sexta-feira, maio 18, 2007

Boris Mikhailov

A editora Phaidon acaba de lançar “Yesterday’s Sandwich”de Boris Mikhailov.


Um portfolio de 55 imagens guardadas numa caixa de cartão. A técnica de montagem utilizada veio como por acidente, diz Mikhailov, “the material was brought together in a rapid and arbitrary ways. People, trees, buildings – everything was layered and mixed up. I had simply to make a choice from a collection of interesting coincidences”, escreve Mikhailov sobre o trabalho agora publicado. Cada imagem é uma montagem de dois ou mais slides de fotografias produzidas no período de 1960-70. Como fotógrafo não oficial da ex-URSS, o seu trabalho foi relegado aos circuitos marginais, formado por um grupo coeso de colegas e amigos interessados em explorar problemas semelhantes, entre eles Ilya Kabakov e Eric Bulatov. Na introdução de “Yesterday’s Sandwich” Mikhailov conta-nos que já mostrara este trabalho a Serguei Morozov, censor do antigo regime, que o classifica de horrendo. “Encryption, was the only way to explore forbidden subjects such as politics, religion and nudity”, escreve Mikhailov.
Estas são duas das primeiras imagens do portfolio: “ I started with pictures of an idyllic beauty but subsequently created images that lapse into kitsch, or evoke the tedium and the ugliness of life”, escreve Mikhailov.
Mas se a leitura nesta imagem é evidente, as intermináveis filas de espera para comprar pão,

outras são magnificamente estranhas, como esta serpente sobreposta a edifícos degradados, a “ugliness of life”.


Para apresentar Mikhailov, nada melhor do que o texto que o próprio escreve nas margens de dois auto-retratos (perfil e frente) da série Viscidez, 1982.
Legendas
Segundo dados de Khodos a quantidade de judeus anterior à emigração da URSS encontrava-se em contínuo decréscimo. Autobiografia: Eu, Mikhailov Boris Andreevitch, nascido em 1938, ucraniano. Nasci em Kharkov. O meu pai ucraniano, Mikhailov, Andrei Nikolaevitch, nascido em 1903, a minha mãe Mikhailova, Khaya Markovna era judia, nascida em 1911. O meu irmão, Mikhailov, Anatoly Andreevitch, ucraniano. Aí vivi,...terminei o curso no instituto, trabalhei como engenheiro. Agora sou fotógrafo: e aqui estou a fazer obras no apartamento.

No estrangeiro estive apenas na Polónia (uma viagem de turismo). Nunca fui investigado. Agora trabalho como fotógrafo comercial. Um pouco depois do nosso casamento, Marina e eu começámos a fazer obras no apartamento de três metros por três; chamámos Gena Goloveshkin (estudámos juntos no KhIMKS). Ela disse que só caiar as paredes custaria 100 rublos e depois o papel de parede eram mais 20 (quase um salário mensal); pedimos a outros que viessem – uma brigada de mulheres que levava 100 rublos. Então fizemos nós próprios. É normal.

Mikhailov em oposição à fotografia pública e estatal da era Brezhnev, produziu a sua fotografia particular, doméstica. Corajosamente, como escreve Margarita Tupitsyn no catálogo da exposição “Fotografia Verbal”, Museu de Serralves (2004), Mikhailov troça de si próprio exibindo o seu corpo flácido e subverte – usando uma touca de nadador e levantado um peso numa das mãos – o incumprido objectivo soviético de tornar atlética toda a população”.
O texto foi a forma encontrada para justificar as fotografias que tirou, “ao introduzir texto, pude aplicar à fotografia um método que Kabakov foi o primeiro a desenvolver” diz Mikhailov. O texto permitiu-lhe compensar o seu desejo cronicamente reprimido não só de falar através da fotografia, mas também de falar acerca dela. Contudo o conteúdo dos seus textos, como acabamos de ler, situam-se no campo do pessoal, ao contrário de Kabakov cujas imagens fotográficas são combinadas com narrativas extremamente impessoais, estereotipadas.
O trabalho de Mikhailov é vasto. O Ocidente viu a sua obra quando o comunismo ruiu. Apelidado de fotógrafo documental por ter retratado o dia a dia da cidade onde viveu e cresceu, Kharkov, Mikhailov é sempre inovador.
As suas primerias fotografias são a cores. “A sua série “Vermelho”, 1968-1975, começa um ano antes de William Egglestone’s Guide. Boris Mikhailov antecipa-se a Egglestone e é o primeiro a produzir um trabalho a cores”, lia-se no texto de parede da exposição “In the face of history”.
"In the face of History", Barbican Art Gallery, Janeiro 2007, série "Vermelho" de Boris Mikhailov
Hoje, muitos trabalhos a cor saem das gavetas onde permaneceram durante anos. O triciclo de Egglestone, 1976, foi ultrapassado, e hoje já não toma a dianteira do primerio trabalho fotográfico a cores.
O seu trabalho a cores, “Vermelho”, revela a sua ironia e sarcásmo aos clichés da máquina de propaganda oficial. Ao longo da década de 1920, a cor vermelha dominou as “paletas”dos artistas e designers da vanguarda soviética, foi a cor eleita da propaganda comunista. Mikhailov, nas ruas da sua Kharkov soviética, detectou, indiscriminadamente em pessoas e objectos o vermelho e esta cor multiplicou-se incontrolavelmente:
Todas as fotografias da série "Vermelho" de Boris Mikhailov, 1968-1975

Mas na série seguinte, "Viscidez", a cidade ucraniana de Kharkov, é fotografada como o fracasso das aspirações da cultura urbana soviética.
O vermelho fica agora restrito ao texto, porque a cidade passou agora a preto e branco.
Legenda
Que tipo de câmara é a sua? Estrangeira?
- Japonesa.
- Vive há muito tempo em Kharkov?
- Há muito tempo.
Aqui está uma fotografia do automóvel estacionado junto aos portões. A última fotografia meio em branco do rolo que foi inutilizado. Não é recomendável fotografar na vizinhança do bazar.


Este é um breve diálogo com um polícia (inscrito a vermelho, ainda a confrontação com a autoridade), em que Mikhailov é interrogado sobre a marca da sua câmara e sobre se é residente na cidade. Ao admitir que a câmara é estrangeira levanta suspeitas, pois aos olhos da polícia, estrangeiro não é digno de confiança. Em consequência Mikhailov é impedido de tirar fotografias e o seu filme inutilizado.

Os desenvolvimentos urbanos da década de 1920, não se restringiram a Moscovo, como nos mostram as fotografias de Rodchenko. Kharkov, capital da Ucrânia até 1934, sofreu um enorme impulso na construção civil desses anos, foi oficialmente declarada um dos maiores centros industriais da républica e de toda a União. A revista de propaganda “URSS em construção” (ver post Vanguardas Russas, 1/03/07), dedica em 1930 uma edição dupla a Kharkov.
O trabalho de Mikhailov é diferente do Ocidente. Utiliza a cor quando o Ocidente utiliza o preto e branco, e utiliza o preto e branco quando o Ocidente abraça definitivamente a cor. O trabalho fotográfico de Mikhailov é extenso e interessante. Para o avaliar proponho compará-lo com diferentes visões da fotografia soviética no próximo post.

1 comentário:

Tomé Duarte disse...

Lia há tempos em http://www.journalofaphotographer.com/thoughts/a_heroic_photographer_should_be.php

"A Heroic Photographer Should Be:
a) invisible
b) well-balanced
c) committed
d) what do you mean "heroic"?"

Neste post fica bem clara a qualidade principal que define "herói":

e) aquele que abdica do sucesso fácil e imediato por...

(ps. obrigado pela visita, gostei de ler o comentário)