Ao consultar as previsões do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, (IRIS) para o ano 2009, tive por momentos a sensação de ter perdido a noção do tempo. Ao ler os últimos relatórios da actualidade económica parecia simultaneamente ter entrado num passado longínquo, veja-se: “A 1 de Maio de 2008, Gordon Brown sofreu o maior revés na história do partido trabalhista ao perder as eleições legislativas parciais que tiveram lugar no Reino Unido”, e mais à frente o vaticínio: “a substituição de G.Brown por David Miliband é previsível”. Num outro relatório, a inflação galopante causada pelo elevado preço do petróleo e das matérias-primas, consequências de um elevado consumo mundial – a grande preocupação de um outro analista. Do dia para a noite, Gordon Brown passou a ser o maior e Trichet, que em Junho, muito teimosamente ainda subia as taxas de juro, esquece-se agora da inflação que o obcecou durante anos, para se preocupar com a recessão, baixando já por duas vezes essas mesmas taxas de juro. Num dia adormecemos inquietos com os riscos de uma inflação causada por um forte consumo mundial e acordarmos no dia seguinte com os riscos de uma recessão profunda que nos inquieta ainda mais – o mundo baralhou-se e tornou-se surreal e perturbante.
E nesta fotografia,
Thomas Weinberger, West, Portugal, 2008
Lisboa está preste a acordar ou prepara-se para dormir?
Thomas Weinberger também nos baralha, o céu de um cinzento sem nuvens e as luzes estranhas dos candeeiros deixa-nos sem noção do tempo e ficamos à deriva, não no mar mas em terra. O seu truque, que não se coíbe de revelar, mas que demorou a descobrir, parece afinal simples: depois de fazer a primeira exposição durante o dia, espera no mesmo local pacientemente pela noite. Faz então a segunda exposição, tão longa, que nalgumas os rastos do que por ali se movimentou, ficam registados.
Thomas Weinberger, Alexanderplatz, Alemanha, 2003
Depois combina as duas imagens – diurna e nocturna – numa fotografia única, o resultado, estas atmosferas surreais e perturbantes que são bem o reflexo do tempo em que vivemos.
Habituados a comparar por décadas os desenvolvimentos económicos do século XX, tal como as épocas diferentes destas casas em Alcântara se sobrepõem em camadas,
Thomas Weinberger, Al-Kantara, Portugal, 2008
chegamos a 2008 espantados mas finalmente conscientes dos riscos, que ninguém ou quase, previu deste mundo desenfreado em que vivemos. Será que ao mundo financeiro só lhe resta a última camada, o local onde nascem os ciprestes?
Neste mundo desenfreado, no deserto do Dubai, ainda há uns anos habitado por beduínos a viver em tendas, surgem as mais altas torres do planeta.
Thomas Weinberger, Marina Dubai, Emirados Arabes Unidos, 2006
As luzes eléctricas no topo dos guindastes indicam que durante a noite a construção não pára - para chegar aos 800 metros de altura, que os promotores imobiliários esperam, nada pode parar.
Thomas Weinberger, que deixou a arquitectura pela fotografia, ao contrário dos economistas percebeu o mundo global das metrópoles que nunca dormem - da arquitectura fica o seu interesse pela paisagem urbana.
Thomas Weinberger, Zone 30, Alemanha, 2004
Se os moradores destas casas ajardinadas de um bairro de Munique parecem dormir, ao fundo três chaminés de uma central térmica vibram de luz, produzindo durante a noite a energia que a cidade consome de dia.
Quando o preço do petróleo em Julho atingia 147 dólares por barril, e o mundo exigia mais produção, na refinaria Esso,
Thomas Weinberger, Craker, Alemanha, 2003
já a funcionar dia e noite, a única alternativa possível foi deixar os preços subir. Com o sol a brilhar no horizonte, Weinberger sintetiza o dia e a noite, que já não se distinguem.
No mundo globalizado não são só as indústrias e refinarias que pulsam dia e noite,
Thomas Weinberger, Kühltürme, Alemanha, 2004
as empresas também não dormem pois não conseguem sobreviver se limitarem a sua actividade a um único Estado, mesmo quando se trata de um grande país - e enquanto os europeus dormem,
Thomas Weinberger, Genova, Itália, 2005
na Austrália,
Thomas Weinberger, Walt Sydney, Austrália, 2007
na mesma empresa continua-se a trabalhar. No século XXI, quando as multinacionais começaram a dominar os mercados, os economistas passaram a falar de criação horizontal de valor como a horizontalidade destes painéis
Thomas Weinberger, I.E.P.E., Espanha, 2007
que publicitam estas empresas que podem ter capitais chineses, indianos, franceses…a sua sede em Nova Iorque, Madrid, Palo Alto…administradores Coreanos, Espanhóis, Portugueses…e estarem cotadas nas Bolsas de Frankfurt, Hong Kong, Wall Street...
Será que agora só há uma única saída - o desconhecido,
Thomas Weinberger, Rosebud, Austrália, 2007
como “Rosebud” foi o segredo de uma vida em Citizen Kane ?
Na Fundação Calouste Gulbenkian em Paris, a exposição “Nuits Claires” de Thomas Weinberger pode ser vista até 19 de Dezembro, e no catálogo, o comissário Jorge Calado prevê “…que le prochain pas (do fotógrafo) sera la superposition de deux images, la diurne et la nocturne, mais pas totalement identiques…Nous verrons”.
Será, pensei eu ao ler os relatórios do IRIS, que vale a pena ler as previsões para 2009? Nous verrons.
quarta-feira, novembro 19, 2008
Na ambiguidade do dia e da noite
Etiquetas:
Exposições/Livros/Colecções
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1 comentário:
MUY BUENO, SIGA ADELANTE
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