terça-feira, abril 03, 2007

Comissário de Exposições, um exemplo.

O comissário, ou curador de exposições é uma figura recente no mundo da arte. Papel progressivamente constituido a partir da exposição “When Attitudes Become Form” do suiço Harald Szeemann em 1969, a curadoria de exposições tende hoje a tornar-se numa nova profissão, basta ver a proliferação de mestrados na área. Hoje o trabalho de comissário de exposições é um exercício de imaginação, criatividade e eficácia, consequentemente não tem regras, mas em breve, e como já sucedeu em muitas outras profissões, o corporativismo tenderá a impor os seus limites e a sufocar a criatividade.

Os prejudicados vamos ser nós, os espectadores de exposições. Será impensável, dentro de poucos anos, convidar-se por exemplo, um Engenheiro Químico que não tenha nenhuma licenciatura ou mestrado em curadoria, a comissariar uma exposição num museu ou outra instituição. O suiço Hans Ulrich Obrist, licenciado em Ciências Económicas e Políticas e hoje apontado por muitos como o sucessor de Szeemann, diz “que não existe uma escola única, comissariar é um processo de reinvenção contínua”. Mas tentemos perceber o relevo que ultimamente tem tido o papel do curador. Robert Storr, o comissário da 52ª edição da Bienal de Veneza 2007, a abrir no próximo dia 10 de Junho, disse recentemente “a crítica desmistificou o artista e agora estamos em vias de mistificar o comissário. Não creio que isto seja bom”. Obrist a este respeito pensa que um comissário lança um projecto mas depois deve saber desaparecer. A “mistificação” deriva em muito do papel imaginativo e criativo do comissário. Se no modelo expositivo clássico, as obras eram normalmente apresentadas segundo uma ordem cronológica, porque o que interessava era apresentar as obras de arte, hoje, perante um público cada vez mais exigente, as exposições mesmo em museus mais conservadores, têm um papel mais activo, ensaiam-se cruzamentos entre o artístico e o mundo que nos rodeia tentando despertar no espectador a sua imaginação pelas temáticas apresentadas.
As exposições actuais são na sua maioria temáticas. O comissário, procura uma interrogação, um problema para o tratar enquanto tema, e simultâneamente conjuga-o com o(s) artista(s) que o corporiza(m). A exposição, que no final é a narrativa do tema, é percorrida a pé pelo espectador, e é na fisicalidade do percurso que um bom comissário se distingue pela forma como confronta e apresenta o conjunto das obras no espaço.
Ingenuidades, exposição que pode ser vista na Fundação Gulbenkian até ao dia 29 deste mês e comissariada por Jorge Calado, é um excelente exemplo do que se acabou de dizer. A exposição é uma narrativa “sobre o estado actual do nosso planeta, transformado e mal gerido pelos homens”. Tema actual, que nos interessa a todos. Hoje enfrentamos com maior consciência do que há vinte anos atrás, a possibilidade da humanidade não sobreviver perante os desastres causados pelas transformações climáticas, e o perigo que se avizinha leva-nos finalmente a reagir. A ausência da Engenharia do Ambiente na exposição, é a forma de evidênciar o recado - é preciso um esforço de todos para melhorar o ambiente.
A forma como o conjunto das 350 fotografias se confrontam e se organizam no espaço para representarem o tema, o estado do nosso planeta, é para mim, a mais valia da exposição.

No início vemos a última fotografia, uma enorme ampliação “Mudança de Turno na fábrica Kelly & Lewis Engineering” de Wolfgang Sievers,
mas só no fim, depois de uma caminhada com muitos percursos, é que estamos suficientemente próximo para captarmos a mensagem, “Homens e Mulheres do Universo Uni-vos”, lê-se ao lado da ampliação, uma imagem cheia de homens e mulheres que sorriem enquanto olham para o céu.
Wolfgang Sievers(n.1913), Mudança de Turno na Fábrica Kelly & Lewis Engineering, Springvale,Melbourne, 1949.
Fisícamente estamos no local que corresponde ao tema AR, escolhido para terminar a exposição, rodeados por paredes pintadas de um azul claro e onde também nós, podemos olhar para o céu e ver as estrelas que David Stephenson fotografou ( Estrelas 1996/nº1004, 1996). Percebemos então que a caminhada que fizemos não termina no abismo. Se o comissário não escolheu as imagens de “Mudança de Turno” de Metropolis (1927) de Fritz Lang, é porque ainda há salvação para o nosso planeta.
Fritz Lang, Metropolis, 1927. "Mudança de Turno"
Ao contrário da exposição, o filme de Lang inicia com “Mudança de Turno” e os seus operários, ao contrário dos da fábrica Kelly, não sorriem nem olham para o céu, andam como autómatos e olham para o chão,
e finalmente, ao contrário da mensagem “uni-vos”, a tábua de salvação, os operários de Lang já estão perdidos e preparam-se para entrar no elevador que os conduzirá ao abismo, ao inferno das máquinas e ao perigo de explosões.
Para Lang, o homem transformara de tal forma o mundo, que agora era difícil sobreviver, e neste ponto partilhamos a mesma ideia de Lang á medida que percorremos a exposição. Se nos sentimos frágeis perante as catástrofes que vamos vendo no início, tsunamis, terramotos, secas, actos terroristas...
Joel Meyerowitz, As Torres Gémeas, 25 setembro 2001
quando chegamos à Engenharia Nuclear, onde “Os cientistas e engenheiros perderam a inocência” e deparamos com “Sarcófago de Chernobyl” de James Leranger
James Lerager, Sarcófago de Chernobyl, 1991
o nosso planeta já nos atorroriza e o homem parecendo inconsciente das suas acções testemunha as explosões das bombas nucleares,
como se assistisse a um espetáculo.
Mark Ruwedel, As testemunhas (I), lugar de testes no Nevada. A área de observação de 14 testes (nucleares) atmosféricos, em Frenchman Flat, 1955-62
Entramos depois naquilo que imaginamos poder ser o inferno, o Fogo, e fazemos “O percurso do petróleo”ao lado das Engenharias Químicas. As paredes estão pintadas de um vermelho escuro, que associamos ao ouro preto, fácilmente inflamável, PROIBIDO FAZER LUME, lemos enquanto abastecemos os carros nas bombas de gasolina.
O percurso começa com “Construção do revestimento de betão para a plataforma de extracção de petróleo”, doca seca de Graythorpe, North Tees (1989) de Ian MacDonald, seguida de “Perfuração petrolífera na plataforma semi-submersível “Nymphea” no estreito de Bass, de Wolfgang Sievers, para continuar, já noutra parede, com as transformações químicas necessárias ao processo de refinação. Deparamo-nos então com esta maravilha,
Abelardo Morell, Construção com vidro de laboratório, 2004
“Construção com vidro de laboratório” um complexo emaranhado de tubagens de vidro de Abelardo Morell. Esta fotografia num primeiro momento induz-nos em erro, julgamos estar perante um laboratório do século XIX, onde os cientistas e engenheiros químicos ainda não tinham perdido a inocência, ou assim julgamos nós, mas reparamos depois que a fotografia é de 2004, e as imagens que vemos dos laboratórios actuais não são assim. Na nossa imaginação, esta “construção com vidro de laboratório”, faz parte de um passado. Mas o curioso, é que cada vez mais a nossa percepção da realidade é feita de imagens que vemos dos media e não de experiências reais, não conheço laboratórios para julgar se são ou não do passado. Há quem diga que o nosso mundo se “Disneyficou”, e de tantas imagens que vemos, as cidades e as paisagens transformam-se em cidades que dão a sensação de serem autênticas, e é esta sensação de autênticidade que passa a ser importante e mais estimulante do que a realidade em si. E estamos embalados nestas reflecções, olhamos para o lado e vemos “Craker, Refinaria Esso” um complexo emaranhado de estruturas e tubagens de Thomas Weinberg.
Thomas Weinberg, Craker, Refinaria Esso, 2003
Realidade ou ficção? Sem conhecermos os seus truques, as fotografias de Weinberger causam-nos estranheza, as luzes estão acessas, os tempos de exposição são longos, mas ainda há luz, que hora do dia é esta? Amanheçer? Anoitecer? As fotografias de Weinberg vivem de dia e de noite, que a refinação do petróleo não pode parar e já numa outra parede, passamos a ver o transporte do ouro negro. As distâncias que percorrem os oleodutos são longas, e David Stephenson soluciona em parte o problema com um tríptico, "Oleoduto Trans-Alaskiano na confluência dos rios Delta e Tanana, Alaska",1981. Depois de uma estonteante descida pela “Tubagem de refinaria, Standard Oil,Tomball, Texas.”, de Esther Bubley o crude segue pela “Refinaria do Lago Charles no Louisiana.” de Fritz Henle, e chega finalmente aos consumidores à “Ópera de Sydney. Camião-cisterna a encher depósito de gasóleo através de buraco no chão e rabo de um operário” de Roger Scott, e às bombas da “Mobil/ Atrelado” de Jeff Brouws.
Jeff Brouws, Mobil/Atrelado, Inyokern, Califórnia, 1991
Este percurso criado pelos engenheiros seria magnífico se não sentíssemos uma guerra que pode estar eminente, receia-se que o alastramento do actual conflito entre o Ocidente e o Irão, possa conturbar o estreito de Ormuz por onde passa um quarto de todo o petróleo comercializado no mundo.

Repito é na fisicalidade do percurso que um bom comissário se distingue pela forma como confronta e apresenta o conjunto das obras no espaço.

E para terminar, uma curiosidade, das críticas que li da exposição, todas referiam que a exposição podia ser percorrida nos dois sentidos, do início para o fim e do fim para o início. Para mim, e ainda bem que há diferenças, só consigo percorrer num sentido, do início para o fim, preciso de passar quase pelo inferno, FOGO, para sentir o alívio no céu, AR.

3 comentários:

outroblog disse...

Mais uma vez uma maravilha. Despertou-me uma enorme vontade de ir ver a exposição...
:)

Madalena Lello disse...

Faça atenção que a exposição só está até ao final do mês.

Anónimo disse...

eu tenho 18 e queria muito me formar como um curador tava tentando ententer melhor no wikipedia ai tm o link pro seu blog nao sei por onde começar acho que fzndo uma facu em historia da arte neh??adoro estetica keria trabalhar na sothebys rsrs com akeles quadros do seculo 19 16:PPP