quinta-feira, julho 26, 2007

"The Road to Reno": "The Misfits"

“The road to Reno” de Inge Morath, recentemente editado pela Steidl,

leva-nos à cidade de Reno no deserto do Nevada, deserto onde em pleno verão de 1960, o realizador John Huston filmou “The Misfits”. Em 1999, o Cahiers du Cinema reuniu em livro,

as fotografias que os nove fotógrafos da Magnum fizeram do filme. Dois livros diferentes que se fundem num só.
Era o primeiro dia de Julho, corria o ano de 1960, Inge Morath e Henri Cartier- Bresson fazem-se à estrada, deixam Nova Iorque em direcção a Reno, no Nevada. Têem dezoito dias para a viagem, a 18 de Julho começam as filmagens de “The Misfits”, no deserto, e os dois têm de lá estar, serão os primeiros a fotografar. Lee Jones, directora de projectos da agência Magnum de Nova Iorque, conseguira o impossível, a exclusividade para fotografar a rodagem do filme “The Misfits”. O contrato é assinado entre Frank Taylor, o produtor, e a Magnum. Para um filme tão ambicioso, com Marilyn Monroe, Clark Gable e Montgomery Clift, Taylor confia nos fotógrafos da agência para divulgarem o filme com qualidade que este merece. Para Lee Jones um elenco daqueles suscita o interesse da imprensa americana e estrangeira, e não se engana. Se na Magnum de Nova Iorque o negócio seduzia, em Paris, no bistrot da esquina eram planeadas as grandes viagens para registar o que acontecia no mundo, o “core business” da agência.
Frank Taylor foi escolhido por Arthur Miller, que escreveu o argumento. Em 1956, para conseguir o divórcio Miller passara seis semanas no Nevada, era o tempo exigido. O Nevada é um território seco, e as pessoas que aí viviam sentiam-se marginalizadas pelo progresso. Clark Gable no papel de Gay Langland é o cow-boy que caça cavalos selvagens para vender a carne para uma indústria de enlatados de carne para cães. Gable ficou perplexo, tratava-se de mais um Western, e à época os Western estavam esgotados. Durante anos o Western embelezou a realidade do Oeste mas a meio dos anos 50 já não tinham para onde ir. No entanto “The Misfits” é um filme de cow-boys sem ser um Western, é antes um Western no East, como disse Miller para convencer Gable, não sendo já os fora da lei a lutar com os indios mas a ficção a dar lugar à realidade. Agora eram dois cow-boys a tentarem sobreviver num mundo que se industrializara. Falta o realizador. Miller convençe John Huston, e em Setembro de 1959, recebe um telegrama “Caro Arthur, guião magnífico. Com amizade John”. Miller escrevera a novela a pensar em Marilyn Monroe, divorciava-se para casar com ela, e queria revelar a verdadeira actriz que ela era escrevendo um papel à altura.
“The Misfits” será um filme atípico na indústria do cinema americano. Se o Wertern chegara ao fim, a indústria de Hollywood sofria mudanças com a chegada da televisão, esta não atacara só a fotografia. A época era propícia a experiências à margem dos grandes estúdios que detinham o controlo total. A história do filme teria lugar no local que inspirara Miller, e era Miller, quem escrevera o guião, a figura chave do filme. Escolhera o produtor e o realizador e acompanhou a rodagem até ao fim, caso inédito no cinema americano.

Previsto para Março, o filme atrasa-se, arranca em pleno verão onde no deserto as temperaturas ultrapassam os 40º graus.

A 18 de Julho toda a equipa já está em Reno, e Morath e Cartier- Bresson, acabam de chegar da sua longa viagem de carro.

Se Cartier-Bresson foi um dos sócios fundadores, Morath foi das primeiras a juntar-se à Magnum. Morath conhece Nova Iorque e Los Angeles, é altura propícia para de carro atravessar a américa de costa a costa. Cartier-Bresson já fizera a viagem na companhia de Brinnin, o escritor. Agora é Morath, escritora e fotógrafa que lhe fará companhia. “The road to Reno” é a “história da minha primeira viagem através da América. Não é bem uma história, são notas escritas à noite, à mesa, no quarto do motel, que todas as noites eram em diferentes lugares mas sempre todos iguais”, escreve Morath no seu New York to Reno journal. De dia são as fotografias, a preto e branco e também a cores, que ilustram os locais por onde passam.

Em Cherokee, nas Smoky Mountains, encantam-se com a reserva de Indios,

Inge Morath, Cherokee Village, 1960

Inge Morath, Cherokee Village, Henri Cartier-Bresson with Indian, 1960

e em Memphis deparam-se com a réplica da Acrópole. Que sentido faz esta réplica fora de Atenas?

Inge Morath, Memphis, Tennessee, 1960

Na cidade, numa esquina da rua principal é uma montra cheia de guitarras, percebe-se que estamos na terra de Elvis.

Inge Morath, Beale Street, Memphis, Tennessee, 1960

Segue-se Wetumka no Oklahoma, a maior parte das casas está ao abandono e os poucos carros estão estacionados em espinha parecendo afocinhar o passeio.

Inge Morath, Wetumka, Oklahoma, 1960

A sinalética é igual em todo o lado, como iguais são os hamburguers que comem pelo caminho.

Inge Morath, 1960

Albuquerque, Santa Fé, Taos. Esta última é surpresa das construções em terra batida.

Inge Morath, Pueblo de Taos, New Mexico, 1960

Mas surpresa maior é o Painted Desert que se segue onde, antes de entrarem, uma tabuleta indica a última bomba de gasolina...
O calor é tão intenso que atravessa a sola dos sapatos e de olhos semi-cerrados, por causa do sol, conseguem ver o rosa, azul, violeta...nas rochas.

Inge Morath, Painted Desert, Arizona, 1960

Passaram quinze dias, e entre Kingman e Las Vegas é a enorme barragem, Boulder, porque apadrinha o nome da cidade mais próxima, ou Hoover como também é conhecida.

Inge Morath, Boulder Dam (also called Hoover Dam), Nevada, 1960

Não resisto a uma pausa para olharmos para uma fotografia tirada na mesma barragem por Robert Frank. Durante a sua viagem pela américa, Frank ao contrário de Morath e Cartier-Bresson, evitou sempre locais turísticos, contudo fez este desvio para visitar a barragem. Antes detem-se numa pequena loja de “souvenirs”, e fotografa estes posters onde lemos “ pictorial tour of the Dam, 35 cents”. Tira cinco fotografias de ângulos diferentes


e é esta que escolhe.

Robert Frank, Hoover Dam, 1955

Olhemos agora para os posters: só o do meio é que é da barragem, o de cima, é uma paisagem dos grandes canyons, a última são as experiências feitas no deserto com a bomba nuclear. Esta sequência conta-nos uma história: a primeira é a natureza no seu estado mais puro, segue-se o engenho do homem para dele retirar benefícios e finaliza com a destruição, a sequência simboliza uma história com passado, presente e futuro. Hoover Dam, não entrou em “The Americans”. Só em 1972, depois de uma década a trabalhar com filmes é que Frank a recupera no livro autobiográfico “The Lines of My Hand”. Será a influência cinemática?

Regressemos à viagem de Morath e Cartier-Bresson, que sem notarem, porque nenhuma sinalética o indicou, entram em Las Vegas. São os móteis, néons e slot-machines. Aqui as noites são longas porque irresistíveis ao jogo.

Inge Morath, Las Vegas, Nevada, 1960

Deixam Las Vegas para entrarem novamente no deserto. Não vão a Death Valley, o calor é tão intenso que o plástico do assento queima as costas a Morath. Param em Beatty, para beber café. Ouvem as memórias das minas de ouro, definitivamente desactivadas em 1910.

Inge Morath, Goldfield, Nevada, 1960

As “ghost town”, como lhes chamam, são perto, e não resistem a visitar. Num enorme “billboard” é a história de Goldfield.

Inge Morath, Goldfield, Nevada, 1960

Algumas das casas ainda têm vidros e portas e cadeiras na varanda.

Inge Morath, Goldfield, Nevada, 1960

Dentro, nas mesas há garrafas de pé, que sucubem ao pó do deserto.

Chegam à cidade de Reno na data prevista. Instalam-se no Mapes Hotel onde está toda a equipa. Começam as fotografias das filmagens e entramos no outro livro de “The Misfits”, salvo esta fotografia de Monroe.

Inge Morath, Marilyn Monroe with script and fans, outside the Reno Courthouse, 1960

Em “The Misfits: Chronique d’un tournage par les photographes de Magnum” não entra a cor, porque no filme as paisagens do Nevada só se assemelham a esqueletos em decomposição se for a preto e branco, é Miller quem o diz. No próximo post vamos então para as filmagens do “The Misfits”.

1 comentário:

sem-se-ver disse...

«No próximo post vamos então para as filmagens do “The Misfits”. »

ÓPTIMO!