quinta-feira, janeiro 15, 2009

"bone lonely" de Paulo Nozolino

Acabo sempre por voltar aos escombros da II Guerra Mundial, que é o ponto de partida da exposição”, refere Paulo Nozolino numa entrevista à revista Ípsilon, sobre a exposição “bone lonely”, que há dias inaugurou na Galeria Quadrado Azul em Lisboa.

Com um simples engenho, o homem reduzia duas cidades a cinzas em sete décimos de segundo - a II Guerra Mundial terminava da forma mais brutal, mas passados todos estes anos, o homem está longe de descobrir o engenho, que voltará a por de pé, em sete décimos de segundo, as cidades destruídas. O mundo decompõe-se, torna-se cada vez mais inabitável, mas pior é a ilusão do homem que finge inspirar-se numa forma de reconciliação.

As 32 fotografias, de pequena dimensão, que vão de 1976 a 2008, “têm como objectivo fazer com que o espectador vá perto delas e tente decifrar o que lá está”.
Seguimos o conselho do fotógrafo, aproximamo-nos, e na primeira imagem salta-nos à vista uma cidade despedaçada.


Paulo Nozolino, "bone lonely"

Sem data, título, localização, nada nos situa no espaço e no tempo. Seguimos conduzidos pelo fotógrafo - “o fundamental nesta exposição é a sequência das imagens” - sem saber o que nos espera.
Vagarosamente, de imagem em imagem, acabamos por sentir, ao longo de todo o horizonte da exposição,


Galeria Quadrado Azul, exposição "bone lonely", Janeiro 2009

a sombra espectral dessa cidade despedaçada que nos persegue em todos os pontos, até nos envolver.

Através da fotografia, Nozolino testemunha o mundo onde vive, testemunha o que vê, e o que ele vê é um mundo que se constrói mas em que o homem não poderá viver nele,


Paulo Nozolino, "bone lonely"

poderá viver sim, mas com a condição de se tornar cada vez menos homem. Porém, por instantes, neste enorme horizonte de escombros, julgamos que ainda há vida na criança, que ao colo do pai, é iluminada por um raio de luz,


Galeria Quadrado Azul, exposição "bone lonely", Janeiro 2009

mas rapidamente regressamos à escuridão das sombras. Obcecada pela imagem da morte,


Paulo Nozolino, "bone lonely"

a humanidade, sacrifica a liberdade, pelo medo que tem de si própria, pelo medo da sua sombra, naquilo em que se transformou. Neste longo horizonte entramos nas imagens como se caminhássemos até ao fim da noite, e numa casa de alterne, tudo nela, nesta prostituta,


Paulo Nozolino, "bone lonely"

está orientado no sentido de receber o macho, de lhe dar o que ele pretende mas a quem se entrega só para lhe extorquir dinheiro. A civilização humana é o homem na sua totalidade: cérebro, coração, alma e corpo. O homem fez a máquina e a máquina fez-se homem, e este novo ser, sem cérebro, coração e alma, deixou de ser livre, e para preencher o vazio que se alastrou e o angustia, procura desesperadamente a felicidade no prazer. O dinheiro, com os seus milhões de ventosas, sugou, dia após dia, tudo o que no mundo ainda havia de honra, a tal ponto, que de tão inchado explodiu. Dia após dia, lemos nos jornais, que os Estados esbanjam milhões e mais milhões, com o fim de preencher, o mais rapidamente possível, um vazio. Desnudado, à espera de ser esquartejado, pouco a pouco, pedaço a pedaço, como o pedaço do puzzle da penúltima fotografia, que não encaixa e deixa um vazio - “essa peça sou eu” -


Paulo Nozolino, "bone lonely"

é o sinal de que o fotógrafo deixou de estar em harmonia com o mundo corrompido que o rodeia.
Como um enorme espelho monstruoso, reflexo do mundo actual, as imagens de Nozolino, não nos deixam viver em paz.
E na última fotografia - “já não temos ilusões” - para Nozolino, a civilização vergou, deixou de ser um dever, uma responsabilidade perante o futuro, sucumbiu aos prazeres e ao lucro. Despojado de coração, cérebro e alma, reduzido meramente ao corpo, a crise actual é a crise de toda a civilização. Não nos iludamos também, o ser humano está falido, completamente liquidado e nada deixará atrás de si, apenas a sua sombra.

GRANDE NOZOLINO.

3 comentários:

Anónimo disse...

"GRANDE NOZOLINO" diz muito sobre este trabalho e sobre uma visão muito forte que marca todo o seu percurso...

Lembro-me muitas vezes do seu FAR CRY e de uma visita guiada pelo próprio onde fiquei completamente rendido... PN disse durante essa visita que aquilo que é mais determinante, para ele, no seu trabalho é o preciso momento em que pega nas leicas e no passaporte e decide "sair". Tudo o que se passa a partir daí, dizia o autor, tem menos importância.

(Penso que há um lapso na data das fotos. Onde se lê "Janeiro 2008", não deveria ler-se "janeiro 2009"?)

Madalena Lello disse...

Miguel, obrigado por partilhar as suas impressões e reparo da data, que vou emendar.

Anónimo disse...

Bom post, óptimo trabalho!