sábado, novembro 22, 2008

No mar do Japão


Nao Tsuda, Ship shadow of Omi, 2007

Haverá cem mil graus na terra, dez mil sóis, dirão. O asfalto arderá. Uma profunda desordem reinará”, escreve Marguerite Duras no guião para “Hiroshima meu amor”, 1959, ao lembrar o efeito do calor impossível que foi esse dia 6 de Agosto de 1945.
Três dias depois será a vez de Nagasaki. O governo japonês levou dois dias a perceber o que era a bomba atómica e os seus efeitos nefastos. No dia 15 de Agosto o povo japonês ouvia pela primeira vez na rádio a voz do imperador Hirohito: “A guerra”, disse ele, “ não avançou em benefício do Japão. Aliás, o inimigo começou a usar uma bomba nova e cruel. Se continuarmos a combater irá resultar não só num colapso tremendo e na eliminação da nação japonesa como também na destruição total da civilização humana. Por isso temos de suportar o insuportável…” - era a rendição do Japão.


Nesse dia, ao entardecer, o grande fotojornalista japonês, Hiroshi Hamaya, descreve aqui, que subiu ao terraço do templo Zendoji, em Takada, e fotografou o sol, num céu escuro como o breu – “Hinomaru”: o disco rubro do Sol nascente que adorna a bandeira do Japão.

Aproveitando o aniversário dos 150 anos das relações franco - japonesas, o salão Paris Photo, que teve lugar nos dias 13 a 16 de Novembro, foi dedicado ao Japão. Com o tema “A Bomb, 1945/46” a galeria Daniel Blau vestiu o seu stand de preto - a única a lembrar, por quem ali passava, a nação que nesse terrível Agosto, era apocalipticamente destroçada por duas bombas mais brilhantes que dez mil sóis.


Paris Photo 2008

Quando trabalhava na sua série Europa, Paul Graham numa entrevista – “Le Paradis vide, photographies du Japon 1989-1995”, confessava que o que lhe interessava cada vez mais era conseguir registar nas suas fotografias, o peso do passado nas sociedades que fotografava. “Todas essas preocupações”, conta Graham, “tornaram-se mais intensas desde que passei a viajar para o Japão. Sociedade traumatizada pela sua história recente, parece contudo viver uma gigantesca amnésia colectiva. No Japão tentei aprofundar a relação entre a persistência do sonho e essas zonas sombrias da história japonesa, … tentei revelar essa amargura escondida em camadas do seu subconsciente…”.

No salão, para além das galerias japonesas convidadas, que revelaram os trabalhos mais recentes do país, muitas expuseram os artistas japoneses que representam . As cenas familiares de Shoji Ueda, com as dunas de Tottori como décor


Paris Photo 2008

a Shomei Tomatsu, o fundador da moderna fotografia japonesa, não eram esquecidos. A originalidade das imagens de Tomatsu, como a garrafa derretida e deformada pela bomba atómica em Nagasaki, 1961, pode ser vista bem ao centro desta composição.


Paris Photo 2008

Antes de partir para Hiroshima, Alain Resnais disse ao produtor “vou partir para constatar que este filme é impossível” - Resnais não queria fazer mais um filme sobre a bomba atómica, mas junto com Duras, socorrem-se da ficção e inventam uma outra espécie de narrativa, e o impossível torna-se magnífico. Tomatsu, sabe que a verdade anda sempre escondida, e prefere, tal como Resnais, não ir ao encontro do grande evento. Quando, em 1960, o Conselho Japonês decidiu produzir um livro sobre as duas cidades mártires, Tomasu incumbido de fotografar Nagasaki, não fez nenhum esforço para que as suas imagens tornassem o acontecimento legível, ao contrário de Domon que fotografou as cicatrizes das vítimas de Hiroshima. As memórias são para Tomatsu o que mais lhe interessa - traços fugidios que acabam por se revelar os mais perduráveis. Na sua série “The pencil of the sun”, 1971, o mar as nuvens e o céu, que interpreta como grande evento, parecem ter vindo ao seu encontro.


Shomei Tomatsu, da série "The pencil of the sun", 1971

Nos anos 80, no auge de um pujante crescimento económico, a fotografia japonesa refugia-se com Nobuyoshi Araki e Hiroshi Sugimoto na intimidade e na evocação crítica à temporalidade. Nas paisagens marítimas deste último, não há vislumbre de vida – só oceano, céu e uma linha do horizonte, que por vezes a bruma desfaz.


Hiroshi Sugimoto, 1994


Hiroshi Sugimoto, 1990

Intemporais - nada nos indica nada - contêm todo o tempo e revelam-se anteriores à memória, como em todas as suas outras séries.

Na nova vaga nipónica,


Paris Photo 2008


Paris Photo 2008

o mar continua tema central,


Nobuo Asada, da série "A place where the sea is", 1997


Asako Narahashi, Kawaguchiko, 2003


Syoin Kajii, da série "Nami", 2007

e à memória assaltam-nos os tsunamis das gravuras antigas.

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