terça-feira, julho 31, 2007

Inevitavelmente Ingmar Bergman

Cidadão sueco, escritor, encenador de teatro e ópera, realizador e produtor de filmes.
Morreu ontem em casa, na ilha Farö, ilha onde se sentiu logo em casa mal pisou pela primeira vez em 1960. Procurava um local para filmar “Em busca da verdade”. Tinha planeado filmar em Hebrides mas alguém o convidou a visitar a ilha. Foi amor à primeira vista e passou do sonho à realidade, quando aí construiu uma casa, longe das pessoas.

“Em busca da verdade” foi o primeiro filme a ser rodado na ilha Farö.

Fotograma, "Em busca da verdade",1960
Karin saída há um mês do hospital, lê no diário do pai, David, ser a sua doença incurável. A sua loucura, a loucura da filha, é tema para o livro do seu pai. David é escritor e ambiciona o reconhecimento. Daí para a frente o filme acompanha a desintegração gradual de Karin. “Sei que estive doente e a minha doença era como um sonho. Mas isto não são sonhos têm de ser real”, conta Karin a Minus, o irmão a quem sabe que pode contar toda a verdade. Mas nem a segurança do marido, Martin, salvam Karin que não consegue viver em dois mundos, o do sonho e o mundo real. Como talvez ninguém inteiramente consiga.

“Em Farö tudo se abre e eu começo a sentir os cheiros, e a ouvir e a sentir o ar e, consequentemente, começo a ver a luz da qual eu próprio me escondi”. Na memória de Bergman, há visões, sons e aromas. A forma do filme é influenciado pela forma da paisagem. Em “A terra que arde”, 1922, de Murnau, nota-se a influência de Mauritz Stiller, o mestre sueco que Murnau apreciava particularmente. Neste filme, Murnau dá à paisagem da natureza um prolongamento psicológico. Bergman, outro mestre sueco, fará o mesmo. Os seus filmes estão cheios de memórias visuais da sua infância. Não é obcecado por elas, mas estas nunca o abandonam, “no apartamento da minha avó, era tudo mágico”, como revelará mais tarde também.

Comecei a ver Bergman a cores, Sonata de Outono (1978), Fanny e Alexandre (1982). Neste último ficou-me na memória a lanterna mágica que Alexandre constantemente perscutava. Coisas de criança, talvez.
“As imagens da lanterna mágica entraram cedo na minha vida”, reconhecerá ainda Bergman. Só mais tarde vi os filmes a preto e branco, a maior parte na Cinemateca.O último foi há dois anos, “Mónica e o desejo”, de 1953, que ainda não vira. Poucas pessoas viram todos os seus filmes, a maior parte terá visto pelo menos um.

Em muitos dos seus filmes os relógios marcam presença.
No profundo silêncio das casas ouve-se o som da passagem do tempo. Em “Morangos Silvestres”, 1957, o relógio não tem ponteiros e é em sonho que Victor Sjöström o vê.
Fotograma, "Morangos Silvestres", 1957
Passará, porém, do sonho à realidade, com o despertar do relógio despertador. “Morangos Silvestres”, é uma homenagem de Bergman a Sjöström, outro mestre, realizador de obras primas do cinema mudo sueco.

A Suécia é hoje um país economicamente próspero e socialmente um exemplo de organização. Nos filmes de Bergman, os progressos da sua Suécia ficam de fora. O que o preocupa é o drama pessoal, o drama de cada indivíduo e nos seus filmes as suas personagens raramente são psicologicamente seguras. Bergman interessa-se pelo processo da mente, e é neste olhar para dentro, neste processo mental que ele reflecte algo da sua realidade.

Nesta fotografia de Manuel Alvarez Bravo,
Manuel Alvarez Bravo, Parábola óptica, 1931
vejo nos olhos reflectidos no vidro, o olhar de Bergman: olhos que espiam o nosso interior.

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