quinta-feira, março 01, 2007

As Vanguardas Russas

Ao longo destes meses, os assuntos sobre os quais tenho escrito têm sempre um estímulo exterior, sejam exposições, conferências, livros recentemente editados, notícias nos jornais... e é a partir desses estímulos que surgem os posts. Freud revelou que também os nossos sonhos se alimentam de estímulos exteriores, e cada um de nós o pode confirmar. Quando nos conseguimos lembrar, as histórias dos sonhos partem frequentemente de estímulos recentes.

Em Novembro passado, tive a oportunidade de ver uma excelente exposição”Une Arme Visuelle: le photomontage sovietique 1917-1953”.

Contudo, por falta de tempo, a exposição passou, e não cheguei a aproveitar o tal estímulo exterior para escrever sobre esse excepcional periodo da história da fotografia. Na passada terça-feira, Delfim Sardo, na Culturgest, num ciclo sobre os géneros artísticos contemporâneos, "Um fotograma é uma fotografia?", foi o tema que Sardo escolheu para encerrar o ciclo.
Podemos ler no site da Culturgest o que Sardo escreve a propósito desta última sessão dedicada à fotografia:“ A fotografia e a imagem projectada ocupam um sector muito importante da produção artística contemporânea, mas são também responsáveis por um retorno de vinculação ao real. Entre o documento e o monumento, quais os caminhos da imagem?”

Documento e monumento inevitávelmente levaram Sardo a centrar-se nas vanguardas soviéticas. A monumentalidade da fotomontagem e das exposições com fotografias em grande escala, iniciaram-se com as vanguardas russas, diz-nos Sardo. El Lissitzky combina fotografia com arquitectura na concepção e design de exposições, Alexander Rodchenko com as suas fotomontagens e Dziga Vertov, o cineasta, acabaram por ser as figuras centrais da conferência. Os três são amigos. Lissitzky, ilustra em 1929, o livro Fotoglaz ( Olho da fotografia) de Vertov que nunca chegou a sair,
El Lissitzky, montagem
Rodchenko em 1924, desenhou o cartaz para a série Kinoglaz (Olho do Cinema) de Vertov.
Só em 1928, Vertov deu a versão do Kinoglaz em O Homem com a máquina de Filmar, que Sardo nos projectou uma parte. Fotografia, fotomontagem e filme serão a arte da nova Rússia. E tal como Sardo, começemos por apresentar El Lissitzky, com Construtor, o seu auto-retrato de 1924. Recorrendo à montagem, Lissitzky criou um dos seus mais famosos trabalhos ao qual se referiu como o seu “mais colossal absurdo”. A imagem é uma amálgama de referências que não só se referem à sua própria vida, mas que vão mais além, fazendo alusão ao estatuto do artista moderno contemporâneo.
Constructor, El Lissitzky, 1924
A sua imagem é inserida num contexto de objectos que completam a sua identidade. A sua figura emerge de um fundo de papel milimétrico, utilizado por arquitectos e engenheiros. O compasso que sai do seu olho, segurado pela sua mão, simboliza o estatuto do artista como arquitecto, cuja criação racional da forma resulta numa organização do espaço. Utilizado frequentemente em outras obras suas, o compasso representa a consciência criativa de Lissitzky. As letras XYZ desenhadas com escantilhão, são o timbre do seu papel de carta. Construtor, é símbolo da combinação da criatividade do intelecto humano com a tecnologia moderna. Largamente reproduzido em revistas e livros, tornou-se num ícone de arte dos anos vinte.

E Sardo refere-se então à célebre Vkhutemas em Moscovo (Oficinas Superiores Estatais das Artes e das Técnicas), onde no início da década de 1920, Lissitzky e Rodchenko são as figuras de proa que aí leccionam. Pela atmosfera interdisciplinar o instituto é comparável à Bauhaus alemã.
É mais fácil exemplificar mostrando fotografias :
Ascona, Moholy-Nagy,1926
Edição da manhã,Alexander Rodchenko,1928
Dessau, Bauhaus,Moholy-Nagy,1926-28
Traseiras da VChUTEMAS,Alexander Rodchenko,1928
Moholy-Nagy,1926
Alexander Rodchenko, Girl with Leica, 1934

Ao contrário de Man Ray, os fotogramas de Moholy e Lissitzky exploram a materialidade e a imaterialidade da opacidade e da transparência.
Untitled, 1930,Moholy-Nagy, Fotograma
Untitled, 1927 ,El Lissitzky, Fotograma
O clima de criação que se vivia em ambas as escolas estão em perfeito acordo.

A semelhança entre Rodchenko e Moholy-Nagy tornou-se explícita, quando em 1928 as fotografias de Rodchenko foram reproduzidas na Sovetskoe foto (Fotografia Soviética), ao lado de Moholy e Renger- Patzsch e acusava Rodchenko de plágio. Lendo documentos da época o problema do plágio era na época fruto de muitas discórdias, o que não deixa de ser um paradoxo num país que se queria comunitário. Aleksei Gan, edita em 1926, um semanário Kino-Fot, (Cinema e Fotografia). No 2º número de Kino-Fot, Stepanova, mulher de Rodchenko, defende-o do plágio de que tinha sido alvo. As fotografias são acompanhadas pelo artigo de Ossip Brik “O que o olho não vê”
Nº2 de Kino-Fot, fotografias de Rodchenko

Ambos, Rodchenko e Lissitzky tinham viajado por Berlim e Paris e ambos abandonam a pintura, os objectos criados para contemplação estética são banidos e progressivamente ocupam-se da fotografia. “A pintura desaparece com o velho mundo onde tinha uma existência própria. O novo mundo não terá necessidade de pequenas pinturas. Se precisar de um espelho, encontra-lo-à na fotografia e no cinema” escreverá Lissitzky. Para ambos a pintura era um luxo e estava a ser aniquilada pela folha impressa, muito mais utilitária na sua função de informar a transformação social que se operava no país. Com a inauguração do plano quinquenal de Estaline, em 1928, Rodchenko e Lissitzky conjugam arte e política e as suas aptidões criativas são postas ao serviço de propaganda do novo Estado Soviético. A fotomontagem, elaborada a partir de fotografias e considerada como representação da realidade, seria a resposta às necessidades da época. A revista URSS em construção, criada em 1930, destinada a uma distribuição em massa, divulgava os avanços do plano quinquenal. O povo era sorridente e vivia feliz com as obras em curso.
URSS em Construção, 1933,fotografias de Rodchenko na construção do canal no mar Báltico
URSS em Construção, 1940, design El Lissitzky

Por outro lado o novo Estado Soviético, promovia-se não só internamente como internacionalmente através de ambiciosos planos de grandes exposições. O pavilhão soviético na “Pressa”, exibida em 1928 em Colónia, teve como designer principal Lissitzky.
Catálogo desdobrável da exposição Pressa, design de Lissitzky
Montagem da exposição Pressa em Colónia, fotografo anónimo
Embora hoje o projecto seja associado só ao nome de Lissitzky, um grupo de fotógrafos como, Sergei Senkin, Gustave Klutsis...tiveram muito envolvidos.
Serguei Senkine, Fábrica,1931
Gustave Klucis, La Spartakiade d' URSS, 1928
O projecto foi um sucesso. Com “Pressa”, Margarita Tupitsyn uma especialista em história de arte russa, refere que a segunda vanguarda soviética surge com o aparecimento de um novo instrumento, o filme. Filme, fotografia e fotomontagem seriam os suportes das vanguardas soviéticas. Com base numa observação de Ossip Brik “a base da cinematografia era a fotografia”, Lissitzky, em “Pressa” apresenta um design de simbiose entre filme e fotografia. Igualmente na célebre exposição FiFo (Filme e Fotografia) realizada em Stuttgart em 1929, a mostra soviética foi a única que conseguiu estabelecer uma estreita relação entre cinema e fotografia. Em estruturas abertas, como vemos na imagem,
Exposição FiFo, Stuttgart, 1929, pavilhão russo
estavam montadas de forma solta fotogramas de filmes de Vertov e de Eisenstein. Malevitch referir-se-à nestes termos aos filmes de Vertov “mostram o objecto enquanto tal e forçam a sociedade a ver os objectos sem qualquer maquilhagem, reais, autênticos e independentes do mundo idealizado...Esses objectos apresentam uma imagem muito mais poderosa e interessante que todas as faces em pinturas e os seus conteúdos.”
O impacto da monumentalidade das fotografias nestas exposições influenciaram a Itália de Mussolini, a Alemanha de Hitler e nos Estados Unidos, no MoMA, quando o país entrou na 2ª guerra mundial, referiu-nos Sardo, ilustrando algumas delas como esta que aqui reproduzimos.
Átrio de entrada de exposição Die Kamera, Berlim, 1933

E da monumentalidade das vanguardas russas, Sardo, passa para o conceito de “Monuments” de Robert Smithson. Régis Durand, diz-nos Sardo, no seu livro Le Temps de l’image, faz uma análise do que são os “novos monumentos” do nosso tempo. Para Smithson a fotografia transforma o mundo em museu, em cartografia, ela, a fotografia, transforma o site em non-site, e nós não lhe conseguimos escapar. Sardo projecta então a
fotografia de Smithson, que regista com uma Instamatic 400 quando faz uma viagem a Passaic subúrbio de New Jersey, onde nasceu.

“A Guide to the monuments of Passaic” ficará á espera de um novo estímulo.

3 comentários:

catarina wheelhouse disse...

olá! só uma sugestão de carácter formal para facilitar a visualização do site: restringir o número de posts a ver por página...

j.lip's disse...

este artigo esta muito bom, e ajudou-me num trabalho sobre fotografia. parabens. :)

Anónimo disse...

O Professor Delfim Sardo é meu professor na Fac. de Belas Artes de Lisboa. Amanhã tenho um exame com ele, lol vou estudar por aqui...tem mais informação!