sexta-feira, abril 20, 2007

O Brilho das Imagens

Como referi no último post, e depois de situados geográficamente, olhemos então para algumas obras da exposição “Brilho das Imagens” que se pode ver no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa. Começemos pelos Painéis do Políptico de Strzegom. Como nos é referido no texto de parede estes painéis faziam parte de um retábulo monumental da Igreja de S.Pedro e S.Paulo em Strzegom.

Anunciação(face interna do painel)
Prisão de Jesus (face externa do painel)
Natividade
Flagelação
Apresentação no Templo
Caminho do Calvário
Deposição no Túmulo
Conversão de S.Paulo

Em 1998, Bill Viola foi convidado pelo Getty Research Institute a disfrutar um período, como investigador na sede do Museu em Los Angeles.
“Quase todos os dias a seguir ao almoço dáva um passeio pelas salas do Getty Museum...sentia-me atraído por algumas obras religiosas dos séculos XV e XVI, como esta Anunciação de Bouts...
Anunciação de Dierik Bouts, 1450
a ambiguidade do movimento das mãos de Maria, fascinou-me. O movimento será de abertura? Ou fecho?...a mim interessa-me o que os mestres antigos não pintaram, os passos intermédios...”.

Olhemos para este painel do Políptico de Strzegom,
não nos evoca duas visões simultâneas, a morte e ressureição? Ao olharmos para o painel sentimos um movimento ambíguo semelhante ao de Viola, o corpo está a ser depositado ou a ser retirado do túmulo? O texto de parede elucida-nos, Deposição no Túmulo.

“Há já alguns anos ao folhear um livro deparei-me com esta ilustração de um fresco de Masolino, que mostra o cadáver de Cristo no sepulcro segurado por Maria sua mãe, e S. João Envagelista. Na altura inspirou-me mas acabei pondo-o de lado, não me interessáva reencenar este quadro histórico”.
O fresco de Masolino, Pietá, de 1424 representa como no painel de Strzegom, a deposição de Cristo no túmulo, mas curiosamente aqui também o movimento é ambíguo, ressureição ou morte?.
Pouco depois da sua estadia no Getty, Viola começou a escrever num caderno, notas com ideias para novas obras. O imaginário cristão e as emoções visíveis nas obras dos antigos mestres, serviram de ponto de partida para a série “The Passions” que inicia em 2000.
Em “Emergence”, 2002, Viola regressa à imagem de Masolino. A imagem do vídeo que é projectada é do tamanho de um retábulo de altar. As figuras das duas mulheres sugerem resonâncias com as figuras bíblicas, as roupas evocam essa época mas são contemporâneas, e no início as mulheres parecem estar em vigília ao sepulcro,
Bill Viola "Emergence" 2002
esperam com paciência e em silêncio, até que emerge dentro dele uma figura, que faz jorrar àgua,
Bill Viola, Emergence, 2002
simbolizando a ressureição. O vídeo reproduz um tema recorrente da pintura medieval e renascentista, mas diferentemente, as figuras de Viola não estão imóveis, o vídeo, utilizando uma técnica sofisticada, é projectado num movimento extremamente lento, permitindo ao espectador reconhecer os extremos emocionais porque vão passando as duas mulheres. Nos retábulos medievais e renascentistas, como no Políptico de Strzegom, é-nos narrada uma história. A Viola não lhe interessa narrar uma história, antes são os estados emocionais que lhe interessa revelar, e no caso de “Emergence” a tristeza provocada pela morte. A figura que emerge, que mais se assemelha a uma estátua de mármore
Bill Viola, Emergence, 2002
e que sugere a ressureição, está afinal sem vida, morta.
Bill Viola, Emergence, 2002
Em toda a série “The Passions”, Viola convida-nos a observar todas as emoções primárias, alegria, tristeza, ira e medo, “Emergence” representa a tristeza causada pela dor quando perdemos alguém que nos é próximo.
Esta obra de Viola cativa pela sua estranheza, se estamos em presença de um imaginário que nos é familiar, a Deposição no Túmulo, há algo inesperado, o milagre da ressureição fica incompleto.

Olhemos agora para o Díptico da família Winterfeld, em exposição.
Díptico da Família Winterfeld, Gdansk,c. 1430-1435
Têmpera e folha de ouro sobre madeira de carvalho, 165,5 x 105 cm

Neste painel móvel, com cenas da Paixão de Cristo, observemos a cena inferior do painel, a Flagelação e Lamentação.
Aqui vemos a figura de Cristo a ser flagelado e simultâneamente a figura da Virgem sentada no sepulcro, que segura nos seus braços o corpo do filho morto.

O sonho do Papa, foi outro quadro do Getty Museum que atraiu Viola.
“o que me atrai neste quadro são os diferentes espaços que aqui se reencontram. Aqui é a ideia de simultaneidade de espaços, que se perdeu na nossa época, que me fascina. O Papa, está simultâneamente representado no interior do seu quarto
e no exterior da casa”.
No painel Winterfeld, visualizamos também Cristo a ser Flagelado e Cristo já morto nos braços de sua Mãe. “Hoje, com a fotografia, perdeu-se a possibilidade de ver dois momentos em simultâneo, imagem tão recorrente na pintura medieval e renascentista” diz Viola.
“Going Forth By Day”, também de 2002, consiste numa série de cinco cenas projectadas em simultâneo numa parede com a duração de 35 minutos. Em “The Voyage”, uma das cinco séries, Viola recupera não só o modelo das casas italianas como a possibilidade de ver as mesmas figuras em dois momentos diferentes na cena.
Bill Viola, Going Forth by Day, 2002
O homem quase moribundo que vemos deitado na cama e a mulher aparecem simultaneamente na barcaça que se prepara para atravessar o lago.
Nesta obra diz Viola “trato de temas como a existência humana: a individualidade, a sociedade, o nascimento, a morte, a ressureição”.

Por último olhemos para este Políptico de quatro painéis com Cenas da Vida de Cristo e Maria, que vemos logo no início da exposição.
Políptico de quatro painéis com Cenas da vida de Cristo e de Maria
Silésia, 1350-1360
Têmpera, folha de ouro sobre madeira de tília, 25,7 x 15,5 cm
Trata-se de um altar portátil de pequenas dimensões com painéis pintados de ambos os lados e articulados por dobradiças, que se destinava à devoção particular. Fechando os painéis sobre si próprios, o políptico adquire o formato de um livro.
Educado na fé cristã, Viola durante muitos anos interessou-se pelas práticas religiosas orientais, mas enquanto residente no Getty, Viola regressou à leitura de textos cristãos. Interessou-se não só pelos textos dos místicos dos finais da idade média como também pelos estudos actuais sobre a devoção medieval. Os escritores medievais como Thomas Kempis e Geert Grote, aconselhavam os fiéis a meditar na imagem do Cristo sofrido. Quando Viola começa a trabalhar na série “The Passions”, recorre frequentemente a estes textos e imaginou, tal como fazemos com os computadores portáteis que transportamos fácilmente, dípticos pequenos em ecrã plasma LCD, que também o fascinara pela sua suavidade e nitidez. Cria a sua primeira série “The Locked Garden”, 2000, á semelhança dos pequenos retábulo da idade média.
Em “The Locked Garden” vemos imagens de dois actores que numa sucessão contínua e lenta vão passando por diferentes estados emocionais, alegria, tristeza, ira e medo.
Bill Viola, The Locked Garden, 2000
Bill Viola, The Locked Garden, 2000

Sem pretender reencenar a pintura medieval e renascentista, foram estas obras que serviram de fonte de inspiração a Bill Viola, quiça também inspire a quem for ver.

Nota
“Emergence” de Bill Viola, está em exposição no Museu Nacional de Belas Artes de Granada até 19 de Maio.

1 comentário:

cs disse...

perfeito este seu espaço.
muitos parabéns

cs