domingo, janeiro 28, 2007

Exposição de Nuno Cera no CCB

Na exposição de Nuno Cera, que pode ser visitada até ao dia 25 de Fevereiro no CCB, a organização do espaço onde estão expostas as fotografias, desenhos e vídeos e os dois vídeos Ultra Ruhr e Unité d’Habitation em Berlim cativaram-me.


A organização do espaço:
Um corredor com nove salas, semelhante ao piso –1 da Gulbenkien, torna-se de facto um espaço difícil para se montar uma exposição. Tenho visto várias soluções, quer da parte dos artistas quer da parte dos comissários, por forma a ultrapassar a monotonia do percurso.
A solução encontrada na exposição, comissariada por Nuno Crespo é excelente. No iníco do corredor deixamos de ver o fim, não porque esteja escuro, mas porque o vídeo The Prora Complex de Cera, está magnificamente emoldurado. O corredor da galeria continua no corredor infindável de Prora, e dá a sensação que podemos também percorrer o antigo edifício em adiantado estado de degradação.




Ultra Ruhr, vídeo de 2006

Um pouco de história antes de irmos para o vídeo. A região do Ruhr é o coração industrial da Europa. Estado alemão da Renânia do Norte Vestefália, com uma extensa aglomeração urbana, abrange várias cidades industriais, entre elas, Essen, Dortmund, Bochum, Oberhausen, Gelsenkirchen.






Mapa da Alemanha, com o distrito de Ruhr
Mapa do distristo de Ruhr






Foi a principal região hulhífera da Alemanha e desde a Unificação Alemã é, até hoje o maior complexo industrial da Europa. Estes distritos que até ao século XIX, eram pequenas cidades ou aldeias agrícolas cresceram com a revolução industrial, que transformou a economia agrícola da região numa economia do carvão e do aço. Em 1811, Friedrich Krupp cria em Essen uma pequena fábrica de aço, é o começo. Também nesta época a Thyssen inicia a exploração carbonífera. As vantagens geográficas da região do Ruhr, permitiram o desenvolvimento da região com a criação de grandes complexos industriais integrando a exploração mineira e a produção siderúrgica. A região do Ruhr transformou o Império alemão na nação mais industrializada da Europa.
Indústria, progresso, devastação (foi intensamente bombardeada pelos aliados no final da 2ª guerra mundial devido à sua importância na indústria pesada) reconverte-se das cinzas, para nos anos subsequentes à desactivação da exploração mineira nos finais dos anos 70 conhecer novamente a devastação. Hoje é uma das regiões onde a aposta recai nas novas tecnologias e serviços. Como exemplo, a ThyseenKrupp resultante da fusão das duas empresas em 1999, é hoje um dos maiores conglomerados industriais da região. Tudo isto é o Ruhr, o retrato da alma alemã, e longe dos roteiros turísticos.
Mas completemos o retrato da alma alemã com as fotografias de Albert Renger- Patzsch e o vídeo de Nuno Cera.
Albert Renger- Patzsch (1897-1966), fotógrafo alemão, apelidado como o pai da “Neue Sachlichkeit”, nova objectividade, na fotografia, é dos primeiros a ir para o Ruhr, em 1926 registar as grandes transformações que ocorrem na região. Grandes planos de objectos isolados, caracterizava a “nova objectividade” na fotografia. Mas na região do Ruhr, as fotografias de Renger-Patzsch, rejeitam a nova objectividade, o objecto não está isolado antes está inserido na paisagem. Para Renger-Patzsch a identidade da região do Ruhr está nos subúrbios de Duisburg, nas estradas da periferia de Essen, nos monumentais complexos industriais: Victoria Mathias, Rosenblumendelle, Germania, nas habitações dos mineiros e nas poucas casas rurais que persistem.




Estrada no distrito de Ruhr, 1927, Renger-Patzsch
Estrada perto de Essen, 1929, Renger-Patzsch


Eiserne Hand Mine em Essen, 1929, Renger-Patzsch
Suburbios de Essen, 1928, Renger-Patzsch



Traseiras de casas de operários em Essen, 1930

Paisagem Industrial, Oberhausen, 1930, Renger-Patzsch
Victoria Mathias Mine em Essen,1929, Renger-Patzsch
Oberhauserstrasse em Essen, 1932, Renger-Patzsch
Paisagem perto de Essen, ao fundo Rosenblumendelle Mine, 1928, Renger-Patzsch

Nos anos 1950, volta ao Ruhr e fotografa a Katharina Mine em Essen, o maior complexo mineiro no mundo, concluido em 1932. Raramente fotografa o centro de Bochum, Essen, Duisburg, tema preferido dos seus contemporâneos.
Katharina Mine em Essen, 1956, Renger-Patzsch
Katharina Mine em Essen, 1955/56, Renger Patzsch

Ao olharmos para as suas fotografias, percepcionamos a transformação do rural no industrial.

Hoje os alemães não esqueçem o passado industrial da região, e das estruturas obsoletas de extração mineira e das fábricas com altas chaminés e fornos desactivados, transformaram-nas em centros de cultura. Resultado dessa metamorfose é a rota da cultura industrial, inaugurada em 1999 que liga vários desses monumentos industriais hoje reconvertidos por grandes nomes da arquitectura actual. Nuno Cera, no seu vídeo transporta-nos nessa rota: a Zeche Zollverein em Essen, outrora a maior mina do mundo, declarada património mundial em 2002 pela Unesco, também reconvertida no Museu de Design.
Vídeo Ultra Ruhr, 2006, Nuno Cera
Vídeo, Ultra Ruhr, 2006, Nuno Cera
A Villa Hugel residência da família Krupp, às casas dos operários mineiros também elas perservadas,...Tudo isto Cera nos dá a ver. Mas Cera não se limita ao passado industrial dado pela actual rota, e numa referência, que é constante, sobrepõe fotografias, curiosamente tão semelhantes às de Renger-Patzsch, sobretudo esta.
Casas de mineiros em Essen, 1929, Renger-Patzsch

As fotografias de Renger- Patzsch contam-nos a história do Ruhr, e da sua transformação de pequenas cidades e aldeias agrícolas em cidades industriais. O vídeo de Cera conta-nos a história actual, deixando-nos perplexos no emaranhado de auto-estradas e tuneis que percorrem a região do “Ruhrgebiert”, circulamos na Ruhrschnellweg (A40) que atravessa a cidade de Essen dividindo-a.
Vídeo Ultra Ruhr,2006, Nuno Cera
Na estrada percepcionamos a paisagem pespontada de esqueletos de fábricas e chaminés, é chaminé ou a linha divisória de uma estrada?

Cera, ao contrário de Renger-Patzsch leva-nos também à cidade, aos novos complexos habitacionais, aos edifícios, sedes de empresas das novas tecnologias, e por fim o clima. Região cinzenta, onde a chuva é frequente.
Vídeo Ultra Ruhr, 2006, Nuno Cera
Ainda não havia cor na época de Renger-Patzsch, mas também ele não precisou, como Cera também não precisou, excepção para o camião vermelho.

Termino com uma fotografia de Andreas Gursky no Vale du Ruhr.
Ruhr Valley, 1989, Andreas Gursky
Guta Hoffnungshutte Blast em Duisberg, 1928, Renger-Patzsch

A monumentalidade da ponte, que liga Essen a Dusseldorf, é nos dada pela figura minúscula, tal como Renger-Patzsch nos deu a monumentalidade dos fornos da Gute Hoffnungshutte em Duisberg, com a figura mínuscula do primeiro plano.

Como o post já vai longo a Unité d’Habitation de Berlim fica para o próximo.

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