domingo, fevereiro 08, 2009

A Natureza como alegoria

Na semana passada, os fortes nevões que transformaram Londres numa cidade branca encheram as primeiras páginas dos jornais.

Cada vez mais, temos a noção, da forma invulgar como o clima se está a alterar. No seu livro, “Quente, Plano e Cheio”, editado recentemente, Thomas Friedman, conta-nos como as alterações climáticas estão a afectar os hábitos dos caçadores americanos: “Os habitantes de Montana sempre souberam que, em Outubro, os fortes nevões nas montanhas, forçariam os alces a procurar altitudes mais baixas, onde se juntam em grupo para se alimentarem nos vales. Ali, os caçadores podiam seguir-lhes a pista e matá-los. Mas com as neves a chegarem mais tarde, o alce também desce as montanhas mais tarde, e a época do alce tem de ser adiada para o mês de Novembro. Não é uma fatalidade – apenas nos diz que o ambiente está a mudar e que, consequentemente, o nosso modo de vida pode mudar”.

Em 1974, Martin Parr, deixava Manchester por Hebden Bridge, no Yorkshire. “Hebden Bridge is a declining mill town and an up-and-coming tourist area”, escrevia Parr a um amigo um ano depois. Interessado em registar as profundas alterações económicas e sociais, porque passava a região, e que se alastravam por todo o país, Parr fotografa este grupo de caçadores,


Martin Parr, Hebden Bridge Foxing, 1975

num hábito, que parece ainda resistir às profundas mudanças da sua comunidade.

O universo de Pieter Breugel, vem-nos à memória.


Pieter Breugel, O velho, Caçadores na neve, 1565

Numa posição vantajosa, nós, observadores, vemos este grupo de caçadores - que certamente não adiaram a caça - a regressarem a casa. O céu congestionado e tempestuoso, ameaça um forte nevão, mas a ave negra, que sobressai da cor gélida do céu, será prenúncio de algum desastre iminente? Em baixo, ignorando a tempestade que se aproxima, os aldeões divertem-se no lago gelado. Numa natureza pobre em cor, no plano principal e intermédio, os troncos negros das árvores despidas, contrastam com o branco e cinzentos da paisagem.

O universo de “Shelter”, 2001, de Augusto Alves da Silva vem-nos à memória.


Augusto Alves da Silva, do livro "Shelter", 2001

Sem caçadores, sem qualquer presença de vida humana, completamente isolados, o som inconfundível do vazio na repetição formal dos pinheiros queimados, numa monotonia deliberada, parecem resistir ao Inverno rigoroso – um último contacto com a natureza, que Alves da Silva pressente desaparecer em breve.

O universo de Caspar David Friedrich vem-nos à memória.


Caspar David Friedrich, O caçador dos bosques, 1813

Em “O caçador dos Bosques”, uma nota, do primeiro dono do quadro, refere o seguinte: “É uma paisagem de Inverno; o cavaleiro, que já perdera o cavalo, caminha para a morte; um corvo canta uma marcha fúnebre, enquanto o segue”.
Numa solidão aflitiva, tal como o espectador em “Shelter”, o caçador parou numa clareira da floresta, as pegadas que deixou na neve em breve desaparecerão também. Confrontados com o desespero deste cenário, os contemporâneos de Friedrich, não poderiam deixar de pensar, no povo alemão que sofria o jugo das invasões napoleónicas. Os altos abetos, que se erguem em flancos fechados, que tornam o horizonte limitado, contrastam com os jovens pinheiros que nascem junto aos troncos cortados do primeiro plano. Símbolo de esperança na nova geração?
Ao longo dos séculos, apesar das diferenças, topológica ou imaginária, todos estes universos partilham e apontam para um ponto comum, um ambiente geral de transitoriedade e de morte, a representação do Inverno da vida numa relação alegórica com a paisagem.

Antes, o estado do tempo era visto como um acto da Mãe Natureza, hoje o estado do tempo passou a ser, potencialmente, culpa nossa.

Fatalidade do destino?

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