quarta-feira, junho 06, 2007

Realidade vs Ficção

Os organizadores de Pulse Miami, uma feira de arte contemporânea que terá lugar nos dias 6-9 de Dezembro, decidiram começar já a divulgá-la.

Publicidade de Pulse Miami, na revista Modern Painters

Como o verão já aí está, nada melhor que esta praia de Massimo Vitali para a publicitar.
Representado pela galeria Brancolini Grimaldi Arte Contemporanea, Vitali na última feira Paris Photo, tinha à venda "Coney Island, New York" por € 18.320.
Massimo Vitali, Coney Island, New York, 2006 (199 X 160 cm) c-Print under plexi, na feira Paris Photo 2006

De grande formato as fotografias de Vitali dão-nos a impressão de serem completamente artificiais.
Massimo Vitali, Rosignamo Beach, 2003, (180 x 225 cm)

Massimo Vitali, Beach, 2003
Massimo Vitali, Viareggio Tuffo, 1995
Massimo Vitali, Nice, 2005, c-print under plexi, 220 x 180 cm (Brancolini Grimaldi)

Fruto da publicidade e dos media em geral, a nossa experiência com o mundo torna-se cada vez mais artificial assim como a própria realidade se transforma cada vez mais em imagem. A linguagem visual utilizada pela publicidade é complexa, simulam documentar o real, para nos sugerirem um mundo ficcional, e quando olhamos para as fotografias de Massimo Vitali, férias na praia, já não sabemos se estas praias são ou não reais. Durante anos a fotografia foi considerada registo do real, hoje acontece precisamente o contrário. Qualquer um de nós sabe que as fotografias que vemos nos jornais, revistas, internet...podem ser totalmente artificiais, ou seja, a fotografia já não precisa do real.
Quando olhamos para esta fotografia de Weegee tirada em Coney Island, ficamos surpreendidos... como é possível tanta gente.

Weegee, Crowd at Coney Island, They came early, and stayed late. 22 July 1940

Em Nova Iorque, naquele dia de domingo (22/07/1940), os termómetros chegavam aos 40º graus. Hoje quando olhamos para a fotografia não nos ocorre duvidar se Wegge acrescentou pessoas através de fotomontagem ou outro processo qualquer. A fotografia representava o real, e as estimativas confirmavam o real da fotografia, mais de um milhão tinha estado em Coney Island. A fotografia é publicada no jornal PM. Para atrair a atenção dos banhistas (?) Weegee acenava e gritava para olharem para cima.
E esta fotografia de Vitali?
Massimo Vitali, Viareggio air Show, 1995
Vitali não manipula as suas fotografias, utiliza tal como Olivo Barbieri, Marc Rader que fotografam a arquitectura das cidades, câmaras analógicas de grande formato e o resultado são fotografias que mais parecem ficcionais do que reais.
Em cima de uma plataforma com cinco a sete metros de altura, ao contrário de Weegee, espera o tempo suficiente para que as pessoas voltem às suas actividades normais, e é nessa altura que começa a fotografar. Férias na praia, é tema com que a publicidade já nos familiarizou. As fotografias de Vitali são reais, mas provocam-nos uma sensação de estranheza, Vitali põe em evidência a ficção que as imagens comerciais criaram.
Os fotógrafos de hoje, como os de ontem, estão submetidos ao seu tempo. E se hoje as praias de Vitali nos causam alguma estranheza pela artificialidade que sugerem já a praia de Coney Island, tão fotografada na década de 1940 representa a realidade da época.
Harry Lapow, Coney Island, 1958
Morris Engel, Coney Island, 1941

Coney Island, escreveu uma vez Jorge Calado, está para os americanos como a Nazaré está para nós, portugueses. Ainda hoje me recordo da cara de espanto de um nova iorquino quando há uns anos lhe disse que quando fosse a Nova Iorque visitaria Coney Island. Para mim estas praias no sul de Brooklyn fazem parte de Nova Iorque tal como a quinta avenida em Manhattan.
Península de Coney Island, vista aérea.

Desde 1890, que Coney Island serve de praia aos nova iorquinos. No verão este areal banhado pelo oceano atlântico é refugio de muitos para aliviar o calor. Por uma importância pequena, um nickel em 1940, nova iorquinos apanham o subway até Coney Island. Mas será que conseguem aliviar o calor?
Sid Grossman, Coney Island, 1947

Se chegar à borda de àgua é tarefa difícil, porque não tentar um chuveiro?
Morris Engel, Coney Island, 1941

Walker Evans fotografou os casais de namorados que para lá iam se divertir nos parques de diversão. Na década seguinte, foi a praia que entusiasmou os fotografos.
Bruce Gilfen, Coney Island, 1968

A seguir vieram os anos em que a zona se degradou e Bruce Davidson fotografou os gangs de Brooklyn em Coney Island.

Bruce Davidson, Coney Island, da série Brooklyn Gang, 1958

Revitalizada a zona, a pesca é hoje um entretém e no Verão os areais lá se enchem novamente como mostra a fotografia de Vitali tirada em Coney Island no ano passado.
Bruce Davidson, Child on Wharf, Coney Island, 1997

Hoje escreve-se que já não há fronteira entre real e ficção. Mas será que a nossa percepção do real mudou assim tanto? Em dias tórridos ao olharmos para as nossas praias pensamos em Coney Island ou nas praias ficcionadas da publicidade?

3 comentários:

Tomé Duarte disse...

e por falar nisso... http://www.nytimes.com/packages/html/magazine/20070531_VINCENT_FEATURE/blocker.html

Roteia disse...

Nos últimos cem anos, mais coisa menos coisa, o costume de ir à praia foi, não apenas um prazer, mas um verdadeiro factor de afirmação social. Iam a banhos sobretudo as classes altas e as massas urbanas que pretendiam ascender a tal posição. Depois as coisas massificaram-se, como se existisse um direito universal à vida saudável, pelo menos no período de férias. Hoje, distinguem-se as praias da populaça e as praias distintas (geralmente de difícieis acessos), onde se pretende encontrar o máximo de natureza selvagem e o mínimo de gente. Mas as coisas estão a mudar: a ideia de férias divertidas e saudáveis à beira-mar começa a ser substituída por advertências médicas contra os crescentes malefícios do sol sobre a pele (diz-se que o sol se está a tornar doentio devido à poluição atmosférica) e os perigos das águas inquinadas que desaguam em algumas das mais famosas praias do mundo e também nos paraísos ditos ecológicos.

Restam-nos para já os registos fotográficos, milhões de registos,
realizados por pessoas comuns que se tornavam fotógrafos amadores durante as férias, por profissionais e negociantes da fotografia que tiravam partido da grande afluência de gente na época estival, e sobretudo por grandes fotógrafos cuja visão, neste campo como noutros, talvez sobreviva à era da massificação dos costumes a que actualmente chamamos globalização.

As fotografias que a Madalena nos mostra, para além do seu interesse estético, não deixam de documentar um costume contemporâneo possivelmente em vias de extinção.
Abraços.

Madalena Lello disse...

Tomé Duarte é algum artigo que sugere para consulta no N.Y.Times?

Mesmo cientes dos malefícios do sol em dias de calor é impressionante como as nossas prais ficam ainda apinhadas. Julgo que ainda vai demorar algum tempo na mudança de hábitos.
um abraço