No passado fim de semana, o colunista do Público, Pedro Mexia, ilustrou o seu artigo de opinião com uma fotografia do interior de uma barbearia. Mexia no artigo refere-se ao seu barbeiro mas escolheu uma barbearia, que certamente não é a sua, para ilustrar o que dizia sobre o seu barbeiro. Mas nesta fotografia de Fernando Veludo, vemos duas cadeiras vazias viradas para uma parede com espelhos.
Fernando Veludo
Os espelhos normalmente são excelentes em acrescentar informações, mas neste caso limitam-se a reproduzir a cor da parede e só revelam um pequena cortina e luzes. Estas estão acessas, mas a barbearia está a fechar ou a abrir ou as cadeiras aguardam mais clientela?
Walker Evans viu e registou nas suas fotografias a realidade americana de uma forma directa e simples, como disse uma vez: “uma bomba de gasolina é uma bomba de gasolina, nada mais”, poderia ter dito, uma barbearia é uma barbearia e nada mais, mas com este nada mais de coisas simples, Evans criou um novo vocabulário visual. Carros, bombas de gasolina, estradas, cartazes, luncheonettes, cemitérios, barbearias...fazem hoje parte da iconografia da fotografia americana. As fotografias de Evans foram e ainda são fonte de inspiração, Robert Frank, Ed Ruscha, Stephen Shore... reconhecem-lhe a dívida, mas enveredaram depois por outras vias porque o olhar, mesmo para as coisas mais simples transforma-se. Olhemos então para essa loja, cuja clientela são homens, e que continua a fascinar fotógrafos:
Uma vez em Atlanta, Evans entrou nesta barbearia vazia,
Walker Evans, Negro Barber Shop, Interior, Atlanta, 1936
Aqui não são os clientes que aguardam a sua vez, são as cadeiras já preparadas com toalhas na cabeçeira e braços que aguardam que algum cliente se sente nelas. A barbearia está vazia, mas não abandonada, Evans gostava “to suggest people sometimes by their absence”, e é isso que ele quer fotografar, não a barbearia mas as cadeiras vazias à espera.
Anos mais tarde quando fazia o seu “road trip”, em 1955-56, Frank encontra uma barbearia na Carolina do Sul que lhe lembra a barbearia de Evans. Mas Frank não entra neste espaço vazio.
Robert Frank, Barber Shop through Screen Door, McClellanville, South Carolina, 1955
De fora, olha pela porta em vidro e juntamente com o seu reflexo e o das casas do outro lado da rua fotografa esta barbearia onde também as cadeiras pacientemente aguardam o próximo cliente. Frank gosta da ambiguidade, e interior exteriror misturam-se porque memória e realidade são o que Frank quer registar.
Mais tarde, 1958, a caminho da Florida com Jack Kerouac, Frank retorna à barbearia, quer mostrá-la a Kerouac. A loja está na mesma “even the bottles on the shelf are all the same and apparently haven’t been moved” diz Frank a Kerouac. Mas desta vez o barbeiro estáva lá e ofereceu-lhes café e insistiu em cortar-lhes o cabelo.
Wright Morris, prefere os detalhes e fotografa-os
Wright Morris, Barber Shop Utensils and Cabinet, Cahow's Barber Shop, 1942
mas o espelho da barbearia prega-lhe uma partida e junta mais informações e assim revela-nos que a barbearia está aberta mas vazia e que mais outra cadeira pacientemente espera por um cliente.
Michael Ormerod, como nos diz Geoff Dyer, gosta de catalogar fotografias que fazem parte da iconografia americana e inevitálvelmente não se esqueçeu da barbearia no seu catálogo.
Ormerod escolhe a Sal’s Barber Shop mas nada vemos do seu interior,
Michael Ormerod: Untitled, undated
estranhamente só é visível duas cabeças de veado embalsamadas e o edifício da frente reflectido. As cortinas estão corridas o que nos sugere abandono. Lá dentro cadeiras vazias acumulando pó já não esperam ninguém, imagina-mos nós.
E no Novo México, em Roswell, na East Walnut st, no dia 26 de Setembro de 1974 Stephen Shore encontra esta Barber Shop.
Stephen Shore, Barber Shop, East Walnut St, Roswell, New México, 9/26/1974
A loja parece que interrompe o passeio, em vez de olhar em frente para a rua que está de lado, e na montra está reflectida a estrada e um jeep. Tal com a barbearia de Ormerod parece abandonada, a porta de vidro e a portada de dentro estão ambas encerradas, mas o barbeiro ao sair esqueçeu-se de virar o cartão, e o OPEN não nos deixa entrar.
E finalmente Peter Brown em Brownfield Texas junta dois íconos da fotografia americana, a bandeira e a barbearia.
Peter Brown, Barber Shop, Brownfield, Texas, 1994
A loja está fechada e novamente o que vemos é o reflexo do fotógrafo com uma camara de grande formato que nos faz lembrar Atget, também ele reflectido com uma camara de grande formato em Coiffures- Postiches. E aqui fecha-se o círculo. Atget foi o mentor de Evans como ele sempre reconheceu. Afinal não foi Atget que começou por fotografar esta montra especialista em penteados e capachinhos no Palais Royal?
Eugène Atget, Palais Royal, Paris, 1926-27
As barbearias também me fascinaram, mais que os cabeleireiros, e numa aldeia de Trás-os-Montes encontrei esta barbearia
Trás-os-Montes, 1981
com o barbeiro, cliente e mais alguém que de pé espera a vez, ou será que espera pelo amigo equanto dá mais um dedo de conversa?
terça-feira, abril 24, 2007
Barbearias
Etiquetas:
Elementos
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
6 comentários:
se me permite: ex-ce-len-te!
e, deduzo, consequência, pelo menos indirecta, do comentário de carlos lobo ao post anterior?...
se sim, só para salientar isso mesmo: que é um dos fenómenos que acho mais fascinantes nesta espécie de 'comunidade na blogoesfera', ou seja, de um comentário surgir um estímulo ou uma ideia para um post que por sua vez poderá motivar novos comentários ou mesmo novos posts e...
enfim, gostei imenso. mais uma vez.
impecável
Quando no sábado vi a barbearia no Público pensei logo fazer um post e as duas barbearias que me ocorreram de imediato foram a de Evans e Frank. A consequência indirecta é que começei pelo Evans, podia ter começado com o Atget, seguia uma lógica cronológica...
Obrigado
ah, pensei que teria sido pela referência de shore à influência que nele teve evans (história contada por carlos lobo).
seja como for, muito curioso ter terminado com atget, amplia - invertendo - a história das filiações, ou pelo menos, influências que, como em todas as artes, atravessam a história da fotografia.
já agora uma pergunta que me está atravessada: no post que dedicou a atget, e como era típico dele, há muitas ambiências de nevoeiro, com toda a estranheza - indefinição da realidade - vulgarmente associada a ele. porque não é ele considerado, então, um pictorialista? por não ter usado filtros ou manipulado posteriormente as suas fotos para conseguir aqueles resultados?
desculpe o abuso, bom feriado.
Antes de tudo, olhando para as fotografias dos pictorialistas e para as de Atget é vísivel a diferença, seria fácil se no comentário pudesse postar as fotografias dos pictorialistas e Atget.Contudo os pictorialistas utilizavam alguns artefactos nas lentes, como já referi num post, para criarem atmosferas brumosas, e para além disso as figuras eram compostas de forma a parecerem quadros do sec XIX. Atget fotografava logo pela manhã, não utilizava truques mas sim uma camera de grande formato antiga e como ele próprio dizia fazia documentos para artistas,as suas composições não eram manipuladas.Atget sobrevivia a vender as suas fotografias como tb referi no post sobre ele. Enfim, umas são brumas criadas artificialmente outras são brumas reais...mas procure na internet as fotografias dos pictorialistas, Robert Demachy, Steichen...e verá que há diferenças.
Enviar um comentário