quinta-feira, junho 19, 2008

De regresso à Irlanda

Os Irlandeses votaram “não” ao Tratado de Lisboa. Em Bruxelas, todos olham para a ilha, e a opção implícita é que a Irlanda tem de decidir rapidamente se quer ou não quer sair da União Europeia.
Em 1952, Henri Cartier-Bresson fotografava os irlandeses de binóculos, não a olhar para Bruxelas, mas para uma corrida de cavalos.

Henri Cartier-Bresson, Horse Racing, Thurles, County Tipperary, 1952

Vinte e quatro anos depois, em 1976, já a Irlanda pertencia à CEE, é a vez de Josef Koudelka fotografar os Irlandeses desta vez de costas, não para Bruxelas, mas para nós espectadores.
Josef Koudelka, Irlanda, 1976

Em 1 de Janeiro de 1973, Reino Unido e Irlanda, entravam para a então denominada Comunidade Económica Europeia, CEE. A Irlanda, era, à época, um dos países menos desenvolvidos e mais pobre da Europa, hoje, com o quinto maior PIB (produto interno bruto) per capita do mundo, é apontada como exemplo do milagre económico e social dos últimos anos.

Os fotojornalistas da mítica agência Magnum encantaram-se com a Irlanda, e se o país serve de exemplo ao mundo em termos económicos e sociais, ao nível da fotografia, a Irlanda serve na perfeição para ilustrar a evolução e as tendências do fotojornalismo actual.

Na década de 50, o “momento decisivo” de Cartier-Bresson, influenciava uma geração, e ainda hoje, não é raro ver a sua influência. No ano passado, a propósito do relatório da Oxfam, sobre a urgente ajuda humanitária ao Iraque, esta fotografia de Kimimasa Mayama da Reuters ilustrava o artigo publicado no Público.
No Iraque, Mayama, via as traseiras da Gare de St. Lazare de Cartier-Bresson.
Sem flash, sem tripé, sem truques de laboratório, Cartier-Bresson definia as regras da reportagem fotográfica, o mundo, para que as injustiças acabassem, tinha que ser revelado tal qual era, sem artifícios nem maquilhagens, e a fotografia era perfeita como garante da verdade. E à “sorralfa”, como traduziu o nosso Gérard Castello Lopes, Cartier-Bresson, movia-se discretamente no meio das multidões, fazendo tudo para não destruir com a sua presença, qualquer réstia de naturalidade, a fotografia servia os propósitos humanistas. Na Irlanda, as suas imagens não fogem à regra, e tanto se enternece com estas crianças
Henri Cartier-Bresson, Dublin, 1952
que brincam nas ruas de Dublin, como compõe de forma magnifica o caos da realidade no limitado quadrado da fotografia.
Henri Cartier-Bresson, Munster, 1952
O sul, profundamente católico, não escapa a Cartier-Bresson, e no parque de St.Stephen em Dublin tira esta fotografia de uma freira de costas que mais parece ter saído de um filme de Louis de Funès.
Henri Cartier-Bresson, St. Stephen's Green, Dublin, 1952
Nesses anos, o preto e branco dominava, mas Inge Morath, deixa-se cativar pelo colorido dos feirantes e das carroças,
Inge Morath, Tinker carts line up on the night before the opening of the Puck Fair, County Kerry, 1954
que logo pela alvorada, fazem fila para abrirem a Puck Fair em County Kerry.
Inge Morath, Puck Fair, County Kerry, 1954

“Paralysis”, foi como James Joyce descreveu o país onde cresceu, e a sua Dublin, 1904, de “trams” ainda puxados a cavalo, pouco ou nada parece ter mudado - não fossem os autocarros de dois andares, que Morath fotografou, julgaríamos estar perante uma descrição de Joyce.
Inge Morath, Parnell Square, Dublin, 1954

Na década seguinte, Elliott Erwitt, Bruce Davidson, Erich Hartmann, continuaram a fotografar uma Irlanda pobre, atrasada e católica, símbolo de uma sociedade conservadora, onde nada parecia mudar.
Elliott Erwitt, 1962
Bruce Davidson, Duffy Circus, 1967
Erich Hartmann, Graffiti near Abbey Theatre, Dublin, 1964
Os foto ensaios, que enchiam as revistas da época, ilustradas pelos fotógrafos, hoje apelidados de humanistas pela crítica, André Rouillé, Dominique Baqué,…viviam na ilusão de conseguir mudar o mundo, para um mundo melhor, mais humano.
O mito do repórter fotográfico, atinge o zénite com a guerra do Vietname, mas a impiedosa televisão, que invadia todos os lares, acabava rapidamente com a fotografia de reportagem, e muitas foram as revistas de grande tiragem que tiveram que encerrar por falta de publicidade. Ainda a guerra do Vietname não acabara, na Irlanda, uma guerra, com o Reino Unido,
Abbas, Belfast, 1972
que duraria vários anos, entre protestantes e católicos do Norte, foi, na Europa, palco do testemunho fotográfico em directo. O Domingo Sangrento, Janeiro 1971, em Derry/Londonderry não lhes escapou.
Ian Berry, Derry/Londonderry, 1971
Bruno Barbey, Street-fighting against British soldiers, DerrY/Londoderry, 1971
Leonard Freed, Derry/Londoderry, 1971
Mas quem vê cinco, seis fotografias dessa guerra violenta, não julga ter visto todas?
Philip Jones Griffiths, Belfast, 1973
Chris Steele-Perkins, West Belfast, 1979
(Seguindo a sugestão deixada na caixa de comentários, lá mais em baixo, vou aqui linkar os U2 em Sunday Bloody Sunday).
Marc Riboud, em contraste, preferiu, ainda nos finais dos anos 70, testemunhar a vida da classe aristocrata irlandesa, na caça,
Marc Riboud, County Down, 1978
em festas
Marc Riboud, County Down, 1978
mas também nas suas imagens registou a decadência dessa mesma classe.
Marc Riboud, County Wicklow, 1978

Com o declínio das reportagens, o “momento decisivo”, associado a uma fotografia de acção, tornou-se desadequado, e a fotografia humanista, do trabalho, do amor, da amizade, da infância, das festas…deu lugar à fotografia humanitária, da catástrofe, do sofrimento, do desemprego, da penúria da doença.
Stuart Franklin, Unemployed boys,Strabane, 1985
Donovan Wylie, Young unemployed man in kitchen, Athlone, County Westmeath, 1988
Eli Reed, unemployed father taking his daughter to the school bus, Derry/Londonderry, 1991
Em oposição à esperança dos fotógrafos da década anterior, os fotojornalistas da Magnum, desiludidos, fotografaram uma Irlanda impotente, onde a revolta se transformou em resignação.
Donovan Wylie, Amusement arcade, County Offaly, 1988
Martin Parr, Ballymun, Dublin, 1986
Harry Gruyaert, County Kerry, 1983
Peter Marlow, Lisdoonvarna, County Clare, 1982
Eli Reed, Derry/Londonderry, 1991
Martine Franck, A cemetery of stolen cars in the Darndale Housing Estate, Dublin, 1993
Bruno Barbey, County Galway, 1991
Carl De Keyzer, Dublin, 2005
Marin Parr, County Sligo, 1996
E dos anos 80 até à actualidade, a Irlanda é vista como um país, vazio, paralisado, conservador, onde o homem é vítima da sociedade, onde nem mesmo os ricos escapam, com o seu olhar alienado, bêbado, à objectiva de Stuart Franklin.
Stuart Franklin, Trinity College Ball, Dublin, 2003

Os fotojornalistas da Magnum, vêem-se, como refere Brigitte Lardinois, directora do Museum of Modern Art de Dublin, “as educators rather than as illustrators”. Nem mesmo o único fotógrafo irlandês da Magnum, Donovan Wylie, atraído pela uniformidade que encontrou em “The Maze Prison”, deu uma outra visão do país.
Donovan Wylie, The Maze Prison, 2003
Donovan Wylie, The Maze Prison, 2003

A Irlanda, conhecida hoje como o Celtic Tiger, passou de um dos países mais pobres para um dos países mais ricos do mundo.

Será que aos fotógrafos da Magnum lhes escapa a actualidade? Será que a agência Magnum conseguirá sobreviver por muitos mais anos? Será que a imagem fragmentada que dão da Irlanda, é tão absurda, como absurdas são agora as reacções dos burocratas de Bruxelas ao quererem expulsar a Irlanda da UE?

No final, não é tudo uma questão de sobrevivência? …e porque não procurar outros caminhos como Chris Killip, que não é da Magnum?
Chris Killip, Irlanda, 2004

9 comentários:

almagrande disse...

Excelent..as usual.
E fotos sempre óptimas,quase que se pode ouvir os U2 a cantar o Sunday Bloody Sunday.

Anónimo disse...

Madalena... quero agradecer sua "inconsciente" (ou será até mais do que consciente?) ajuda em meus trabalhos de pesquisa sobre fotografia.

Além das imagens, seus textos e interpretações são claros e nos levam a uma viagem fantástica. Dizem que as imagens falam mais do que mil palavras. Concordo. Mas a metalinguagem que você usa fala por um milhão.

Obrigada.
Um abraço,

Madalena Lello disse...

almagrande, mas que excelente lembrança, pois claro os U2, confesso que há dias fui tentada, depois de ver, ouvir e ler o seu excelente blog, a ligar música aos posts, mas...para já vou ao Youtube fazer o link...
Sabrina, mesmo "inconscientemente", fico satisfeita que se sirva deste blog para os seus trabalhos de pesquisa sobre fotografia. Gosto de saber que as minhas interpretações são claras, acho que essa foi uma das razões que me levou a criar este blog, comecei a ficar saturada das interpretações rebuscadas e barrocas dos historiadores de arte e por aí fora..., porquê complicar o que é simples, será uma necessidade para justificar a fotografia como arte? A fotografia é fantástica, o que é preciso é saber ver...

Anónimo disse...

En mi opinión y con todo el respeto del mundo, tengo que comentar que el fotógrafo contemporáneo de Magnum, salvo alguna excepción, quizás Parr y Soth, me suele aburrir. Creo que la fotografía documental está avanzando pero fuera de Magnum. En los últimos años Magnum, ha dejado de MIRAR, no sólo en Irlanda. Cada vez se acerca más al mundo del Star System quizás se podría plantear algo similar a Hollywood y el cine. Se encuentra próximo a las fotos de National Geographic, fantástica y vacías, imágenes que muchas veces buscan las tripas pero te abandonan rápidamente. Imágenes de usar y tirar.

Has colocado el trabajo del Maze de Wylie, otra excepción, me gustó muchísimo ese catálogo, fotos perfectas para un libro,quizás porque transmite esa desorientación calculada por los sistemas carcelarios, que provocan que una vez que estás dentro de la cárcel no sabes en qué lugar te encuentras debido a su estructura laberíntica. Estas sensaciones junto a la serie repetitiva que siempre aporta algo nuevo en su nueva lectura, crean un trabajo estupendo.

Me encanta como juegas con las ímágenes y los textos, clara y muy precisa. Lúcida, lúcida, felicidades.

Saludos
Miguel

Madalena Lello disse...

Miguel, aprecio muito as suas opiniões e críticas, é óptimo trocar ideias. Como refiro no título, regresso à Irlanda, porque há dias atrás estive na Irlanda com Paul Graham que não é da Magnum. Graham, como digo no post, esteve e presenciou a guerra no Ulster, contudo não ficou satisfeito, as suas imagens da guerra eram mais outras a acrescentar a tantas outras, Graham acabou por enveredar por outros caminhos, outros caminhos na fotografia documental, que está bem viva, e ainda bem, o seu trabalho New Europe é um exemplo. Ao escrever este post, não significa que não aprecie alguns fotógrafos da Magnum, bem pelo contrário e dou mais um exemplo, para além dos que já referiu, Mark Power. Estive quase para mostrar uma das suas fotografias a p/b de uma praia na Irlanda onde num primeiro plano se vê uma bóia, tubarão?, esvaziada e rasgada, de que gosto muito, servia na perfeição para ilustrar o texto, mas acabou de fora, não lhe sei dizer bem porquê, talvez porque já estavam muitas…contudo e sendo um fotógrafo da Magnum, Power está a fazer na Polónia um trabalho excelente, um destes dias a sua Polónia não escapa…
Em relação ao Wylie,também eu gosto desta série da prisão, e embora a utilize para ilustrar o texto, ele envereda com ela já por outro caminho na fotografia documental, e nesse sentido o Miguel tem toda a razão em o referir como excepção, a minha escolha, reconheço é que não foi a melhor, e tem graça que estive muito indecisa...,esta série de Wylie é muito semelhante à série Hangar de Jacqueline Salmon, que envereda tb por uma nova fotografia documental…
Miguel obrigado pelo comentário.

Anónimo disse...

Paritendo de que entiendo la fotografía como una historia privada de la mirada. Es decir, cada cual construye su mundo y su recorrido a lo largo de la historia y presente de una forma personal sin tener por qué coincidir con manuales o determinados libros, excesivamente académicos. Pienso que la foto documental contemporánea comienza con Frank y en estos momentos se encuentra detenida en P. Graham, que aporta un trabajo único y que se encuentra a años luz de lo que se puede ver hoy día. Fundamentalmente es su trayectoria, no sólo un trabajo. Se arriesga continuamente y funciona, siempre aporta algo. No hace falta que diga que Graham es debilidad para mi. Hay toda una idea que se desarrolla antes del documento, incluso podríamos afirmar que todo lo que nos ofrece es una gran idea mostrada luego con fotos, mientras que la mayoría ofrecen fotos que intentan construir una idea.
Muchas veces en clase me planteo qué recorrido debo llevar y al final me decanto por esa historia privada de la mirada, la que yo me invento, diciendo por supuesto que es una visión particular entre miles y por supesto tendrá muchísimos errores, pero que al ser mía la puedo explicar y defender mucho mejor. Esta es una de las cuestiones por las que me sorprende tu blog, relacionas, comparas. saltas de un lado a otro de forma inteligente. Muy buen trabajo

Un saludo

Miguel

Salucombo_Jr. disse...

gosto muito de ler as suas fotografias… sim as suas fotografias, porque sempre que cá estou as imagens parecem-me palavras e as palavras parecem-me imagens.

a dias, ao comentar com um amigo a existência deste blog veio-me Clarice Lispector, que me atrevo a cita-la com a sua premissa:

“Juro que este livro é feito sem palavras. É uma fotografia muda. Este livro é um silêncio. Este livro é uma pergunta.”

Madalena disse...

salucombo_jr, e eu fico à espera que as obras do seu portfolio Photografico sejam breves, obrigado

cailín disse...

parabéns pelo blogg , ele é otimo!