segunda-feira, dezembro 03, 2007

Nova Iorque na era de Alfred Stieglitz

Há uns meses, em “Picasso e a Fotografia”, exprimi o meu espanto ao ler que o Museum of Modern Art de Nova Iorque, (MoMA), vendia um Picasso da sua colecção, como forma de financiar a compra de outras obras de arte. Na América, ao contrário da Europa, os museus são na sua maioria constituídos por capitais privados, são livres de dispor os seus bens, contudo são obrigados a cumprir certas condições, uma delas, só é possível vender para comprar outras obras de arte.
No mês passado o site da Christie's de Nova Iorque anunciava um grande leilão de pintura moderna americana, e o quadro onde a leiloeira esperava o melhor retorno, “Men of the Docks”, 1912 de George Wesley Bellows, proveniente da colecção do Maier Museum of Art, acabou, por decisão do tribunal de Lynchburg, não ir a leilão. Em causa a ilegalidade da acção, obter fundos para o museu sem especificar para o quê.

George Wesley Bellows, "Men on the Docks", 1912

Em tribunal está também por decidir a oferta, (30 milhões de dólares), que Alice Walton, herdeira da cadeia de supermercados Wal-Mart propos à Fisk University de Nashville, Tennessee, pela colecção, de cem fotografias de Alfred Stieglitz, doadas ao museu da Universidade pelo viúva, a artista Georgia O’Keeffe. Em causa neste caso, a venda de património doado.
O curioso, é nos dois casos, tratar-se de obras de dois artistas, que na mesma época em Nova Iorque, lutavam pela modernidade e autonomia da arte americana em relação à Europa. Bellows pertencia ao grupo que se reunia à volta de um professor carismático, Robert Henri. Conhecidos como “Ashcan School”, eram anti-académicos e proclamavam o realismo, os temas, as cenas de rua de Nova Iorque. Para Henri, o povo americano deveria de aprender uma maneira de se exprimir no seu próprio tempo e na sua própria terra. Em “Men of the Docks”, Bellows pinta o transatlântico, o meio de transporte de milhares de emigrantes, que na altura chegavam à cidade à procura de emprego. Ao longe uma nova cidade precipitada construia-se em altura. Mas o seu tema favorito as lutas de boxe profissional. Manhattan transformava-se de dia para dia, e Stieglitz registou as mudanças.
Alfred Stieglitz, The Flat Iron, 1902
Alfred Stieglitz, The city of Ambition, 1910
Alfred Stieglitz, Old and New in New York, 1910
Alfred Stieglitz, From my Window "291", 1915
Alfred Stieglitz, From my window at "An American Place", 1932
Alfred Stieglitz, New York from the Shelton, 1935
Alfred Stieglitz, From my window at "An American Place", Southest, 1932
Alfred Stieglitz, From my window at the Shelton, North, 1930
Alfred Stieglitz, From my window at "An American Place", North, 1931
Alfred Stieglitz, From the Shelton, Looking West, 1931
Em 1907, numa viagem à Europa, Stieglitz tira a sua célebre fotografia “The Steerage”,
Alfred Stieglitz, The Steerage, 1907
emigrantes que o Novo Mundo rejeitara e que regressavam ao Velho Mundo de onde partiram. Nesse ano, em Paris, em casa de Leo e Gertrude Stein, Stieglitz absorve o modernismo europeu. A arte americana era também emigrante, e também vinha da Europa, e o gosto pelo modernismo foi-se desenvolvendo. Foi assim que começou Stieglitz, (1864-1946), que de fotógrafo, editor, coleccionista, galerista, foi desenvolvendo o gosto pela nova arte. Em Outubro de 1905, criava com Alfred Steichen, a “Little Galleries of the Photo-Secession”, no número “291” da quinta avenida, nome pela qual passou a ser conhecida. Três anos depois a renda duplicou e Stieglitz alugou um espaço, com duas salas, no prédio vizinho, no número 293, mas o nome, “291”, perdurou. A exposição inaugural reuniu os trabalhos fotográficos dos membros do grupo, Robert Demachy, James Craig Annan, Frederik Henry Evans, David O.Hill e Robert Adamson, mas depressa, dois anos mais tarde, depois de regressar da Europa e sob a influência do caricaturista mexicano Marius de Zayas,
Marius de Zayas, Alfred Stieglitz, c.1909
a galeria tornava-se num “laboratório experimental” e expunha simultaneamente pintura, fotografia, escultura nas duas salas minúsculas, e editava em Camera Work, (1903-1917), a magnífica revista pela qualidade de impressão, os trabalhos dos artistas acompanhados de textos modernos. Á época, Nova Iorque tinha poucas galerias, e a de Stieglitz foi a primeira a expor Rodin, Matisse, Picasso, Cézanne, Brancusi, Picabia...Stieglitz preparou o terreno para a célebre exposição Armory Show de 1913, onde pela primeira vez se reunia a arte de vanguarda europeia e americana. De Portugal, Amadeo Souza-Cardoso, como revelou recentemente a restrospectiva que a Fundação Gulbenkian organizou. Mas á volta de Stieglitz reuniam-se os modernistas americanos: John Marin, Charles Demuth, Georgia O’Keeffe, Arthur Dove, Marsden Hartley, Paul Strand...
John Marin, Movement - 9 Avenue, 1912
John Marin, From the window od "291" - looking down Fifth Avenue, 1911
Charles Demuth, Business, 1921
Francis PicabiaNew York, 1913
Georgia O'Keeffe, The Shelton with sunspots, New York, 1926
Georgia O'Keeffe, Radiator Building - Night, New York, 1927
Paul Strand, Wall Street, New York, 1915
Paul Stand, From the viaduct, 125th Street, New York, 1916
e Stieglitz, começa um novo combate, que durará até ao final da sua vida, a defesa dos artistas americanos.
Hoje Stieglitz é conhecido no mundo fotográfico como um acérrimo defensor da fotografia equiparada às outras artes. Herbert J. Selligmann, frequentador assíduo da “The Anderson Galleries, An Intimate Gallery (1921-1929), a segunda galeria depois de encerrada a “291” em 1917, relata, no seu livro, as conversas de Stieglitz dessa época. No dia 9 de Fevereiro de 1926 Selligmann recorda a conversa “Hoje, a Henry McBride, que veio visitar a exposição de O’Keeffe, Stieglitz conta-lhe a história da fotografia que Edward Steichen tirara a J.P.Morgan. Morgan já tinha o seu retrato pintado por Steichen, mas Steichen incentivado por Stieglitz tira também uma fotografia ao banqueiro, um dos seus melhores retratos. Anos mais tarde, Morgan pede a opinião a Agnes Meyer sobre o seu retrato pintado por Steichen. Meyer responde-lhe que não se compara à fotografia. Morgan pergunta-lhe onde pode encontrar a fotografia, porque a quer comprar. É Stieglitz que a tem. No dia seguinte, a Srª Greene, a secretária de Morgan vai a galeria de Stieglitz, diz-lhe que Morgan a quer comprar. Stieglitz diz-lhe que a fotografia não está à venda. Como?, diz Srª Greene, o Sr.Morgan não pode comprar o seu retrato?. Não, só se, responde-lhe Stieglitz, o Sr Morgan como membro do Metropolitan Museum of Art, puser a fotografia ao lado da pintura, nesse caso, diga-lhe que eu até lha dou como presente. O esforço foi em vão, e Stieglitz nunca mais ouviu sobre o interesse do banqueiro em adquirir a sua fotografia.”.
E se começamos com colecções, uma última história sobre a colecção de fotografias de Stieglitz do MoMA. Já perto do fim da vida, Beaumont Newhall, curador no MoMA, vai ter com Stieglitz e diz-lhe que o museu lhe prometeu $1000 dólares para adquirir algumas das suas fotografias. Stieglitz pergunta-lhe quais é que ele está a pensar. “Não quero duplicar as fotografias do Met nem as que editou na Camera Work, estava apensar nas fotografias de Lake George”, responde-lhe Newhall. Stieglitz concordou. Hoje este conjunto de fotografias fazem parte da colecção do Museu.
Faria sentido o curador actual as vender para adquirir outras obras? Ou que diria hoje Stieglitz à proposta de 30 milhões de dólares de Alice Walton?

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