Num Sábado - 30 de Setembro 1967 - no terminal de autocarros de Port Authority em Manhattan, Robert Smithson comprava um bilhete com destino a Passaic, New Jersey, um dos subúrbios de Nova Iorque. “The Monuments of Passaic”, o artigo que publicou três meses depois na revista Artforum, Smithson narra ao detalhe este dia em Passaic e ilustra-o com seis fotografias dos sete rolos que gastou no passeio. Ao chegar ao primeiro monumento, a ponte sobre o rio Passaic, que liga Bergen County a Passaic County, Smithson deixa o autocarro e começa a sua caminhada. “ O sol do meio-dia cine matizava o lugar transformando a ponte e o rio numa imagem sobreposta. Ao fotografa-la com a minha Instamatic 400, senti que estava a fotografar uma fotografia. O sol, converteu-se num monstruoso bolbo luminoso, que projectava na minha retina, através da minha Instamatic, várias séries distintas de imagens congeladas. Avancei pela ponte e foi como se caminhasse numa gigantesca fotografia, de madeira e aço, onde por debaixo, o rio, se assemelhava a uma gigantesca película de um filme”, do artigo “The Monuments of Passaic”.
Robert Smithson, "The Monuments of Passaic, The bridge Monument showing wooden sidewalks, 30 Setembro 1967
Na revista Art Press deste mês, Dominique Baqué, no contexto do “Mois de la Photo”, que inicia agora em Paris, vê nas inúmeras exposições que invadem a cidade o regresso da fotografia documental.
Mas o que se entende afinal por fotografia documental - uma prova infalível do real?
Será Walker Evans o pai do “estilo documental”? Ou serão os trabalhos pioneiros, com intuito reformista, de Jacob Riis e Lewis Hine, os iniciadores deste género?
Nos anos sessenta, quando Smithson e Dan Graham fotografavam os subúrbios de New Jersey, Lee Friedlander e Garry Winogrand eram reconhecidos oficialmente como os herdeiros da fotografia documental iniciada por Evans. Porque ignorou a história da fotografia os primeiros? O que distingue as casas alinhadas fotografadas a cor de Graham das casas alinhadas fotografadas a preto e branco de Evans?
Será que os historiadores não os incluíram nos seus ensaios porque não se deixaram enganar pelo trabalho conceptual destes? Julgo que sim.
Graham em “Homes for America”, editado pela revista Arts Magazine, 1966-67, (já tantas vezes referido e reproduzido neste blogue), pensava nos neons industriais de Dan Flavin mais que nos jogos cromáticos da straight photography de Helen Levitt e Eliot Porter e relacionava o objecto minimalista – o cubo serializado – com os modelos arquitectónicos das casas suburbanas de New Jersey. Smithson por seu lado em “The Monuments of Passaic” reconhecia nas estruturas de Donald Judd, Sol LeWitt e Dan Flavin as qualidades negativas – banalidade e monotonia – dos subúrbios de New Jersey.
Regressemos então à caminhada de Smithson, que nesse Sábado, parodiando o grand tour turístico a Itália, - Smithson chamou ao título original do artigo “A tour of the Monuments of Passaic” – nos guia, das margens do rio Passaic ao centro da cidade. Num jogo de ambiguidade, entre monumento histórico – vestígio de um passado cultural memorável - e o que ele agora considera de monumento, Smithson leva-nos, através da sua narrativa que ilustra com fotografias, a um outro valor mais amplo do monumento como obra de memória, cujo modelo assenta na fotografia documental reduzida a uma aparência de banalidade, que afinal não são mais do que o registo dos novos monumentos do seu tempo. Os edifícios notáveis, legado do passado, são substituídos por “Monument with Pontoons: The Pumping Derrick”,
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, Monument with Pontoons: The pumping Derrick, 30 de Setembro, 1967
“The Great Pipes Monument",
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, The Great Pipes Monument,30 de Setembro, 1967
"The Fountain Monument”,
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, The Fountain Monument,30 de Setembro, 1967
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, The Fountain Monument,30 de Setembro, 1967
terminando a ilustração do artigo com “The Sand-Box Monument”.
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, The Sand-Box Monument,30 de Setembro, 1967
Ao categorizar estes objectos, tão pouco interessantes, em monumentos, Smithson inicia uma nova dialéctica entre documento – monumento, problemática que o historiador Michel Foucault irá sintetizar, dois anos mais tarde em “L’archéologie du savoir” - uma inversão do olhar sobre a história. Os monumentos de Passaic, não são monumentos eternos, memórias de um passado glorioso, mas, como o próprio Smithson chama “ruínas do futuro”, ainda em construção, como estas fotografias
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, fotografia tirada a 30 de Setembro 1967 em Passaic, mas nunca divulgada em vida de Smithson, hoje arquivada em Estate of Robert Smithson and the Archives of American Art
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, fotografia tirada a 30 de Setembro 1967 em Passaic, mas nunca divulgada em vida de Smithson, hoje arquivada em Estate of Robert Smithson and the Archives of American Art
de escavações para uma nova auto-estrada, “ruínas do futuro”, que uma dona de casa de Passaic, numa entrevista em 1968 ao New York Times faz eco : “Passaic is decaying and all we get from politicians are promises…Promises to make the streets safer. Promises to build new housing. I don’t have any faith left. If they strarted a new building here Saturday it will fall down Wednesday”.
Mas olhando para estas fotografias, somos instigados a perguntar: Onde fica Passaic? Quem aí trabalha e reside? É uma cidade industrial ou uma cidade dormitório? Qual a história de Passaic? Com tão poucas informações específicas do lugar será que “The Monuments of Passaic” poderá ser considerado um trabalho fotográfico documental, ou será precisamente uma crítica à transparência do documentário?
Embora Smithson seja rigoroso em detalhes e nos descreva por exemplo as revistas e jornais que comprou no terminal e nos relate os artigos que leu durante a viajem, em relação ao centro da cidade refere: “Actualmente o centro de Passaic não existe – em lugar existe o abismo ou um vulgar vazio”, e relata, que em tempos um carril passava num local onde agora existe um Parking Lot.
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, fotografia tirada a 30 de Setembro 1967 em Passaic, mas nunca divulgada em vida de Smithson, hoje arquivada em Estate of Robert Smithson and the Archives of American Art
Curiosamente Smithson não especifica para que servia o carril pois nunca menciona o passado de Passaic, que no início do século XX era uma das regiões com a maior indústria têxtil do país, e curiosamente também omite, que Passaic, foi a cidade onde nasceu e cresceu. Curiosamente ou esquecimento propositado?
“O esquecimento, é para mim”, diz mais tarde, “um estado em que não temos consciência do tempo e do espaço”, e é este estado, precisamente, que Smithson nos apresenta no seu tour por Passaic, invertendo a tradição histórica do grand tour.
Em 1967, Passaic era uma cidade industrial em ruínas, como tantas outras nesta época,
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, fotografia tirada a 30 de Setembro 1967 em Passaic, mas nunca divulgada em vida de Smithson, hoje arquivada em Estate of Robert Smithson and the Archives of American Art
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, fotografia tirada a 30 de Setembro 1967 em Passaic, mas nunca divulgada em vida de Smithson, hoje arquivada em Estate of Robert Smithson and the Archives of American Art
com fábricas abandonadas, com o rio poluído,
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, fotografia tirada a 30 de Setembro 1967 em Passaic, mas nunca divulgada em vida de Smithson, hoje arquivada em Estate of Robert Smithson and the Archives of American Art
edifícios delapidados,
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, fotografia tirada a 30 de Setembro 1967 em Passaic, mas nunca divulgada em vida de Smithson, hoje arquivada em Estate of Robert Smithson and the Archives of American Art
e o centro da cidade vazio, onde 36% do comércio fechara, pela forte concorrência de centros comerciais construídos fora da cidade.
O seu tour, o seu “turismo industrial” era comum nos anos sessenta, em que agências de viajens organizavam “negative sightseeing” por cidades industriais em ruínas, e conduziam em autocarros estes novos turistas a visitar os “ten top polluters in action”.
Smithson, como muitos artistas da época, viram na banalidade da fotografia a sua importância como crítica da cultura Ocidental e em “Sand-Box”
Robert Smithson, The Monuments of Passaic, fotografia tirada a 30 de Setembro 1967 em Passaic, mas nunca divulgada em vida de Smithson, hoje arquivada em Estate of Robert Smithson and the Archives of American Art
uma meditação sobre a ideia de entropia e de infinito : “Gostaria agora de provar a irreversibilidade da eternidade usando uma experiência simples para provar a ideia de entropia: Imaginem uma “sand box” dividida metade com areia preta e a outra metade com areia branca. Leve-se uma criança a brincar no seu interior pedindo-lhe para remexer a areia no sentido dos ponteiros de um relógio até esta se tornar cinzenta. De seguida pede-se à criança para a remexer no sentido inverso. Nunca se conseguirá restaurar a divisão original, mas antes a areia transforma-se num cinzento mais carregado numa maior entropia”, do artigo “The Monuments of Passaic”.
quarta-feira, novembro 05, 2008
Passaic - as "ruínas do futuro"
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Mudanças
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4 comentários:
É de facto muito ou, pelo menos para mim, mais do que suficiente.
Infelizmente que o of_beuty é um blog com poucos leitores: apenas os meus alunos; e por isso qualquer referência que aí faça terá pouco (nenhum?) eco.
Ainda assim terminar com Sais de Prata, acto poético sem dúvida, retirar-me-ia um pequeno prazer: o de o ler.
Caro Pedro, fiquei abismado com as imagens não divulgadas de Passaic, onde as conseguiu?
Caro Pedro,
muito bom o seu texto sobre os monumentos de Passaic de Robert Smithson.
Olá, sou pesquisador em artes, cursando mestrado em poéticas visuais pela UDESC e gostaria de saber sobre as referencias deste seu texto, alem dos textos monumentos de passaic, principalmente sobre as fotografias que vc apresenta aqui que nao havia encontrado em outro lugar.
Estou pesquisando a ruína em em Smithson e este texto me interessa muito. Conversamos, contato
fernando weber
colecionadordelevezas@hotmail.com
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