quinta-feira, março 08, 2007

Bill Viola no Alhambra

O Palácio Carlos V dentro do complexo do Alhambra, foi construído para a residência de verão da família real espanhola, em 1527.

Com uma arquitectura curiosa, um quadrado que toma a forma de circulo no interior, é aqui neste misterioso palácio, que nunca chegou a ser habitado, que agora se pode ver até 18 de Maio a exposição “Las Horas Invisibles” de Bill Viola.
Ablutions de 2005, um dos trabalhos mais recentes de Viola em exposição, é um díptico (forma frequentemente utilizada na primeira época da história da pintura), com imagens projectadas em ecrãns digitais colocados na vertical. O cristal líquido dos ecrãns LCD, apresentam imagens de uma qualidade que seduziram Viola. O jorro de água, é nítido, real e uniforme.
A água, fluido onde todos nós nascemos, elemento regenerador da vida, é o elo entre a vida e a eternidade através da purificação. Em Ablutions, a ideia de purificação é-nos dado através da expressão emocional das mãos, num fluido contínuo de movimentos lentos sob o jorro contínuo da água.



Instalação sem som, a água é o fio conductor para a paisagem sonora das inúmeras fontes existentes nos jardins e palácios do Alhambra.
No século XIII, al-Ahmar ibn Nasr, conhecido como Abenamar funda a dinastia nazari, com o nome de Muhammad I. A abundância de água, proveniente dos rios, Darro e Genil, levou os califas desta dinastia a criarem em Alhambra um paraíso na terra. Passeando nos jardins e hortas do palácio Generalife, o som da água a jorrar das fontes e nascentes é constante. Jardins emprisionados em pátios, propiciam a intimidade.
Muitas são as lendas de amores que aqui se viveram. Lenda de amor, de origem celta, é a ópera de Wagner, Tristão e Isolda. O amor é tão intenso e profundo, escreve Viola sobre o vídeo que realizou para esta ópera, que para ser consumado na sua plenitude, Tristão e Isolda terão de transcender a própria vida. As imagens que Viola criou para esta ópera representada em 2005 e encenada por Peter Sellers, são representações interiores e simbólicas. Curiosamente Viola cita Seyyed Hossein Nasr, que escreve: “são os reflexos do mundo espiritual no espelho do material e temporal”. Viola, não quis que as suas imagens ilustrassem ou representassem directamente a ópera, Viola criou um mundo de imagens com uma existência paralela à acção de cada cena. No primeiro acto, Viola apresenta a Purificação, o acto universal de preparação do indivíduo ao sacrifício e à morte simbólica, necessária à transformação e ao renascimento do próprio eu.


Através da água, tal como em Ablutions, o ser humano purifica-se.

Outro trabalho recente em exposição, The Darker Side of Dawn, também de 2005, é uma sequência de uma velha azinheira filmada durante as várias horas do dia, do nascer do sol até a obscuridade total da noite. A sequência é condensada de forma a sentirmos o ciclo de luz, onde se alcançam os extremos, a luz e a obscuridade total.

O vídeo é representado em toda a largura da parede.
Aqui o tempo é o elemento chave, como também o é no seu trabalho magnífico Catherine’s Room de 2001, políptico em vídeo com cinco ecrãs de LCD, baseado na pajela de Andrea di Bartolo. Em cinco paineis, Bartolo representa as orações de Santa Catarina.

Ao contemplar pinturas antigas, Viola descobre formas variadas e fléxiveis de representar o tempo. No renascimento, os artistas não se sentiam restringidos a representar um único momento no tempo. Na mesma tela ou fresco, representavam a mesma pessoa em vários lugares.
Fresco de Masaccio, 1425
Jesus ao centro explica a Pedro, representado três vezes, que o dinheiro para pagar a taxa do templo está na boca do peixe, ver lado esquerdo do fresco, e no lado direito Pedro paga ao cobrador a taxa.


O vídeo Chaterine’s Room, mostra cinco imagens paralelas do mesmo espaço com tempos diferentes. Para Viola Catherine’s Room representa simultâneamente três níveis temporais.

O primeiro tempo, o tempo real, é o tempo que duram as acções que Catherine desempenha em cada um dos painéis, yoga, costura, leitura,... Cada acção flui na acção seguinte e os cinco painéis representam a mesma Chaterine em acções diversas, é a ideia da representação de um tempo paralelo. Por último a ideia do tempo natural. No espaço do quarto, a janela, a única abertura para o exterior, representa simultaneamente dois ciclos temporais, o ciclo do dia e o ciclo das estações do ano. Para Viola estes dois ciclos representam o tempo natural.
Se a aparência de Catherine não muda, esta atravessa na realidade diferentes fases da sua vida, do nascimento à morte, para Viola, é a representação do tempo natural no seu sentido mais amplo.
O ciclo natural está presente nos jardins e hortas do Alhambra. O ciclo repete-se há milhares de anos, hoje, tal como nos primórdios, as hortas são cuidadas e os jardins estão agora a desabrochar para a primavera. Os caramachões, aguardam o desabrochar das roseiras, recentemente podadas, para os cobrirem. Presenciamos o início da primavera.
Para Viola a essência do vídeo é o tempo.
Observance, trabalho de 2002, finaliza a exposição. Surrender, de 2001, seria o trabalho perfeito para a terminar. Ambos os vídeos tratam de um tema muito querido de Viola, as expressões emocionais. Surrender descreve uma trajectória emocional de dois actores, na qual Viola acrescenta um elemento metafórico, a água, onde ambos os actores se reflectem e submergem. As ondas provocadas pela submersão são cada vez maiores, tornando as imagens distorcidas como os estados emocionais dos actores. Os dois ecrãns, em LCD, estão colocado na vertical a tocarem-se nos extremos.

Surrender, utiliza a camara lenta e a inversão para intensificar as transformações emocionais dos dois actores. Para Viola este trabalho representa o “ Choro. O regresso à fonte das lágrimas”. Aos dois actores Viola disse “pensem que este tanque está cheio de lágrimas”. Os jardins do Alhambra, estão repletos de lagos que reflectem os palácios.
Os canais que irigam e transportam a água para as fontes e lagos, foi uma proeza de engenharia da dinastia nazari.
A água é um dos grandes tesouros do Alhambra. Reza a lenda que pela “Puerta de los Pozos”, Boabdil partiu chorando quando entregou o Alhambra aos reis católicos.
Fui a Granada para rever o Alhambra e ver Bill Viola.

1 comentário:

En Regardant disse...

Adorei o seu texto sobre o Bill Viola ,e calhou que nesse exato momento estou pesquisando sobre esse artista maravilhoso ,queria além de parabenizá-la solicitar se vc tem algum outro material sobre esse artista que vc possa divulgar ou me mandar atravês do meu e-mail(ale.artenova@yahoo.com.br)
Grato desde já
Alexandre Lopes