sábado, dezembro 29, 2007
Ida e Volta: Ficção e Realidade
O projecto de arquitectura desta exposição de vídeos, realizado pelo Bureau des Mesarchitectures, ressalta à vista, pois logo na entrada, um dispositivo composto por três ecrãs mostra os visitantes que já circulam na exposição e nos antecipa assim os espaços que iremos presenciar a seguir. Ao lado da porta que nos dá então acesso aos vídeos, um alerta diz-nos que os nossos movimentos serão filmados a partir daí pelas câmaras de vigilância. E já no espaço, ao longo de todo o comprimento da sala, portas entreabertas, só com o nome do artista inscrito, convidam o visitante a entrar.
Mas na ante-câmara de cada “box”, um ecrã plasma, mostra quem passeia no exterior dos jardins, é o ver e o ser visto tão em voga na arquitectura actual.
Magnífica também a escolha dos vídeos, todos recentes, excepto “La Jetée”, 1962 de Chris Maker (n.1921). “La Jetée”, um “Photo-Roman” de uma outra geração que viveu a segunda guerra. “La Jetée” um “Photo-Roman” de outras ficções em que cientistas sobreviventes da terceira guerra mundial enviavam emissários à terra,
Chris Maker, La Jetée, 1962
e na terra, o deambular pelos espaços que o emissário vai reconhecendo: os museus, as estátuas, os jardins, onde encontra a mulher, que outrora, num passado já distante o obcecava. A ficção de regressar ao passado, num futuro, para compreender o presente.
Chris Maker, La Jetée, 1962
Chris Maker, La Jetée, 1962
“La Jetée”, um “Photo-Roman”, com uma criatividade e inovação, tão distante da fotografia ainda humanista da época, que parece só ter despertado, uns anos mais tarde com o abanão dos estudantes no Maio de 68. “La Jetée”, um “Photo-Roman”, realizado a partir de fotografias fixas, pois Chris Marker apenas escolhe uma das vinte e quatro imagens que constituem cada segundo de película, e no fim, a informação: trata-se de um "Photo-Roman". “La Jetée”, o “Photo-Roman” que nos revela um outro tempo, o tempo em que em criança se ia ao aeroporto dizer adeus aos aviões, o tempo em que o jovem rapaz fica impressionado com o rosto de uma mulher que vê morrer um homem no pontão de Orly, um outro tempo, em que nesse mesmo pontão reencontra a mulher que procura, mas quando corre para se lançar nos seus braços é abatido, “La Jetée” é o “Photo-Roman” de uma geração que parece assistir à sua própria morte.
Mas, como já se disse, “Ida e Volta: Ficção e Realidade”, é composta por vídeos feitos por uma geração actual, onde outras ficções, realidades e propostas contrastam com as preocupações da geração de “La Jetée”.
Em “Infrastructure”, 2002, de Rachel Reupke (n.1971), a ficção de um futuro próximo de uma paisagem nos Alpes, o desmoronar do que resta de uma natureza sublime.
Rachel Reupke, Infrastructure, 2002
“Silberhöhe”, 2003, de Clemens Von Wedermeyer, (n.1974) a demolição dos edifícios da antiga Alemanha Oriental,
Clemens Von Wedemeyer, Silberhöhe, 2003
para os substituir por novas casas, estilo Bauhaus, como nos conta o vendedor de casas que vemos no seu outro trabalho “Die Siedlung”, 2004. Os “não lugares” de outrora, transformam-se noutros “não lugares”,
Clemens Von Wedemeyer, Silberhöhe, 2003
onde a câmara testemunha a estagnação e o impasse em implementar os novos (?) planos urbanísticos. É um trabalho em vídeo que entra em diálogo com “Outras Zonas de Contacto”, a exposição que ainda se pode ver no Museu da Cidade, onde a paisagem urbana, de Ruff, Struth e Gursky, se tornou tema recorrente na Alemanha dos anos 80.
Com Jordi Colomer (n.1962), em “Arabian Stars”, 2005, viajamos, com os cidadãos que encenam carregando cartões coloridos nos quais estão escritos o nome dos famosos locais, (Michael Jackson, Picasso, Zidane...), desde as periferias dos “não lugares” aos centros urbanos.
Jordi Colomer, Arabian Stars, 2005
Jordi Colomer, Arabian Stars, 2005
Jordi Colomer, arabian Stars, 2005
E na última porta o fantástico “Fantôme Afrique”, 2005, uma projecção em ecrã triplo, de Isaac Julien (n.1960). É o seu olhar crítico para as novas contruções de tradição europeia, numa África que tende a perder a beleza da sua identidade.
Isaac Julien, Fantôme Afrique, 2005
Isaac Julien, Fantôme Afrique, 2005
Isaac Julien, Fantôme Afrique, 2005
Isaac Julien, Fantôme Afrique, 2005
Isaac Julien, Fantôme Afrique, 2005
“Ida e Volta: Ficção e Realidade” é o testemunho de um mundo real que se transforma numa ficção universal.
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segunda-feira, dezembro 24, 2007
Véspera de Natal
I tried to fight my annual Christmas Blues
By driving along the entire Stuart Highway,
3000 miles
from Adelaide al the way up to the northern coast of Australia.
On X-mas eve,
In Katherine, Northern Territory,
It was so blazing hot,
That not a soul was out in the streets,
except me.
I almost burned my fingers,
When I lifted the Leica
To take pictures of the Christmas decoration.”
Wim Wenders
Mais distante no espaço e no tempo, a neve, símbolo do Natal e do frio, cobre uma cidade, Berlim, ainda dividida por um muro, símbolo de uma distante guerra fria.
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domingo, dezembro 23, 2007
O Presépio de Natal
O fotógrafo conta a história desta fotografia: “Visitei este rapazinho e a sua família quando estava ao serviço da F.S.A. a reunir material sobre o problema das fazendas a tempo parcial na Nova Inglaterra. Os Andrews têm uma vaca e uma fazenda mecanizada de sete acres e meio, perto de Falmouth, Massachusetts. O rendimento da fazenda é fraco e o Sr. Andrews tem de arranjar trabalho no Inverno para sustentar a família durante o resto do ano. Estávamos perto do Natal quando eu lá fui, e no único canto realmente alegre da casa brilhava uma árvore de Natal, iluminada e profusamente enfeitada”. Se no Dia de Acção de Graças, não faltaram as tartes de abóbora e maçã à família do Sr. Timothy Levy Crouch, o perú, certamente também não falta, embora nós ao olhar para a mesa através do espelho da sala não o vejamos, mas certamente Jack Delano nos confirmaria que o perú não faltou à família do Sr. Timothy Crouch.
Se a árvore de Natal profusamente enfeitada não faltou à família do pequeno Manuel, o presépio, certamente também não falta, embora nós ao olhar para o altar, não o vejamos, porque tapado pela cabeça do pequeno Manuel, mas certamente Jack Delano nos confirmaria que o presépio não faltou, nesta época natalícia, a esta família de católicos, onde no altar vemos o crucifixo, rodeado do Sagrado Coração de Jesus, Nossa Senhora e anjos.
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sexta-feira, dezembro 21, 2007
Edward Steichen
Michel Frizot, historiador e crítico, há dias num jornal francês escrevia que Steichen, entrou no “purgatório” quando morreu, pois hoje rareiam exposições das suas obras assim como não existe nenhum grande livro sobre o fotógrafo, “voilà pourquoi la rétrospective du Jeu de paume, à Paris, est à saluer...”.
Curiosamente, se o fotógrafo na actualidade não tem tido o relevo que lhe é merecido, a sua fotografia, “The Pond – Moonlight”, representado na exposição por uma fotogravura da revista “Camera Work”, atingiu, até ao momento, o preço mais elevado no mercado de leilões fotográficos, aproximadamente 2.500.000 euros.
Mas regressemos à exposição. Comissariada por William A. Ewing e Todd Brandow, a excelente cenografia é atribuida a Manel (sic), talvez algum catalão trazido por Marta Gili, que deixou a sua cidade de Barcelona, em Setembro de 2006 para dirigir o Jeu de paume.
Infelizmente, e ao contrário do Centre Pompidou, que deixa fotografar desde que não se utilize flash, o Jeu de paume continua a não deixar fotografar, e o leitor, que não tenha a oportunidade de ver a exposição, ficará sem ver, porque o catálogo também não reproduz, a excelência das cores escolhidas e a forma como cada sala foi organizada e pintada. Uma enorme ampliação da ponte George Washington convida-nos a entrar na vida e na obra de Steichen.
Edward Steichen, George Washington Bridge, New York, 1931, Colecção Condé Nast Publications
Depois, o ritmo, é marcado pelas cores, que definem e marcam as diferentes épocas e fases da obra do fotógrafo. A primeira, o período pictorialista, por aproximarem a fotografia à pintura, o verde, semelhante ao verde do Balzac de Rodin, é a cor escolhida.
Edward Steichen, Balzac - Le ciel à 23h, 1908, Colecção Metropolitan Museum of Art.
Segue-se um amarelo âmbar, semelhante aos raios de luz que emanam dos isqueiros Douglass.
Edward Steichen, Briquets Douglass Lighters, 1928, Colecção Michard e Jackie Hollander
Entramos no período modernista, onde a fotografia dos vasos empilhados, que vi pela primeira vez no livro,“The History of Photography” de Beaumont Newhall no capítulo “Straight Photography”, hoje o livro seminal da história da fotografia, é na exposição apresentada como mostra da dedicação e paixão que Steichen tinha pela jardinagem.
Edward Steichen, Wheelbarrow with Flowers Pots, 1920, Colecção, Museum of Modern Art
Subimos ao segundo piso, onde nas escadas o som das gares de comboios, símbolo da modernidade, nos acompanha no percurso. Entramos na sua fase comercial, nos anos em que trabalha como director de fotografia da Vogue, revista de moda, e da Vanity Fair, de Condé Nast. O vermelho, a tender para o grenate, mistura-se com as cores dos novos padrões têxteis, para a firma Stehli, que Steichen desenha a partir das abstrações obtidas das fotografias que tira em ângulos aproximados a objectos insólitos: arroz, botões, fios, etc...É a época em que cineastas, escritores, atletas, políticos, enfim, toda a alta sociedade de Nova Iorque passarem pelo seu estúdio.
Edward Steichen, Greta Garbo, 1928, Colecção Condé Nast Publications
É também a época de Steichen fotografar os modelos dos grandes costureiros – Worth, Poiret, Lelong, Lanvin, Chanel e Schiaparelli. Art déco,
Edward Steichen, Gloria Swanson, New York, 1924, Colecção Condé Nast Publications
linhas angulares e diagonais, sobressaem nas suas composições.
Edward Steichen, Evening Gowns and wrap by vionnet, 1930, Colecção Condé Nast Publications
No centro de uma das salas, um filme que nos revela como Steichen fotografava os seus modelos. Depois, um azul forte, marca o último período de Steichen, que aos 60 anos, altura em que rebenta a segunda grande guerra, se alista, 1942, como voluntário na marinha americana: as fotografias, os livros e as exposições das reportagens da segunda guerra mundial. “Road to Victory”, 1941, a exposição que organiza, destinada a encorajar o esforço da guerra é encomendada pelo MoMA, a primeira de uma série, a viajar pelo mundo. A primeira a deixar entrar num museu, a fotografia enquanto médium de comunicação de massas, pode-se quase dizer, a revista Life exposta num museu. Por fim, Steichen como director do departamento de fotografia, 1946, no MoMA. O espaço a percorrer chegou quase ao fim, interrogo-me, será que omitem “The Family of Man”? A surpresa está reservada para o fim: numa sala estreita, a última, uma projecção gigantesca, uma reconstituição em 3D da exposição que teve lugar no MoMA em 1955,
Recriação em 3D, "The Family of Man", 1955
Recriação em 3D "The Family of Man", 1955
Recriação em 3D "The Family of Man", 1955
Recriação em 3D "The Family of Man", 1955
Recriação em 3D "The Family of Man", 1955
simula uma visita virtual à exposição, é a sensação de visitar-mos uma outra exposição, a exposição que circulou por mais de 38 países, que não interessou a Portugal, e que teve o maior sucesso, 9 milhões de visitantes, de 1955-1962. Mais uma vez, pena o catálogo não reproduzir o circuito e a montagem da exposição.
Pela diversidade da sua obra, Steichen foi em vida muito criticado pelos seus pares, Alfred Stieglitz, Walker Evans, Paul Strand, mais tarde Ansel Adams. Não o foi menos pela crítica, que o chamou de simplista e sentimental, enquanto comissário da exposição “The Family of Man”.
Steichen, o mal entendido, o que entrou para o “purgatório”, cresceu no Milwaukee (Wisconsin), no seio de uma família de agricultores que deixaram o Luxemburgo e emigraram para a América em busca de uma vida melhor. A sua criatividade e gosto pela arte cedo o levaram a Nova Iorque, onde Alfred Stieglitz, o recebeu no seu círculo de amigos. Steichen e Stieglitz a dupla inseparável da revista “Camera Work”, (1903-1917) e da galeria “The Little Galleries of the Photo- Secession”, (1905-1917), que abriu no seu estúdio, o número 291 da Quinta avenida. Stieglitz, a figura visível, Steichen na retaguarda, sugeria e montava a maior parte das exposições.
Alfred Stieglitz, 1ª exposição de Edward Steichen na "Little Galeries", 1906, montagem de Edward Steichen
A fotografia exposta lado a lado com a pintura, gravura, desenho e escultura, permitiam aos visitantes comparar o mesmo tema, como a representação do corpo feminino, interpretado por artistas tão diferentes. No iníco do século XX, sugerir tais paralelismos era uma ideia revolucionária, hoje, a interdisciplinaridade das artes, o pão nosso de cada dia. “Steichen, une épopée photographique” é uma homenagem merecida ao fotógrafo e comissário que foi Steichen, e regressamos a Michel Frizot, “voilà pourquoi la rétrospective du Jeu de paume, à Paris, est à saluer...” ao homem que cresceu no meio do nada e transbordou criatividade.
Ouça aqui uma crítica da exposição.
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segunda-feira, dezembro 17, 2007
Cafés de Paris
Livraria Chambre Claire
as galerias,
Galerie Vallois
Galerie Aittouarès
e a vida da margem esquerda. Em Paris gosto de calcorrear Saint-Germain-des-Prés, sempre com cafés acolhedores onde nos abrigamos do frio e do cansaço.
Café, Deux Magots
Café Deux Magots
Café de Flore
Em Paris, junto ao cruzamento da igreja de Saint-Germain-des-Prés, perduram os míticos Café de Flore e Deux-Magots,
Paris, Dezembro 2007
outrora, nos idos anos de 50 o bastião dos existencialistas e dos jovens poetas, pintores, cantores, fotógrafos e cineastas de vanguarda.
Dennis Stock, Café de Flore, 1958
Em Paris no Café de Flore, nada parece ter mudado, o Thé, Chocolat...continuam a ser anunciados em letras douradas na mesma placa de fundo preto, e as cadeiras de palhinha e as pequenas mesas redondas continuam iguais, a diferença é que agora, podemos ficar no exterior num terraço abrigado e aquecido.
Paul Almasy, Café de Flore, 1966
No início do século passado o Chat Noir em Montmartre reunia Toulouse-Lautrec, Valadon, Utrillo...ainda em Montmartre, os artistas do Bateau Lavoir, os fauves e os cubistas, Van Dongen, Picasso...reuniam-se no Lapin Agile. Mas ainda no início do século passado, Montparnasse, um outro bairro de Paris que olha Montmartre de frente, mas separado pelo Sena, levou os artistas, Picasso, Fernande e os amigos a descerem a pé, noite dentro, a íngreme colina de Montmartre e atravessar o rio para ouvirem os poetas da margem esquerda: Alfred Jarry, Paul Fort, Blaise Cendrars...no café Closerie des Lilas em Montparnasse. A guerra dispersou-os, mas com o armistício assinado, a normalidade regressou e Montparnasse tornou-se no centro de abrigo dos artistas que vinham de todo o mundo: russos, japoneses, americanos, polacos, húngaros...André Kertész, deixou a Hungria em 1925, e instalou-se na Rue Vavin, bem no coração de Montparnasse. O Dôme, La Rotonde, os cafés onde se aqueciam, conversavam e acolhiam os que acabavam de chegar à cidade.
André Kertész, Café du Dôme, 1925
Man Ray, que deixara Nova Iorque, (1921), por Paris, rodeado de dadaístas e mais tarde surrealistas, encontra não na Rotonde nem no Dôme, repletos de gente nesse dia, mas num café entre os dois, a sua musa e modelo Kiki de Montparnasse. Brassäi, conterrâneo de Kertész, e frequentador do café du Dôme, trabalhava, naqueles que hoje são considerados os anos loucos em Montparnasse, no seu primeiro livro “Paris de Nuit”. Anos loucos pois como artistas presentiam que a segunda guerra vinha a caminho, e infelizmente não se enganavam. “No dia 3 de Setembro de 1939, a guerra foi declarada e a Europa mergulhou na tormenta ao mesmo tempo que a Alemanha esmagava a Polónia com a ajuda da União Soviética”, escreve Brassäi, no seu livro de memórias - “Conversas com Picasso”. Nesse ano o MoMA, o museu de arte moderna de Nova Iorque, preparava para Novembro uma retrospectiva da obra de Picasso. A Life Magazine pedia a Brassäi uma série de fotografias de Picasso para acompanhar a abertura da exposição.“Paris adquiria o seu triste rosto de guerra, envolto à noite em negrume, com as luzes apagadas, todas as janelas calafetadas, as ruas iluminadas apenas pelo azul dos candeeiros...
Brassäi, Igreja Saint Germain e Café de Flore, 1939
Mas o perigo de bombardeamento parecia afastado por algum tempo. O aspecto diurno da cidade era quase normal. Os cafés, os cinemas, muitos armazéns que na primeira precipitação tinham fechado as portas – até o Café de Flore – começavam a reabrir” recorda-se Brassäi. Brassäi, para a reportagem da Life quis fotografar Picasso nos locais do qual se tornara um habitué, desde que se separara da mulher, Olga. No seu atelier, na Rue dos Grands-Augustins, nos cafés de Saint-Germain-des-Prés, Café de Flore, Deux-Magots e na cervejaria Lipp, os três centros de atracção que nessa época começavam a suplantar Montparnasse. “Em Setembro de 1939 – a 18 ou 19, creio bem – começava a minha série para a Life Magazine. Primeiro no Lipp onde Picasso tomava bastantes vezes as suas refeições (...).Depois, como de costume, Picasso, ladeado de Sabartés, atravessou o boulevard Saint-Germain para tomar café no Flore onde tinha, de resto, vários encontros.”
Brassäi, Picasso no Café de Flore, 1939
“O espírito do Flore, impossível de analisar como um perfume, tinha no entanto fortes dominantes: Jacques Prévert e o seu grupo; Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir que, longe ainda do movimento “existencialista”, enchiam sobre o mármore das mesas muitas folhas de papel...
Brassäi, Sartre, Café de Flore, 1944
Brassäi, Simone de Beauvoir, Café de Flore,1944
Robert Doisneau, Simone de Beauvoir au Deux Magots, 1944
Eu próprio, tendo pago generosamente o meu tributo à vida de café parisiense em Montparnasse, não era um verdadeiro habitué do Flore, mas tinha lá muitos amigos e conhecidos”. No Café do Flore, lembra-se ainda Brassäi, o ritual era sempre o mesmo quando Picasso aí entrava: os criados Jean e Pascal corriam a ajudá-lo a tirar a gabardina, o patrão auvernhês, o sr. Boubal, cumprimentava-o e acendia-lhe o cigarro, e Picasso dirigia uma palavra amável a Madame Boubal, empoleirada no alto da caixa.
Brassäi, Café de Flore, 1944
No entanto não foi no Flore, mas no Deux-Magots, que Picasso conheceu, num dia de Outono de 1935, Dora Maar, a fotógrafa, na mesma altura que Marie-Thérèse Walter lhe dava uma filha, Maya.
Os parisienses, depois do sobressalto da declaração de guerra, voltaram a descansar, a linha Maginot, protegia-os de qualquer invasão, julgavam eles. Mas Hitler, depois de muitas indecisões, invadia, em Maio de 1940, a Bélgica e os Países Baixos, e a 12 de Maio, as divisões panzers atravessavam a difícil região montanhosa das Ardenas. Em poucos dias chegavam às portas de Paris, e os parisienses, desprevenidos, em êxodo deixaram a cidade.
Num Domingo, a 23 de Junho de 1940, Hitler, passeia-se triunfal na cidade de Paris.
Brassäi recorda-se desses anos terríveis que foram a ocupação: “Chego ao boulevard Saint-Germain, tão calmo, quase provinciano desde que os automóveis e o táxis parisienses se enchem de ferrugem nas garagens...Depois dessa altura “Drôle de guerre”, (a guerra a brincar), tornou-se na guerra nada a brincar e Paris, que nós tanto amamos, tornou-se a cidade dos uniformes verdes e dos “ratos cinzentos”, das cruzes gamadas flutuando nos edifícios públicos e nas grandes habitações tornadas sedes da Kommandantur e da Gestapo; Paris sem táxis, sem cigarros, sem açúcar, sem chocolate, sem pão de primeira...Paris das patrulhas alemãs, das estrelas amarelas, dos alertas, das rusgas, das prisões, dos anúncios de execuções...O “período dos cafés” acaba de terminar”.
Mas felizmente não terminou, e Paris, devido à sua beleza resistiu à ordem de Hitler “Paris já está a arder?”
Seguiu-se um Saint- Germain repleto de existencialistas, pares de namorados, jazz e danças negras.
Robert Doisneau, Café de Flore, Saint-Germain-des-Prés, 1947
Nova invasão de estrangeiros e Saul Leiter, um fotógrafo de moda americano, não resiste à aura do Deux Magots e do Café de Flore, que se vê através do vidro transparente do primeiro.
Saul Leiter, Café des Deux Magots, Saint-Germain-des-Prés, 1959
Saul Leiter, Café des Deux Magots, Saint-Germain-des-Prés, 1959
É o retomar do “período dos cafés”.
Paris, para esqueçer as tristezas porque passara, torna-se na capital da moda e passa a servir de décor nas revistas da modalidade. Fotografar o “new-look” de Dior e de tantas outras casas nas ruas da cidade torna-se também uma moda e atrai muitos fotógrafos, vindos do fotojornalismo. Nas décadas de 50 e 60, a revista Vogue em Paris, sob a direcção de Edmonde Charles-Roux, reúne fotógrafos como William Klein, Bob Richardson, Helmut Newton, Guy Bourdin, para referir alguns. Na geração seguinte, num estilo diferente, Sarah Moon, primeiro modelo e depois fotógrafa, fica conhecida no mundo da moda com a campanha para a Cacharel. Paris mantém o imaginário da elegância, insolência e glamour da modernidade. Numa campanha para os produtos de maquilhagem da Kanebo, Sarah Moon, em 1979, fotografa estas duas modelos no Café de Flore.
Sarah Moon, deux Femmes au Café de Flore, 1979. Produtos de maquilhagem Kanebo.
Agora na actualidade, e muito longe do preto e branco dos fotógrafos humanistas, o excêntrico austríaco, Erwim Wurm, fotografa a série “Café de Flore”.
Erwin Wurm, Christian Lacroix, série "Café de Flore", 2004
Há uns anos a Taschen pôs à venda nas papelarias uns cadernos grossos de folhas lisas, fáceis de manusear por argolas, escolhendo para capa uma fotografia de Jeanloup Sieff, “Café de Flore, early morning, 1975”, hoje o meu caderno de notas da fotografia.
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