No passado dia 6 de Março, o ministro da cultura francês, Renaud Donnedieu de Varbes, acompanhado de uma grande comitiva entre eles o director do Louvre, Henri Loyrette, assinaram em Abou Dhabi (Emirados Arábes), o acordo Louvre- Abou Dhabi.
O acordo consiste em ceder a marca “Louvre” para o novo museu que os Emirados querem construir em troca de 400 milhões de euros. Para além da cedência da marca, durante trinta anos renováveis, a França compromete-se a emprestar obras das colecções de todos os seus museus, por 190 milhões até o museu constituir a sua própria colecção e organizará exposições das quais receberá 195 milhões.
Com as eleições presidenciais à porta, o receio de se voltar à estaca zero nas negociações, levou ambas as partes numa corrida contra o tempo a assinarem o contrato.
“Henri Loyrette entrou na história, saiu-lhe o jackpot” lê-se na imprensa francesa.
Em França os museus são públicos, e este acordo ainda pouco esclarecido faz dividir as opiniões. Os mais contestatários dizem que o Louvre está a transformar-se numa marca de luxo, vende-se o Louvre como se vende Cartier, Louis Vitton, Hermés...é só negócio e isso horroriza-os. Outros tranquilizam-se, as dificuldades financeiras do Louvre estão para já salvaguardadas.
Na Alemanha, depois da reunificação, os museus, quase todos também eles do Estado, mas com poderes descentralizados, estão numa crise financeira tal, que o município de Krefeld está a pensar vender um Monet, Bona vendeu recentemente um Baselitz, Brême um Renoir...dinheiro que servirá para equilibrar as contas. Embora a lei não o permita, as vendas prosseguem. Em Portugal, fecham-se algumas salas dos museus por falta de verbas.
Nos Estados Unidos, os museus na sua maioria estão nas mãos de particulares, através de Fundações, Corporações, Instituições...as suas colecções não são um bem público, e é frequente venderem obras para novas aquisições. Fez agora um ano que o Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque, vendeu através da Sotheby’s, 130 das suas melhores obras fotográficas para comprar a colecção da Fundação Gilman, uma das melhores colecções fotográficas. Foi nesse leilão que “The pond –Moonlight” (1904) de Steichen atingiu o record de $ 2 900 000.
Li que o MoMA (Museum of Modern Art) de Nova Iorque ia vender, entre outros, a obra “Réservoir, Horta de Ebro” (1909) de Pablo Picasso, de forma a captar fundos para adquirir outras obras para a colecção. “Réservoir, Horta de Ebro” e “Maisons sur la Colline” pertenciam à colecção de Gertrude Stein e em 1968 foram adquiridos por David Rockefeller Collection.
Pablo Picasso, Maisons sur la Colline, 1909
Pablo Picasso, Réservoir, Horta de Ebro, 1909
Fiquei atónita, como era possível o MoMA desfazer-se de “Réservoir, Horta de Ebro”, uma das paisagens que iniciou o seu período cubista.
Ao ler “The Autobiography of Alice B. Toklas” (1932) de Gertrude Stein, interessei-me por estes dois quadros de Picasso. Stein escreve o seguinte sobre os mesmos: “That summer they went again to Spain (Picasso e Fernande Olivier) and he came with some spanish landscapes,... they were the begining of cubism. In these there was no african sculpture influence. There was very evidently a strong Cézanne influence… But the essential thing, the treatment of the houses was essentially spanish and therefore essentially Picasso. In these pictures he first emphasized the way of building in spanish villages, the line of the houses not following the landscape but cutting across and into the landscape,…When they were first put up on the wall, naturally everybody objected. As it happened he and Fernande had taken some photographs of the villages which he had painted and he had given copies of these photographs to Gertrude Stein. When people said that the few cubes in the landscapes looked like nothing but cubes, Gertrude Stein would laugh and say, if you had objected to these landscapes as being too realistic there would be some point in your objection. And she would show them the photographs and really the pictures as she rightly said might be declared to be too photographic a copy of nature”. Mais tarde no livro que escreve sobre Picasso, em 1938 diz “ After his return from Spain with his first cubist landscapes in his hand, 1909, a long struggle commenced”.
A curiosidade em ver as fotografias foi grande e levou-me a procurá-las.
Em 1928, no nº 11 da revista Transition, um amigo de Picasso, Elliot Paul publicava um artigo sobre a semelhança referida por Stein, e mostrava, tal como Stein já o tinha feito, a fotografia e “Maisons sur la Colline” lado a lado.
Nº11 da revista Transition, 1928 (diz por cortesia de Gertrude Stein)
Mas será esta paisagem real, como parece provar o testemunho das fotografias?
Olhem atentamente para “Réservoir, Horta de Ebro” e para as duas fotografias. Estão as casas dispostas de forma ascendente ou descendente na colina?
Este desenho de Escher, "Waterfall", apresenta uma ilusão que sabemos ser impossível e que por isso nos causa desconforto. Embora seja clara na imagem a queda de água sabemos que esta não pode ser alimentada por um canal de água que aparentemente sobe.
Escher, Watterfall
Neste caso Escher utiliza uma distorção típica causada pela perspectiva de planos inclinados.
Na perspectiva de planos inclinados uma rua inclinada observada de cima, ou seja quando a vemos a descer, a linha do horizonte das casas fica situado acima do da rua.
O contrário, quando observamos uma rua inclinada do seu ponto mais baixo, ou seja quando a vemos a subir, a linha do horizonte dos edifícios fica situado abaixo do da rua.
Paradoxos da perspectiva que se aplicam á perspectiva fotográfica.
Voltando agora às paisagens de Picasso, Van Deren Coke, no seu livro “The Painter and the Photograph” de 1964, refere-se ao artigo de Elliott Paul, como prova de que Picasso utilizava as fotografias que tirava nos seus quadros. “..the photograph of the village of Horta de Ebro which seems to have been the inspiration for the painter’s Maisons sur la Colline, 1909”.
Pelo contrário Paul Hayes Tucker no seu artigo “Picasso, Photography, and the Development of Cubism”, 1982, que podemos ler neste site, faz uma análise detalhada dos dois quadros e das duas fotografias que pertenceram a Stein e reconhece inúmeros paradoxos visuais como as sombras e as vistas dos telhados. Tucker conclui que as fotografias e as pinturas não aparentam a total semelhança apontada por Stein.
O museu Picasso, em 1994 expõe “Picasso photographe 1901-1916”. Num trabalho de levantamento do espólio fotográfico para a realização da exposição, descobre-se uma terceira fotografia, inédita, que faz parte desta série e a completa numa sequência espacial.
Esta fotografia, ao contrário das outras duas apresenta um ponto de vista diferente. Tirada na extremidade da vila, em que o terreiro ocupa mais de metade da fotografia é contudo conclusiva para se perceber que as casas junto ao terreiro são as casas que visualizamos nas outras duas e que situam-se abaixo do reservatório. Com as três fotografias conseguimos agora nos situar no espaço. Ao olhar para as duas fotografias que pertenceram a Stein, e que agora sabemos que foram tiradas de um ponto de vista elevado, as distorções causadas pela perspectiva descendente, e igualmente induzidos pelo nome de uma das telas “Maisons sur la Coline”, fizeram-nos julgar que estas casas ocupavam o cume da aldeia.
Tucker, percebera, mesmo sem conhecer a terceira fotografia que as pinturas não podiam ter a equivalência das fotografias sugerida por Stein.
Picasso, de forma criativa conjuga nestas duas paisagens as diferentes perspectivas (ascendente e descendente) dadas pelas fotografias. Percebe-se com os dados que se têm hoje, que Picasso não utilizou a fotografia como cópia fiel, como se julgou no início, mas antes utilizou-as de forma criativa.
Não foram só nestas duas paisagens que Picasso utilizou as distorções fotográficas, “Au bord de la mer” (1920),
Pablo Picasso, Au bord de mer, 1920
as distorções exageradas das figuras, têm como referência as distorções fotográficas que divertiam muito os fotógrafos amadores da época. Desta forma Picasso imprimia movimento às figuras.
Mas Stein não se enganara completamente ao sugerir a influência de Cézanne.
Cézanne, sobretudo nas suas naturezas mortas conjuga frequentemente perspectivas diferentes como esta em que o prato de cerejas visto como se estivesse num plano está representado num ângulo de vista diferente do dos outros objectos.
Paul Cézanne, Cerises et Peches, 1883-87
Fiquei atónita quando li que o MoMA, ia vender “Réservoir, Horta de Ebro”
quarta-feira, março 28, 2007
Picasso e a fotografia
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Influências,
Percepção
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2 comentários:
eu gosto mesmo de lê-la.
aprendo muito consigo.
caramba....que post interessante..
consigo entender que a arte para ter vida se calhar tem de passar por este sistema mercantil, o qual não me causa tanta impressão assim.
a cultura é uma coisa transacionável e como tal quem um dia compra outro vende...é a lei do mercado...ou melhor do petromercado, neste caso...lá virá a lei do yenemercado...muito proximamente
e pronto..já vai longo este meu comentário...desculpe o abuso
:)
Obrigado, pode-se saber qual é o outro blog?
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