal orgulha-se do Tratado, talvez por ter o nome da nossa capital, mas não se orgulha de nesse mesmo Tratado ter mantido intocável a vergonhosa cedência dos nossos direitos soberanos sobre a ZEE, e pouco importa a voz dos pescadores, agora uma pequena minoria.
Mas nem sempre foi assim. “Portugal at the crossroads”, uma ampla reportagem, de 25 páginas, publicada em Outubro de 1965, na revista National Geographic, conta a história da nossa já antiga vocação atlântica: “Insulated from the rest of the continent by a powerful and offtimes hostile neighbor (Spain invaded Portugal repeatedly over the centuries, and once, from 1580 to 1640, even absorbed her), the Portuguese turned to the sea”, escreve, Howard La Fay, logo no início da reportagem. E La Fay, juntamente com o fotógrafo Volkmar Wentzel, embarcam na traineira “Alzirinha” do capitão Januário Viegas Gomes, para uma noite de pescaria, lá para os lados de Setúbal.
Volkmar Wentzel, National Geographic, October, 1965
“Portugal lives on fish. Not only does it constitute the principal protein in the national diet, but exports of 153,000,000 pounds of canned fish gained more than $39,000,000 in precious foreign Exchange last year”.
Volkmar Wentzel, National Geographic, October, 1965

Salazar dominava o país e o seu Estado Novo orgulhava-se das obras de engenharia. José do Canto Moniz, o engenheiro, com a pasta das Obras Públicas, recebia La Fay no seu escritório com ampla vista para o Tejo, de onde se avistava a construção de uma nova ponte.
Volkmar Wentzel, National Geographic, October, 1965
“For one thing, some 9% of our population now lives in Lisbon proper, causing an acute housing shortage. By opening up the Tagus’s southern shore, we can absorb some of this population in satellite towns. Furthermore, his finger stabbed a map, heavy industry will be able to locate on the peninsula between Lisbon and Setúbal. These are our two busiest port”.
Esther Bubley, nesse mesmo ano, 1965, fotografa a ponte ainda em construção, mas não esquece os marinheiros, os astrolábios, e o Infante, que no topo do monumento os conduz à aventura atlântica.
Esther Bubley, Porto de Lisboa, 1965
Em Sagres, escreve La Fay “ …Prince Henry the Navigator had revolutionized the art of seafaring. In an age when ships never willingly ventured out of coastal waters and knowledge of the sea ended at the horizon...he recruited sailors, scholars, and scientists from all Europe and brought them together near this lonely headland...he labored among charts and astrolabes...”. Três anos depois, é Neal Slavin, que em Belém, fotografa o monumento de pedra com o olho desfocado de um miúdo em primeiro plano, da ponte nem um detalhe.
Neal Slavin, Monument in Belém, Portugal, 1968

Mas a ponte, como previra Canto Moniz, levaria o turismo ao Algarve. De carro, a viajem demoraria quatro horas, pois a passagem do rio no cacilheiro já não era necessária.
Carlos Calvet, no Cacilheiro, 1970

E no Algarve, La Fay espanta-se com as marcas e a presença mourisca “I found it in the white cubical houses of Olhão, with their windowless façades and door knockers formed like the Arabic Hand of Fate; families still mount to the roofs of those houses – as in Biblical times – to take the air in the cool of the evening...”. A revista ilustra a descrição com estas casas do Carvoeiro,
Volkmar Wentzel, National Geographic, October, 1965
mas estou certa que se La Fay conhecesse esta fotografia de Brett Weston,
Brett Weston, Portugal, 1960
tirada aos telhados das casas de Olhão, a escolheria mesmo a preto e branco.

Toda a reportagem é a cores, Wentzel utilizava os novos filmes da Ektachrome e da Kodachrome, mas à época a cor horrorizava os fotógrafos que continuavam e preferiam fotografar a preto e branco. Nos finais dos anos 50 e durante os anos 60, Portugal atraiu muitos fotógrafos. De Lisboa rumaram todos à Nazaré, e o que viram foi também um país de marinheiros. As sete saias das mulheres envoltas de xailes pretos sentadas na praia à espera,
Kees Scherer, Portugal (Mulher Nazaré), c.1959
Louis Stettner, Portuguese Women, Nazaré, 1958-9
Volkmar Wentzel, National Geographic, October, 1965
o xadrez das camisas dos pescadores
Peter Fink, Nazaré, Portugal, 1954
Louis Stettner, Nazaré, Portugal, c.1959
Volkmar Wentzel, National Geographic, October, 1965
e os bois atraíram-nos, o pitoresco é terrível, e quem não é do país, cai facilmente na armadilha. Mas será que estes fotógrafos nos deixaram o verdadeiro retrato do país?
Edouard Boubat, Nazaré, Portugal, 1956

Fotografias de Jaime Silva, redes de pesca, pescado, embarcações, pescadores, lotas encheram os jornais nos últimos dias,
Fernando Veludo
a presença do mar, levou-me inevitavelmente para os anos em que Portugal vivia de costas voltadas para a Europa, como na reportagem do National Geographic. Também na fotografia portuguesa a presença do mar, nesses anos, era muito mais forte do que agora. Portugal oscila entre a sua vocação atlântica e a sua pertença à Europa.

Os contrastes, dessa “Lisboa e Tejo e tudo…” como cantou Fernando Pessoa, vamos vê-los no próximo post…

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