terça-feira, agosto 26, 2008

Os subúrbios americanos

“Psycho”, (1960), o último filme a preto e branco de Hitchcock, que passou recentemente na Cinemateca, inicia com um plano geral de uma cidade americana igual a tantas outras.

Robert Adams, do livro "The New West", 1974


Com uma precisão pouco habitual nos seus filmes, Hitchcock localiza-nos no espaço e no tempo: estamos em Phoenix, no Arizona e são 2:43 da tarde de uma sexta-feira de Dezembro. O detalhe da hora, explicou o realizador a Truffaut, é importante, porque assim o espectador é informado que aquela é a única altura em que a rapariga, Marion, que trabalha numa imobiliária, pode ir para a cama com o amante. De plano em plano, de telhado em telhado, de prédio em prédio, acabamos por entrar, através de uma janela no quarto de Marion.

Robert Adams, do livro "The New West", 1974

No escritório, ao qual regressa sem almoçar, um cliente paga em notas a casa que acaba de comprar para a filha. O fim-de-semana está à porta, 40.000 dólares é muito dinheiro para ficar no cofre da agência e Marion, seguindo a ordem do patrão deverá depositá-lo no banco. Tanto dinheiro num envelope é tentador, e de transgressão em transgressão, Marion decide rouba-lo e fugir. De carro, saímos de Phoenix com Marion ao volante e seguimos por uma estrada deserta rodeada por campos de algodão.

Robert Adams, do livro "The New West", 1974

Hoje, se Marion ressuscitasse e regressasse à “route 347”, não a reconheceria - filas e filas de casas todas iguais com piscinas e relvas sintéticas pululam no que era, ainda há uns anos atrás um deserto.

Robert Adams, do livro "The New West", 1974


Robert Adams, do livro "The New West", 1974

Phoenix foi das cidades que mais cresceu com o recente “boom” imobiliário e tornou-se “an obvious place to open a bank”, disse há dias o presidente do Arizona Bankers Association numa entrevista. De ano para ano Phoenix viu crescer centenas de novos bancos, o montante dos depósitos passou dos 43 mil milhões de dólares em 2000 para 80 mil milhões em 2007, aumento que justificou a proliferação do negócio. Se os 40.000 dólares tentaram Marion, o lucro fácil obtido nos empréstimos para a construção, o principal negócio em que a banca se transformou, enriqueceu todos durante sete anos até que a bolha rebentou. Agora Maricopa, um dos subúrbios de Phoenix, como tantos outros subúrbios da América, vive as consequências dos excessos: empréstimos sobre activos que não existem – casas que nunca chegaram a ser construídas ou que estão inacabadas


Robert Adams, do livro "The New West", 1974


Robert Adams, do livro "The New West", 1974

levaram à falência bancos, construtores e os proprietários que compraram as suas novas mansões vêem-se agora aflitos e enganados, por pagarem muito mais pelo seu valor real. Casas vazias, com tabuletas indicando “for sale” vêem-se por todo o lado,

Robert Adams, do livro "The New West", 1974

o deserto regressou aos subúrbios, mas o cimento e o betão transformaram a paisagem.


Robert Adams, do livro "The New West", 1974

O Oeste que o fotógrafo Robert Adams, (n.1937) ainda conheceu – uma terra de espaço livre,

Robert Adams, do livro "The New West", 1974

há muito que entrou em declínio. Adams doutorado em literatura inglesa, deixou o ensino pela fotografia e no início dos anos 70, empenhado nas questões do ambiente, fotografou a transformação das paisagens do Colorado ao Oregon, que deixou registado no livro “The New West”, 1974, que este ano a Aperture reeditou. A sobrepopulação com a construção das “tract homes” nos subúrbios preocuparam-no profundamente.


Robert Adams, do livro "The New West", 1974

Marion foge da cidade, de Phoenix e num motel,

Robert Adams, do livro "The New West", 1974

perdido numa estrada que passou a secundária, procura uma noite de descanso, mas em lugar encontra o terror e a morte.
Agora para fugir ao terror dos subúrbios os americanos regressam à cidade, e os carros que há pouco ocupavam as garagens das casas são substituídos pelos transportes públicos, “os americanos tornam-se cada vez mais europeus”, escreveu recentemente um ambientalista no Washington Post.
Os subúrbios já não tem futuro, apenas uma história, como a história de “Psyco” que termina tal como os subúrbios num vazio total, onde todo o horror parece afinal não ter culpado.

Robert Adams, do livro "The New West", 1974

4 comentários:

almagrande disse...

Excelente post,com excelente "argumento" a fazer lembrar o Mestre.Nos subúrbios americanos, tal como nos seus filmes, a expressão "suspension of disbelief" ganha sentido.

Madalena Lello disse...

almagrande, falar em “Psycho” sem falar na famosa sequência do duche parece absurdo, contudo há dias, quando revi o filme que a Cinemateca passou recentemente, o primeiro plano da cidade lembrou-me imediatamente 15th Street em Denver de Robert Adams, a 1º fotografia do post, depois veio o resto…obrigado, gostei de saber que gostou.

Anónimo disse...

Estupendo post, a veces no se sabe bien si ilustras con fotos o ilustras con textos. Simplementte magnífico.

Miguel

Anónimo disse...

Gostei muito de seu blog, principalmente do que postou sobre este que considero mestre do cinema. Passarei por aqui mais vezes...e que fotografia de cena!