quarta-feira, janeiro 03, 2007

A revista "VU"

Enquadrada no Mois de la Photo, a exposição “ Regarder Vu: Un magazine photographique 1928-1940” na Maison Europeénne de la Photographie pode ser visitada até 27 de Fevereiro de 2007. Porque terá chamado Jean-Luc Monterosso, organizador do Mois de la Photo e comissário desta exposição, “La page imprimée” ao tema deste ano? Revista ilustrada, fotojornalismo...poderiam ter sido alternativas a “página impressa”? Claramente não. O tema principal não são as novas revistas ilustradas que surgiram na década de 1920, nem tão pouco o olhar dos fotógrafos que as ilustravam. O tema principal é o novo grafismo, o layout criativo da “VU”.



Mas o interesse pela página impressa não é recente.

Edward Steichen também se deixou fascinar pelo atraente layout da página impressa. Em 1946 substitui Beaumont Newhall, no departamento de fotografia do MoMA, que se demite horrorizado quando sabe dos novos planos de Steichen. As suas exposições inspiram-se no modelo das revistas ilustradas e inauguram, no MoMA, um novo modelo expositivo. Arquitectura, fotografia, grafismo, luz e movimento, estão unidos na exposição, como uma nova arte total, resultando num novo modo de comunicação visual mais eficaz e democrático. “Road to Victory” em 1942, “Power in the Pacific” em 1945 e a mais célebre exposição de fotografias do século XX “The Family of Man” em 1955, são maquetes gigantes de uma cenografia ingeniosa de Herbert Bayer que assimila não o papel de comissário mas o de “picture editor”.

Maquete de H. Bayer de Road to Victory, MoMA, Nova Iorque,1942

É o grafismo das revistas transposto para o espaço. Bayer, estimula a mobilidade visual do visitante, e convida-o a andar no interior da composição, “organizar um layout é criar uma circulação”. Muitos são os comentários, que apontam para a semelhança do cinema com estes espaços expositivos. O design sobrepõem-se à estética fotográfica, defendida por Newhall. Em “The Family of Man” o nome dos fotógrafos já não são mencionados.

Mas olhemos para a revista “VU”, fundada por Lucien Vogel (1886-1954). Com larga experiência em revistas ilustradas de moda, arte e decoração, Vogel sentia-se limitado. Ambicionava uma revista que exprimisse as suas ideias liberais.

O trabalho de uma nova geração de fotógrafos, Brassai, André Kertész, Germaine Krull, Man Ray, Maurice Tabard...fascinara-o. Tinha-os visto em 1927 na galeria Au Sacre du Printemps, em Paris. Krull recorda-se do seu encontro com Vogel: “ele era de uma geração acima da nossa, mas aberto a tudo o que era novo. Tinha visto os meus trabalhos da Torre Eiffel e disse-me que era aquilo que ele queria para a “Vu””.

Revista "VU", nº11 Maio de 1928, Torre Eiffel, fotografias Germaine Krull

No início, a “Vu” seguiu o modelo das revistas germânicas. No periodo de entre-guerras, a Alemanha vivia anos difíceis mas simultaneamente estimulantes. Desse confronto, criou-se na Alemanha o clima ideal para o fotojornalismo moderno. A Républica é instaurada, em 1918 com a abdicação do Kaiser. Com a democracia no poder a liberdade de expressão é total e propícia ao desenvolvimento da imprensa. É também propício ao crescimento da imprensa ilustrada o desenvolvimento das novas técnicas de reprodução fotomecânica, a rotogravura, que se desenvolviam no país. Leitão de Barros e Martins Barata introduziram, em 1927, a rotogravura em Portugal, tinham conhecido e estudado o processo na Alemanha. No mesmo cilindro da rotativa era possível imprimir grandes tiragens de texto e fotografia sem perca de qualidade. As fotografias apareciam com aspecto aveludado e o processo permitia composições gráficas arrojadas e exaltantes.

Explicação do processo da rotogravura na exposição

Stefan Lorant, um dos muitos artistas que emigrou da Hungria para Berlim, explorou, como editor em Berlim da revista Munchner Illustrierte Press (MIP), criada em 1923, as novas formas de paginação que a rotogravura permitia.
A fábrica Leitz, comercializava em 1925, a invenção de Oskar Barnack, a máquina fotográfica Leica. Podia-se agora fotografar tudo, pela leveza, tamanho e luminosidade da Leica. Brassai, André Kertész, Martin Munckascki, Wolfgang Weber, Erich Salomon, Bosshard, Tim Gidall, Robert Capa,... vem para Berlim e vendem os seus trabalhos fotográficos a agências como a Dephot, que serviam de intermediários das grandes revistas Berliner Illustrirte Zeitung (BIZ), MIP, AIZ, Uho...
Nos anos 1920, Berlim era uma cidade cosmopolita, e reunia todas as condições para ser a percursora do fotojornalismo moderno: liberdade de expressão, técnicas avançadas de reprodução mecânica, e a concentração de fotógrafos e editores criativos, Alexander Liberman, também ele, antes de Paris escolheu Berlim, para terminar na Vogue americana.

Se no início a “VU” seguiu o modelo alemão, muitas vezes as mesmas reportagens fotográficas eram publicadas de forma muito semelhante nas revistas alemãs e na “VU”,


Convento de Trapistas, fotos de André Kertész, revista "VU"1930

Convento de Trapistas, fotos de André Kertész,Berliner Illustrirte Zeitung Junho 1929

cedo o trio da “VU” composto por Vogel, Carlo Rim, redactor, e Alexander Liberman, director artístico, criam uma das revistas mais apelativas e inovadoras da altura.

A troca de opiniões e ideias do redactor, editor e fotógrafo era uma constante.
Kertész, sugeriu fotografar a Miss France em “close-ups” que foi entusiásticamente aceite.


A ênfase na composição gráfica das fotografias, que comunicavam entre si formando um todo, era novidade. As fotografias deixavam de servir como ilustração de textos e passavam a ter uma função documental. É interessante o comentário de Kurst Korff, o editor da BIZ e grande rival de Stefan Lorant do MIP, referindo-se ao paralelismo entre o desenvolvimento do cinema e da sua revista. As histórias escritas passavam a histórias de imagens. Um público alargado estava agora apto a entender os acontecimentos não através da escrita mas das imagens. O cinema tinha sido importante nesta mudança. O fotojornalismo desenvolvia uma linguagem metafórica.


E quem melhor percebeu que esta nova linguagem das imagens tinha um poder na propaganda foram os artistas russos. A montagem com diferentes fotografias é frequentemente utilizado por Liberman, também ele russo. Com frequência as capas da “VU”, são compostas pelas suas fotomontagens dinâmicas. O trabalho excepcional da fotomontagem ao serviço da propaganda russa, não foi esquecido no Mois de La Photo deste ano. Ainda em exposição, até 7 de Janeiro de 2007, Une arme visuelle. Photomontages Soviétiques 1917-1953, pode se ver na Passage de Retz.



Fotografia de Lucien Vogel Au Pays des Soviets

Esta montagem poderia ter sido publicada pela nova propaganda Russa.



Fotomontagem Liberman a partir de uma fotografia de Kertész.

A“VU” era uma revista fotográfica. O que de mais contemporâneo se fazia ao nível da fotografia, podia-se ver na “VU”.

Para perceber a inovação da “VU” comparemo-la com a conservadora L’Illustration. Semanário editado desde 1843, os artigos de opinião eram culturais e de âmbito político. A paginação, mantinha o estilo artístico dos embelezamentos.

L'Illustration, Setembro 1931, fotos de Erich Salomon

Na “VU” os temas tinham um carácter informativo, para além da política e das artes a diversidade dos comportamentos humanos eram agora revelados pelas reportagens fotográficas. Renovava-se a curiosidade pelo ser humano. Os homens no trabalho, as escolas, maternidades, os passeios de domingo...A revista reproduzia a vida do dia a dia.


Os anos de 1930 são pautados por acontecimentos políticos. O surgimento em França da Frente Popular liderada por Léon Blum, a subida ao poder de Hitler, a guerra civil espanhola...passam a ser temas centrais. A “VU” é a primeira a publicar a hoje célebre fotografia de Robert Capa, a do soldado republicano, que morre em combate. Muitas outras revistas vão publicá-la mais tarde. A Life, por exemplo, só a publica 9 meses depois. Mas a simpatia de Vogel pelo partido republicano espanhol, e as reportagens que edita a seu favor levam no final de 1936 à sua demissão.


A revista é comprada por um grupo de conservadores. A revista termina em 1940, mas no final de 1936 morre a verdadeira “VU”.

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